Os Sete Pecados do Rock Nacional – Parte I: A Ira (Ira! – Psicoacústica [1988])

Os Sete Pecados do Rock Nacional – Parte I: A Ira (Ira! – Psicoacústica [1988])
Em parceria com o blog Baú do Mairon, a Consultoria do Rock inicia, a partir desta semana, uma série de reportagens sobre os revolucionários anos do rock nacional, no final da década de 80 e início da década de 90. Nos próximos três meses, apresentaremos quinzenalmente os álbuns considerados pelo autor como “Os Sete Pecados do Rock Nacional”, ideia associada aos pecados capitais: ira, gula, preguiça, cobiça, vaidade, avareza e luxúria. Todos esses pecados acabaram levando a problemas internos para o grupo/artista que o lançou, marcando a carreira do mesmo para a eternidade dentro do rock brasileiro. Dessa maneira, sete discos representarão os pecados citados acima, começando justamente pela IRA, o pecado cometido pelo grupo que o carrega em seu nome.Por Mairon Machado

Em 1985, o Brasil recebeu a primeira edição do festival Rock in Rio. O evento foi saudado por todos os amantes de rock, heavy metal e da música pop no país, permitindo que muitos jovens pudessem assistir a seus ídolos internacionais pela primeira vez, caso de Iron Maiden, AC/DC, Scorpions, Yes, ou até mesmo matar as saudades do Queen, que havia passado por aqui em 1981. O Rock in Rio também propiciou o surgimento de diversos novos talentos do rock nacional. Kid Abelha e os Áboboras Selvagens, Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho, Blitz, entre outros, apresentavam para o Brasil o novo rock do país, que acabou sendo batizado de BRock, e que estava longe do progressivo que dominou a década de 70 através de gigantes como Mutantes, O Terço, Som Nosso de Cada Dia, entre outros.

No ano seguinte, o estouro do grupo R.P.M., capitaneado pelo vocalista Paulo Ricardo e levado pelo enorme sucesso de vendas do LP Rádio Pirata Ao Vivo (mais de dois milhões e meio de cópias vendidas em toda sua história, uma marca praticamente inalcançável até hoje), mostrava que o rock nacional estava se consolidando cada vez mais. Além disso, Titãs, com Cabeça Dinossauro, e Legião Urbana, com Dois, ambos lançados também em 1986, fizeram daquele ano o melhor da indústria fonográfica ligada ao rock brasileiro, conquistando espaço na mídia e em lugares antes restritos a artistas da elite musical, como o programa do Chacrinha na Rede Globo e o programa do Fausto Silva (hoje Faustão) na TV Bandeirantes.

O sucesso do rock nacional permitiu que muitos meninos e meninas fundassem sua própria banda. No embalo das vendas, grupos como Ira!, Camisa de Vênus, Os Eles, Heróis da Resistência, Replicantes, Inocentes, Ultraje a Rigor, Hojerizah, Capital Inicial, Engenheiros do Hawaii, Nenhum de Nós, entre outros, passaram a eclodir em todo o país (apesar de já terem uma certa estrada percorrida), deixando um ou dois sucessos para a posteridade, e claro, seu nome entre os mais vendidos.

Porém, como muita coisa no país, a febre do rock nacional nos anos 80 começou a perder força logo em 1987. Não que as vendas estivessem diminuindo, mas sim, o ego inflado de seus membros, que se sentiam mais importantes que os grupos internacionais. Junto a isso, um festival de ritmos como lambada, sertanejo e pagode começava a dar as caras e poluir as rádios nacionais, limitando o espaço do rock cada vez mais nas programações das mesmas.

O festival que abriu espaço para a Revolução do rock nacional, e a criação dos Sete Pecados que irão ser tratados nessa série.

A segunda edição do festival Hollywood Rock, realizada em 1988 em São Paulo e no Rio de Janeiro, foi a amostra perfeita da desunião do rock nacional naquela época. Enquanto o cast internacional trazia Pretenders, Supertramp, Simple Minds, UB40, Simply Red e Duran Duran, a parte nacional teve shows espalhados entre Ira!, Titãs, Paralamas do Sucesso, Ultraje a Rigor, Marina e Lulu Santos.

