O Grunge realmente existiu?

O Grunge realmente existiu?

Por Bruno Marise

Em 2014, completaram-se 20 anos da morte de Kurt Cobain. No mesmo mês, o Nirvana entrou para o Rock and Roll Hall Of Fame. A conquista foi coroada com a primeira apresentação ao vivo da banda desde 1994. O dia 5 de abril daquele ano, quando o vocalista e guitarrista foi achado morto com uma bala na cabeça, ficou marcado simbolicamente como o final do Grunge. Mas será que alguma vez ele existiu? Eu sempre torci o nariz para o Grunge sendo tratado como gênero. Muita gente diz que ele foi responsável por enterrar o Hair Metal, outros negam que ele tenha existido. Mas para entender tudo isso, precisamos saber como andava a cena musical daquela época.

Os anos 80 representaram o auge do Heavy Metal tanto no underground (Thrash) como no mainstream (Hair Metal). O rock que havia dominado a década passada em todos os aspectos, com shows grandiosos, turnês pomposas e músicos milionários estava morto. As bandas de rock progressivo ou acabaram ou tentaram se adaptar a nova realidade, fazendo um som mais palatável, que em alguns casos funcionou bem e em outros falhou miseravelmente. Os grupos de Hard que sobreviveram a virada da década tiveram também que aprender a tocar mais rápido e pesado para saciar a molecada, cada vez mais exigente, ou se aventuraram pelos visuais afetados cheios de maquiagem e laquê. Se por um lado, os fãs de rock se deliciavam com a novidade Guns n Roses e seu Appetite For Destruction [1987], por outro já existia toda uma cena de rock alternativo se consolidando, representada fortemente na figura dos Pixies, de Boston. Outros grupos como Hüsker Dü, The Replacements e R.E.M. também já vinham batalhando há anos, fazendo um som que se aproximava de alguns estilos, mas difícil de classificar. Assim está desenhado o cenário musical do final dos anos 80: Mainstream em baixa, carente de novos ídolos e uma geração de quase adultos que cresceram ouvindo rock dos anos 70 e com a cultura do Punk e Hardcore, e começam a formar bandas para fugir do tédio que assola a chuvosa Seattle. Um circuito interessante e produtivo de grupos começa a aparecer. Até então, nem se ouvia falar de “Grunge”.Nada mais que  uma derivação da palavra “grungy”, em inglês  adjetivo para  algo sujo, imundo. O que se via era apenas uma turma de garotos tocando música alta e barulhenta, sem muito compromisso.

O jogo começou a mudar quando apareceu a Sub Pop. A  hoje famosa gravadora começou como um fanzine dedicado ao rock alternativo, que lançava coletâneas em fita K7 de bandas independentes. O fundador, Bruce Pavitt se mudou para Seattle em 1983, onde conheceu Jonathan Ponemann, alguns anos depois. A dupla uniu forças e fundou o selo Sub Pop. A primeira banda a lançar material pela gravadora, foi o Green River, cujo EP de estreia foi promovido com a seguinte frase “ultra-loose grunge that destroyed the morals of a generation”. A partir daí, o termo começou a se popularizar. A gravadora foi totalmente responsável por centralizar as atenções do público e da mídia para Seattle, com o objetivo de vender as bandas do selo e promover o próprio, como detentor do “Seattle Sound”. Aí é que mora o “problema”. Do ponto de vista mercadológico, a estratégia de Pavitt e Poneman foi genial: O mercado mordeu a isca, e o Grunge caiu como uma bomba na cultura pop da década, transformando Seattle na nova meca do Rock. Mas aí as coisas saíram do controle, e como tudo que está em alta, dá dinheiro, começou-se a capitalizar em cima do  que fosse possível: O vestuário largado e característico dos habitantes da cidade, formado por camisas de flanela e macacões (era uma combinação comum pois em Seattle sempre fez muito frio), começou a ser vendido como “Estilo Grunge”, e as camisas de flanela venderam igual água. Até estilistas criaram coleções inspiradas no tal visual. Aí que é está: Com essa generalização, e o Grunge sendo vendido como o “Som de Seattle”, todos as bandas locais foram agrupadas dentro de um rótulo só. Ficava muito mais fácil assim para a Sub Pop se auto promover, e também para a mídia, que passou a classificar como Grunge todo e qualquer rock que não se encaixasse no som que os Guns N Roses e afins faziam. Mas o fato é que apesar de Seattle ter sim, uma cena forte, ela jamais teve um “som”. Existiam inúmeras bandas dos mais variados estilos e com uma porra de influências diferentes. É por isso que eu jamais concordei com o “Grunge” sendo tratado como gênero. Por isso resolvi fazer um pequeno perfil de algumas das bandas da época e mostrar as diferenças e peculiaridades de cada uma, e aproveito assim pra apresentar alguns grupos que foram completamente ofuscados pelo fenômeno que foi o Nirvana.


