Datas Especiais: 40 Anos de Machine Head

Datas Especiais: 40 Anos de Machine Head



Por Micael Machado


Diversos álbuns lançados no ano de 1972 carregam hoje o status de clássicos em seus respectivos estilos, mas quantos deles possuem uma canção que, mesmo quarenta anos depois, é reconhecida aos primeiros acordes por quase todo mundo que conheça um pouco que seja de música, sendo ou não um fã de rock and roll? Machine Head, do Deep Purple, é um destes discos, e a canção que ficou para a posteridade como um dos “hinos” da música mundial chama-se “Smoke On The Water“, que abre o lado B deste que é um dos melhores discos de hard rock da história, além de ser aclamado por todos os fãs do grupo como um dos pontos mais altos de sua vasta discografia.
O Púrpura Profundo teve uma primeira fase mais ligada à psicodelia e a um som mais “orquestral”, na chamada “Mark I”, gravando entre 1968 e 1969 três discos que foram muito bem recebidos nos Estados Unidos, mas nem tanto assim na sua Inglaterra natal. Com a entrada de Ian Gillan (vocais) e Roger Glover (baixo) em 1970, o quinteto (completado pelo guitarrista Ritchie Blackmore, o tecladista Jon Lord e o baterista Ian Paice) gravou Concerto for Group and Orchestra, em 1969, uma experiência clássica registrada ao vivo ao lado da The Royal Philharmonic Orchestra britânica, sendo este o primeiro registro da chamada “Mark II” e a realização dos sonhos orquestrais de Lord, que compôs as três partes do Concerto. Para o próximo álbum (In Rock, de 1970), o guitarrista Blackmore tomaria a frente da banda, e o resultado surpreendeu os antigos fãs e aqueles que só conheciam a banda através do disco com a orquestra, soando bastante agressivo e pesado, e colocando o grupo ao lado do Black Sabbath e do Led Zeppelin como líderes do então iniciante estilo hard rock.
Machine Head 

Fireball (1971), o disco seguinte, não seguiu a mesma linha de seu antecessor, acrescentando mais experimentalismo ao som do grupo, e flertando com estilos como o funk e o country. Quando o Purple saiu em excursão para promovê-lo, percebeu que várias de suas composições não soavam muito bem ao vivo, e logo os músicos começaram a compor novos temas para preencher o set list, sendo que ainda durante esta turnê as músicas “Highway Star” e “Lazy” seriam apresentadas ao público. Esta “falta de adaptação” das músicas de Fireball ao palco, agregadas à procura menor por parte do público em relação ao disco anterior (ou seja, menos vendas), levou o grupo a tomar uma resolução para retomar o patamar atingido por In Rock. Naqueles tempo, isto significava gravar e lançar um novo disco, mesmo que tivessem passado apenas poucos meses desde que Fireball havia chegado às lojas.

Jon Lord, Ritchie Blackmore, Roger Glover, Ian Gillan e Ian Paice

Aconselhados por seus contadores a gravarem fora da Inglaterra, devido às altas taxas do imposto de renda local, os membros do grupo passaram a considerar possíveis locais para registrarem seu próximo disco, e acabaram aceitando a sugestão do suíço Claude Nobs de usarem o teatro “Casino” de Montreux, o qual ficaria fechado durante três semanas em dezembro daquele ano. O Purple já havia se apresentado antes no local, e o considerou o lugar ideal para gravar o disco que os levaria de volta ao topo.