Foi exatamente esse evento que culminou com o início de uma das maiores revoluções já vistas na história do rock, que, digo sem medo, teve proporções internacionais. Através de uma completa revolta contra o sistema, alguns grupos brasileiros passaram a lançar discos que em nada lembravam o que eles haviam registrado até então, discos esses que foram recebidos com um choque tão grande pela imprensa e pelos fãs que quase foram tratados como pecaminosos, por não seguirem a linha correta esperada do rock nacional. O mais curioso é que todos eles foram produzidos pela própria banda/artista que o gravou, praticamente uma novidade na época.

No total, no período entre 1988 e 1994, sete discos do rock nacional simbolizaram a revolução que a música precisava ter naquele período aqui no Brasil, e são esses sete discos que serão apresentados nessa série de artigos, batizados como “Os Sete Pecados do Rock Nacional”, nos quais cada disco será associado a um dos pecados capitais determinados pela Igreja Católica.

O primeiro a cometer um pecado foi justamente um grupo que carrega um desses pecados em seu nome, o Ira!. Os paulistas haviam sido convocados para ser a primeira banda a se apresentar na segunda edição do Hollywood Rock, e o resultado foi desastroso.

No auge do sucesso, graças ao grande número de vendas do álbum Vivendo e Não Aprendendo (lançado também em 1986, e que vendeu 200 mil cópias em menos de um ano), carregado por canções clássicas como “Envelheço na Cidade”, “”Gritos na Multidão”, “Pobre Paulista” e principalmente, “Flores em Você”, que foi tema na novela global “O Outro”, Nasi (vocais), Edgar Scandurra (guitarras, vocais), André Jung (bateria) e Ricardo Gaspa (baixo, vocais) estavam, como diria anos depois o próprio Scandurra, sentindo-se grandes, e aproveitaram para colocar para fora toda sua indignação com o festival e como eram tratados os músicos brasileiros.

Em plena conferência de imprensa, o Ira! resolveu se rebelar, e diante de toda a imprensa reunida e dos embasbacados organizadores do festival, denunciaram que os artistas brasileiros não recebiam cachê para se apresentar, além de ter um tratamento muito inferior ao destinado às estrelas internacionais.

Nasi (agachado), André Jung, Edgar Scandurra e Ricardo Gaspa.

Apesar da realidade divulgada pelo Ira!, o grupo ficou sozinho na manifestação, já que os demais grupos não se importaram com a situação, vendo a chance do festival como uma forma de ampliar e conquistar mais fama e prestígio. A popularidade que o Ira! havia conquistado tinha ido por água abaixo, e para piorar, sofreram sabotagem durante sua apresentação no evento, com diversas falhas de som e a interrupção de seu show pela produção do Hollywood Rock antes do horário planejado, enquanto o público gritava insanamente o nome do grupo.

Putos da vida, o Ira! despediu-se mediocremente do cenário de festivais nacionais para sempre, virando o patinho feio do rock nacional, sendo chamados de rebeldes sem causa e principalmente de ingênuos, principalmente depois que foi revelado o que Scandurra havia feito no camarim, destruindo tudo o que encontrou pela frente, além de quase atingir a guitarra em um dos promotores do evento. Para piorar, o Titãs, grupo que entrou no palco logo depois do Ira!, cativou tanto ao público quanto a imprensa, graças aos sucessos do mais recente (na época) disco do grupo, Jesus Não Tem Dentes No País dos Banguelas (1987), e claro, aproveitando ainda a crista da onda do insuperável Cabeça Dinossauro.

O choque foi tamanho para o Ira! que o quarteto por pouco não se separou. Nasi passou a ouvir novos gêneros, como o hip hop e rap, e acabou se apaixonando por Run DMC e Grandmaster Flash, chegando a produzir discos do estilo para artistas como Thaíde & DJ Hum, O Credo, Fábrica Fagus, e outros, além de passar horas do dia assistindo ao filme O Bandido da Luz Vermelha, lançado em 1968 por Rogério Sganzerla. Nasi levou para seu novo mundo  André Jung, que também ficou fascinado pela levada do som do hip hop. Ambos acabaram produzindo o LP Hip-Hop: Cultura de Rua (1988), contando com a participação de artistas como Thaíde & DJ Hum, MC Jack, O Credo e Código 13.