Mudhoney

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Essa é, sem dúvida, a banda mais subestimada vinda de Seattle, e uma das mais injustiçadas no meio do Rock. O Mudhoney foi fundado em 1984 pelo vocalista e guitarrista Mark Arm e o guitarrista Steve Turrner, e nasceu após o fim do Green River (Banda cujos outros membros montariam o Pearl Jam). Apesar de ser considerada uma das pioneiras na cena “Grunge”, e um dos destaques no início da Sub Pop, a banda nunca alcançou sucesso comercial e nem de crítica. Mesmo sendo citada como uma grande influência por grupos do “movimento”, o som deles é mais focado no rock de garagem, e mistura a distorção e barulheira de nomes como Stooges, Punk Rock e psicodelia dos anos 60, com muito wah-wah, fuzz, mas ao mesmo tempo melodias cativantes. O Mudhoney ainda está na ativa e nunca fez questão nenhuma de mudar sua sonoridade para alcançar maiores vendagens e só tem discos acima da média. Os membros também sempre encararam a banda como uma diversão, e todos tem empregos paralelos. Mark Arm, por exemplo, trabalha no estoque da Sub Pop.

Discos recomendados: Superfuzz Bigmuff – Plus Early Singles (1988) e Every Goodboy Deserves Fudge (1991).


Nirvana

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Não estou aqui pra discutir se o Nirvana é superestimado ou não. O fato é que a banda foi o gigante dos anos 90, e responsável pela explosão do “Grunge”, e de Seattle. A sua base é o punk rock, mas absorveu diversas influências que resultaram em seu som bastante peculiar. Apesar das guitarras altamente distorcidas, vocais rasgados e bateria pesada, Kurt Cobain era um excelente compositor pop, com melodias fortes e refrãos grudentos. A dinâmica das músicas é totalmente baseada no som dos Pixies (aquele esquema de verso calmo/refrão pesado), uma das bandas de cabeceira de Cobain.

Discos recomendados: Nevermind (1991) e In Utero (1993)


Alice in Chains

alice-in-chainsSempre considerei a Alice Acorrentada uma banda de Heavy Metal. Os caras até excursionaram como show de abertura da turnê Clash Of The Titans, servindo de apoio para Slayer, Anthrax e Megadeth. Mas é claro que o som deles não só se resume a isso. O monstruoso guitarrista Jerry Cantrell consegue criar passagens pesadas e arrastadas e ao mesmo tempo melancólicas, que unidas as harmonias vocais dele e de Layne Staley formam uma sonoridade única. Além disso, em meio aos discos pesados e cheios de temas líricos fortes como depressão, angústia, vício e suicídio, a banda também lançou EPs mais acústicos, enfatizando a sua verve melódica.

 Discos recomendados: Dirt (1992) e  Jar Of Flies [EP] (1994)


Pearl Jam

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Geralmente quando se fala em “Grunge”, a definição é quase sempre a mesma: Som pesado e ao mesmo tempo melódico, melancolia e letras tristes e reflexivas. E talvez o Pearl Jam, a banda mais longeva e bem sucedida saída dessa cena, seja a responsável por vender essa imagem. O grupo tem um som bastante difícil de se classificar, que inclui influências de Hard Rock setentista, blues e elementos do trabalho de Neil Young com sua banda Crazy Horse. A voz característica com tom de barítono de Eddie Vedder também gerou inúmeros imitadores, cujo estilo caricato de cantar ficou conhecido como “yarling”.