Os membros do grupo chegaram à Suíça no final de novembro de 1971. No começo de dezembro, o caminhão com o estúdio móvel dos Rolling Stones chegou à cidade, ficando estacionado do lado de fora do Casino com o equipamento da banda em seu interior. Este estúdio havia sido construído pelo quinteto britânico para facilitar seu processo de gravação, mas, devido aos seus altos custos de construção e manutenção, passou a ser alugado para outros grupos, sendo o Deep Purple uma das bandas que tiveram esta oportunidade. Com tudo pronto, os britânicos, acompanhados do engenheiro de som Martin Birch e de alguns dos responsáveis pelo estúdio móvel foram verificar as instalações do Casino, decidindo como disporiam os instrumentos e os microfones para a gravação, que começaria dali a dois dias, depois de uma apresentação de Frank Zappa e seu grupo, encerrando a temporada de shows no local.
Na tarde seguinte, todos os membros do grupo estavam presentes na plateia para assistir ao show do excepcional músico norte americano. Mas, após pouco mais de uma hora, Zappa parou o espetáculo, e pediu que todos se retirassem do local “com calma e sem pânico, pois temos um pouco de fogo no teatro”. Alguém havia lançado dois sinalizadores em direção ao teto, e eles ficaram alojados em um espaço coberto por um forro falso, dando início ao incêndio. O local foi rapidamente esvaziado, sem que houvesse vítimas, sendo que alguns garotos que ficaram trancados no subsolo foram retirados de lá por Nobs (o que mais tarde inspiraria o trecho “Funky Claude was running in and out/Pulling kids out the ground” na letra de “Smoke On The Water”), e o que parecia um incêndio de pequenas dimensões tornou-se rapidamente em um verdadeiro inferno, destruindo boa parte do Casino e toda a aparelhagem da banda de Zappa. Desta forma, o Deep Purple ficava sem um local para gravação, e com o prazo correndo rápido para conseguirem cumprir a agenda de gravações. Felizmente, os equipamentos do grupo ainda não haviam sido transferidos para o interior do Casino, senão teriam virado cinzas também, e a situação seria ainda pior. De volta ao seu hotel, os músicos podiam ver as cinzas da queima do Casino sendo levadas pelo vento para cima das plácidas águas do lago Geneva, e, alguns dias depois, o baixista Roger Glover, acordando pela manhã, pronunciou a frase “Smoke On The Water” (“Fumaça na água”), a qual ele achou que seria um bom título para uma música, e anotou em um guardanapo…
Imagem do incêndio no Casino de Montreux

Graças à inestimável ajuda de Nobs, o  quinteto acabou se alojando no Pavillion, um teatro próximo ao Casino. A equipe do grupo passou parte de uma tarde instalando lá seus equipamentos, e, durante o início da noite, os músicos começaram a experimentar diversas ideias musicais com seus instrumentos, até resolverem começar a gravar pouco depois da meia noite. Uma canção com o nome de trabalho “Title #1” deu início aos trabalhos, e seria a única registrada naquele local, pois, segundo Glover, “o barulho era tanto que parecia manter toda Montreux acordada”. Diversas ligações foram feitas às autoridades locais por moradores indignados, e a polícia foi até o local exigir que o grupo parasse com aquilo. Os roadies do Purple conseguiram conter os policiais até o grupo terminar de gravar a faixa, que acabaria depois sendo a parte instrumental de “Smoke On The Water”, cuja letra ainda não existia até aquele momento. Após conversarem com os policiais, estes exigiram que o quinteto realizasse suas gravações apenas no horário da tarde, coisa com a qual o grupo não concordou, pois gostava de fazer suas gravações na parte da noite. Sendo assim, novamente o grupo estava sem local para gravações, e o tempo ficando cada vez mais apertado.

Novamente foi Claude Nobs quem lhes indicou o Grand Hotel, situado a alguns quilômetros do centro, na entrada da cidade. O lugar estava fechado por causa do forte inverno local, e o grupo, após uma inspeção, decidiu por usar uma ala com um vasto corredor, onde pensaram que poderiam construir um bom local para gravações. Após alguns arranjos (como construir uma parede temporária para fechar uma passagem, melhorar a isolação acústica do local – usando para isso até alguns colchões velhos que não estavam mais em  uso – e instalar algumas luzes vermelhas e um grande aquecedor industrial na ala reservada a eles, visto que o do hotel estava desativado), o caminhão com o estúdio foi estacionado na entrada do hotel, cabos passados pelos longos corredores, e o equipamento da banda instalado no corredor e alguns quartos adjacentes. Paice teve sua bateria instalada em um “T” formado por uma junção do corredor, os equipamento de Blackmore e Lord colocados nos lados opostos, e o amplificador de Glover e o equipamento de Gillan instalados em quartos adjacentes. O engenheiro Martin Birch instalou um circuito interno de TV no local para que as pessoas dentro do caminhão com o estúdio móvel pudessem ver o que os membros do grupo estavam fazendo e, após tudo isso, o Deep Purple estava pronto para finalmente iniciar as gravações de seu novo e muito aguardado álbum, cuja produção seria feita pelos próprios membros da banda.
Foto do encarte de Machine Head, com imagens da gravação do disco