Edgar e sua cara de poucos amigos para com os gostos de Nasi.

Edgar ficou irado. Roqueiro desde nascença, não conseguia admitir que seus principais colegas estavam indo para outro lado. E pior, ele mesmo sentia-se diferente com relação ao rock, gostando da ideia de ouvir novos sons, e buscando criatividade principalmente na música eletrônica de Brian Eno.

Avessos às críticas, Jung, Nasi, Scandurra e Gaspa trancaram-se nos estúdios, e decidiram criar um disco onde não tinham que mostrar nada para ninguém, apenas para eles mesmo que ainda era possível fazer algo que gostassem. A raiva do quarteto (principalmente de Nasi e Scandurra) com relação à imprensa e ao modo como foram tratados no Hollywood Rock, fez com que decidissem se autoproduzir, contando apenas com uma breve participação do produtor português Paulo Junqueiro.

Livres para agir como quisessem, despejaram toda sua raiva em um disco fantástico, ao mesmo tempo que cometeram um pecado sacrílego: a IRA. Surgia assim um dos melhores discos da história do rock nacional, e, com certeza, para este que vos escreve, o melhor disco lançado no Brasil desde 1980 até meados da década passada.

Lançado em maio de 1988, Psicoacústica já havia começado a ser gravado em novembro de 1987, mas foi depois do festival Hollywood Rock que ele tomou forma, e virou o que muitos hoje chamam de visionário, ousado, criativo e até mesmo maldito e suicida. Nas oito longas faixas do LP, totalmente anticomercial (todas as faixas tem mais de três minutos, e a maioria beira os cinco minutos, por isso consideradas longas, já que as canções de sucesso na época dificilmente alcançavam os três minutos de duração), nada que sequer lembrasse o que o Ira! havia feito no seu álbum de estreia três anos antes (o bom Mudança de Comportamento), e tão pouco o sucesso intenso de Vivendo e Não Aprendendo.

Misturando psicodelia com hip hop, rap, reggae, mod, heavy metal e outros gêneros menos relevantes, Psicoacústica é um disco de difícil assimilação nas primeiras audições, e que, em 1988, só poderia ter se tornado o que se tornou: um verdadeiro fracasso comercial. Mas depois de uma audição atenta, é impossível não saborear cada segundo de um disco seminal, que virou anos depois o mais aclamado e cultuado disco da banda, entrando em tudo quanto é lista de Melhores Discos da História do Rock Nacional feitas a partir do final da década de 90 em diante.

Foto promocional de Psicoacústica, com os integrantes usando o óculos 3D que vinha encartado no LP.

O disco abre com a agressiva bateria introduzindo “Rubro Zorro”, trazendo o riff rasgado de Edgar junto com o baixo. A pesada introdução da canção em nada lembra o que o Ira! havia feito antes. O ritmo surge trazendo um sampler do filme “O Bandido da Luz Vermelha” (1968, inspiração para a letra da canção), e os vocais de Nasi, agora em um ritmo mais próximo ao que o Ira! havia feito principalmente em seu primeiro disco, apesar da clara diferença na mixagem da bateria. O tranquilo ritmo da canção avança até o solo de Edgar, sem muitas firulas, entremeados por falas de Nasi. A letra é repetida, e então a guitarra de Scandurra se faz mais presente, como uma espécie de The Edge para as canções do U2, fazendo dedilhados, notas rasgadas e viajantes, enquanto Nasi solta palavras completamente aleatórias, que levam ao final dessa primeira e diferente canção com o barulho ensurdecedor de baixo, bateria e muitas guitarras.