Discos recomendados: Ten (1991) e Vitalogy (1995)


The Melvins

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Se pensarmos no estereótipo criado em torno do som do “Grunge”, os Melvins jamais seriam enquadrados no “gêneros”, mas por fazer parte do circuito e da região de Seattle, eles acabaram sendo incluídos no movimento. O som da banda é extremamente pesado,  próximo do Sludge, e focado nos riffs de guitarra e tonalidades mais graves, bastante influenciado pela fase My War do Black Flag. Percebe-se também elementos de noise rock e música alternativa. A banda continua na ativa, lança discos com grande frequência, mesmo nunca tendo atingido grande sucesso, mantendo-se no circuito underground.

 Discos recomendados: Houdini (1992) e Stoner Witch (1994)


Soundgarden

soundgardenEssa é outra banda que pode ser facilmente classificada como Heavy Metal. Os primeiros discos do Soundgarden tem fortes ecos de Black Sabbath (nos riffs graves de Kim Thayil) e Led Zeppelin (Nos vocais de Chris Cornell). O grupo fazia um som pesado o suficiente para agradar os headbangers. A partir de 1991, eles começaram a absorver mais influências, principalmente de psicodelia, e trabalhar melhor as melodias, tornando o som mais acessível e também bastante peculiar.

Discos recomendados: Ultramega OK (1988) e Superunknown (1994)


Screaming Trees

No screaming treescomeço da carreira, o Screaming Trees fazia uma releitura do Rock Psicodélico, mas as composições eram fracas. Só a partir de 1992, quando resolveu dar uma amaciada no som e unir os elementos de psicodelia com hard setentista é que a a banda fez suas duas obras-primas. Apesar de hoje renegar seu passado, Mark Lanegan está entre as melhores vozes dos anos 90, e o guitarrista Gary Lee Conner deveria ser mais lembrado.

Discos recomendados: Sweet Oblivion (1992) e Dust (1996)


The Posies

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Se não fosse da região de Seattle, talvez essa banda jamais teria sido incluída na cena “Grunge”. Os Posies fazem um power pop bastante alegre, com fortes influências de Cheap Trick e Big Star. Nos anos 2000, inclusive, seriam a banda de apoio para Alex Chilton na “volta” do Big Star.

Discos Recomendados: Dear 23 (1990) e Frosting On The Beater (1993)


Tad

tadUma das bandas mais pesadas de Seattle, o Tad tem o som próximo do Heavy Metal, com riffs encorpados e baixo na cara. Em seu segundo disco, deixaram o som mais polido e com mais melodias. Apesar de bastante respeitada na cena, e de ser bem recebida pela crítica, a banda não conseguiu atingir o sucesso e acabou em 1999.

Discos Recomendados: 8-Way Santa (1991) e Inhaler (1993)


The Smashing Pumpkins

smashing-pumpkinsApesar de ser de Chicago, por sua sonoridade pesada, melódica e melancólica, além de aparecer na mesma época, a banda de Billy Corgan foi classificada como “Grunge”. O som é uma mistura de guitarras pesadas com melodias pop, e até influências de progressivo e hard rock setentista, além de arranjos orquestrais. Mais tarde a banda mudaria o seu som, apostando em passagens acústicas e sintetizadores. A banda acabou, mas retornou em 2007, retomando o estilo dos primeiros álbuns.

Discos Recomendados: Siamese Dream (1993) e Mellon Collie and The Infinite Sadness (1995)


Stone Temple Pilots

stonetemplepilotsIgualmente aos Smashing Pumpkins, o STP não é de Seattle, mas foi incluído na onda “Grunge”, principalmente por seu álbum de estreia (massacrado pela crítica e considerado um pastiche do estilo), e o vocal de Scott Weiland, que parecia imitar Eddie Vedder. Os constantes problemas de drogas do vocalista, e suas inúmeras internações também contribuíram para a má divulgação da banda. Mas a verdade é que eles tem uma discografia bastante consistente, e mescla elementos de Hard Rock, Glam, Psicodelia e pop dos anos 60. Apesar de ser acusado de uma cópia barata de Eddie Vedder, Scott Weiland é um vocalista bastante versátil.