Gravações estas que não foram fáceis. Birch funcionava como um sexto membro do grupo, e, sendo um perfeccionista, diversas vezes obrigava os outros a refazerem certas canções. Acontece que as faixas básicas eram todas registradas “ao vivo” pelo quinteto, o que obrigava todos a repetirem suas partes caso o engenheiro não concordasse com algo que houvesse sido registrado. Isso para não citar o imenso trabalho que os músicos tinham para conseguir escutar aquilo que haviam gravado. Segundo os depoimentos dos membros do quinteto no excelente DVD da série “Classic Albums” que trata de Machine Head, para saírem do corredor onde as faixas eram gravadas e chegar até a entrada do hotel, onde estava o caminhão com o estúdio móvel,  e poderem ouvir o playback de seu trabalho, eles tinham de “sair da área onde estavam gravando, entrar em um quarto, sair pela janela do quarto para uma sacada, passar para outra sacada (enfrentando a insistente neve que caía sempre), atravessar por outro quarto, atravessar duas portas para uma plataforma que levava a uma escada sinuosa, passar pelo hall de entrada do hotel, chegar à porta da frente, cruzar o pátio de entrada e finalmente chegar ao caminhão. Subir os degraus do caminhão, abrir a porta, ouvir as fitas, verificar o que haviam feito de errado, e fazer todo o caminho de volta para regravar as faixas”. Com o tempo, o grupo passou a aceitar a opinião de Martin ao invés de fazer todo este trajeto, e apenas regravava o que ele ordenasse.

Parte do encarte de Machine Head 

Três semanas e três dias depois de iniciadas as gravações, as sete faixas que comporiam Machine Head (cujo título foi sugerido por Glover, e significa a cravelha ou tarraxa de um instrumento musical) estavam devidamente registradas, além de uma oitava, “When A Blind Man Cries”, que não entrou no álbum por exigência de Blackmore, visto este não ter gostado de seu arranjo, e que acabou como lado B do primeiro single, a “swingada” e pouco expressiva “Never Before”. Além desta e das já citadas “Highway Star” (composta durante uma entrevista dada no tour bus do grupo, quando um jornalista perguntou como eles compunham suas músicas e Ritchie disse que ele apenas compunha um riff e a banda o seguia, “como, por exemplo, algo assim”, e saiu tocando o início da canção. Gillan improvisou uma letra, o grupo trabalhou no arranjo, e a canção foi apresentada pela primeira vez já naquela noite mesmo) e “Lazy” (com sua introdução que mostra a excelência do lado clássico de Jon Lord), ainda diziam presentes as excepcionais “Pictures Of Home“, que por anos foi deixada de lado pela banda na escolha de seus set lists, até ser resgatada por Steve Morse quando este juntou-se ao Purple, sendo presença constante nos palcos desde então (e a minha favorita dentre todas as faixas deste álbum) e a pesada “Space Truckin’“, além de “Maybe I’m A Leo” (que traz um lado blues à música do Purple que não era muito conhecido até então) e de “Smoke On The Water”, que conta a história real da gravação do disco e que, curiosamente, só foi incluída no set list já ao final da tour de promoção do disco, sendo presença obrigatória nos shows do grupo dali para frente, em todas as formações do quinteto.

Contracapa de Machine Head 

Em 1997, foi lançada uma edição de vigésimo quinto aniversário com novos remixes feitos por Roger Glover, os quais adicionaram novas nuances às músicas originais, além de dar continuidade a canções que antes acabavam em fade out e incluir alguns diálogos e brincadeiras executadas antes do início das canções. Estas novas versões dão nova vida a este que é um dos mais importantes discos de hard rock já lançados, e um item essencial na prateleira de qualquer um que se considere um apreciador do som pesado.

Capa da edição de 25 anos de Machine Head 

Cabe citar ainda que foi na tour de Machine Head que o Deep Purple gravou, durante três noites de agosto de 1972, o álbum Made In Japan, seríssimo candidato a “melhor disco ao vivo da história” (sendo que, para mim, só fica atrás da versão dupla de At Fillmore East do Allman Brothers, o Fillmore Concerts), e outro disco obrigatório aos fãs de hard rock. Mas isto é assunto para outra matéria… 

5 comentários sobre “Datas Especiais: 40 Anos de Machine Head

  1. Indiscutivelmente um clássico. Não tem uma música ruim nesse disco. Grande fase dos caras, como músicos e compositores….

  2. Belo registro histórico, trazendo informações extremamente novas para muitos que se quer sabem que o Deep Purple é a banda que gravou aquela musica que seu amigo estava tocando ontem.

    Acho o disco bom, mas não o melhor da fase Gillan (posto esse que fica com Concerto em minha modesta opinião), mas é inegável a importância histórica de Machine Head.

    Muito tri

  3. Machine Head sem “When a Blind Man Cries” não tem graça (tal como The Number of the Beast sem “Total Eclipse”, por exemplo). Dá um jeito aí, Tio Blackmore!

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