Discos recomendados: Purple (1994) e Tiny Music… Songs From The Vatican Gift Shop (1996)


Seaweed

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Essa é uma das bandas que mais destoam do tal “Seattle Sound”. O Seaweed faz um post-hardcore, bastante sujo e enérgico, diferente do suposto som melancólico e retrospectivo, como reza a cartilha. O grupo continua na ativa, no circuito underground.

Discos recomendados: Despised (1991) e Weak (1992)


Skin Yard

Uma das pioneiras da cena de Seattle, o Skin Yard contou em sua formskin91ação com o produtor Jack Endino, que esteve presente em grande parte dos discos lançado pela Sub Pop na época. Apesar de se aproximar do Heavy Metal, o som da banda é bastante versátil e difícil de classificar, passeando pelo Stoner e o Rock Alternativo. Esse caldeirão de referências influenciou fortemente o início da cena da cidade, e é sempre citado como referência por bandas como Soundgarden e The Melvins.

Discos recomendados: Skin Yard (1987) e 1000 Smiling Knuckles (1991)


Bem, no fim das contas deu pra perceber que a “fauna” de Seattle era bastante diversificada, e não resumia ao som estereotipado que se vendeu durante todos esses anos. Apesar de ter gerado o tal de “Post-Grunge”, de nomes como Creed, 3 Doors Down e Days Of The New, o movimento deixou um legado de inúmeras bandas boas, muitas delas desconhecidas, e todas com uma característica em comum: Absorver suas influências e dar uma nova roupagem, mesclando com outros gêneros e com isso criando um som único, e sem perder a identidade.

 

5 comentários sobre “O Grunge realmente existiu?

  1. Excelente matéria. Considero o grunge como um movimento. E como tal foi positivo, pois recolocou o rock em fico novamente. No Brasil influenciou Titãs , Lulu Santos (música Fevereiro), entre outras. Do jeito que o rock se encontra, sem grande espaço na mídia, um novo movimento dessa natureza sera bem-vindo.

  2. Na minha opinião, o grunge nada mais é do que a cena alternativa que já existia desde meados dos anos 80 e que acabou estourando e se tornou mainstream devido a mesmice e saturação da cena hair metal. E o Nirvana se tornou porta voz dessa revolução musical. Curioso foi que a morte do Kurt Cobain gerou um enfraquecimento da cena que nunca mais se recuperou e todo aquele lifestyle de sex, drugs, diversão e ostentação com carros, motos e mulheres do hair metal foi adotado pelos rappers e com isso o rock deixou de ser cool e atraente para os jovens sobrando uma cena medíocre de new metal e nunca mais teve um movimento expressivo capaz de retomar o lugar que o Rock ocupava até meados dos anos 90.

  3. Interessante. De fato, nunca vi semelhança alguma entre Nirvana e Pearl Jam, por exemplo. Muito menos com Soundgarden.

  4. O Nirvana sempre foi uma banda superestimada demais. Realmente, existiram algumas boas bandas grunge. Hoje eu admito isso, mas durante muito tempo por culpa do lixo do Nirvana sempre tive um pé atrás com esse estilo. Ah sim, e por culpa do Pearl Jam também. A voz irritante e insuportável do Eddie Vedder principalmente.

  5. A minha adoração por música se deve ao Grunge, via MTV!!!!
    Só quem não foi adolescente em 91/92 e usou camisa de flanela, pode fazer um comentário raivoso como o do cara aí de cima.
    Nem entro na questão da qualidade das bandas (as 4 grandes de Seattle para mim sempre serão ótimas), agora chamar de lixo … bueno, só em usar a expressão “lixo” já dá pra ter uma idéia do comentarista …

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