Manhãs de Domingo” surge com os teclados de Scandurra, sugerindo uma missa na igreja, até que um sustain de guitarra apresenta o pesado riff da canção, fazendo a melodia ao lado de um teclado fantasmagórico. O baixo cavalgante de Gaspa passa a acompanhar os vocais de Nasi, e é incrível a performance de Jung nessa canção, detonando os pratos e socando a caixa como nunca. Scandurra e Nasi dividem os vocais a partir de então, e a paulada de guitarras e teclados fantasmagóricos nos remetem aos anos de psicodelia da década de 60. A canção diminui o ritmo, e então, vozes sobrepostas contam a chegada do personagem principal em sua casa, depois de uma noite de orgias e loucuras, exatamente na hora do almoço. A letra é repetida sobre o ritmo inicial, enaltecendo a presença marcante de Scandurra, com uma performance que eu considero a melhor da sua carreira. O ritmo lento, somente com a marcação do prato e das cordas abafadas, retorna, para então, Jung detonar a bateria, enquanto vocalizações de Scandurra acompanham as vozes de Nasi cantando o nome da canção, além da guitarra e baixo enlouquecidos ao fundo.

O riff de guitarras sobrepostas, com efeitos e tudo mais, apresenta a sombria marcação de baixo e bateria em “Poder, Sorriso e Fama”, onde novamente a guitarra de Scandurra está muito assombrosa. Nasi canta quase sussurrando, e os efeitos na guitarra são assustadores. É difícil explicar o que ele faz com o instrumento. Acompanhado pelo pesado ritmo de Jung e Gaspa, Edgar delira em notas rasgadas, agudas e com muito efeito. Ambos cantam o refrão, que nada mais é do que o nome da canção, e a guitarra agora nos remete aos primeiros discos do Mutantes, nos quais Sérgio Dias (guitarrista do grupo) carregava de lisergia as canções que Rita e Arnaldo cantavam. A alucinante sessão final, com muitas guitarras sobrepondo a voz de Nasi e Scandurra, são o ponto de êxtase da faixa, que encerra-se com a repetição do refrão, entre os timbres fantasmagóricos de Scandurra.

O lado A encerra-se com “Receita Para Se Fazer Um Herói”, uma espécie de balada sessentista, que começa com um ritmo simples de guitarra, baixo e bateria acompanhando as mudanças de acorde do órgão tocado por Roberto Firmino. Nasi passa a dar a receita para se fazer um herói, acompanhado por um ritmo muito singelo, em um reggae à la The Clash (uma das principais influências do grupo desde seu surgimento, em 1981), que permeia toda a canção, ao menos da pesada sessão central que leva ao debochado final da letra dizendo que o herói “serve-se morto!”. O estranho solo de Scandurra surge apenas como uma ponte central, seguido pela sessão central e pela repetição de toda a letra, agora com Scandurra adicionando ritmos de instrumentos como a craviola e o banjo, levando ao majestoso solo de metais feito por Don Harris (trompete), para então o reggae clashiano levar ao final da canção, com pequenas vocalizações e destaque para o órgão.

Capa interna, vinil e óculos de Psicoacústica.

O lado B abre com o baixo de “Pegue Essa Arma”, outra inspirada pelo filme “O Bandido da Luz Vermelha”, envolto por percussões e intervenções da guitarra fantasmagórica de Scandurra, que faz a canção crescer, explodindo em um pesado riff, lembrando filmes de James Bond. Nasi canta sussurrando, enquanto no fundo, baixo, bateria e guitarra fazem uma batalha para ver quem aparece mais. Não tem como não destacar a bela participação de Gaspa nessa canção, sendo o responsável por seu ritmo. Mais samplers do filme de Sganzerla são ouvidos, enquanto Gaspa puxa o ritmo para que Edgar delire na guitarra, batendo nas cordas de um jeito totalmente estranho, lembrando novamente o U2, mas agora aos momentos de improviso que o grupo fazia no auge da sua carreira. Depois de Nasi incitar o ouvinte a “pegar sua arma”, o estranho solo de Scandurra, com notas engasgadas, toma conta das caixas de som, crescendo em um orgiástico ritmo para que Nasi volte à letra, concluindo com o refrão, onde as intervenções vocais de Scandurra dão mais corpo à canção.

Um sintetizador puxa o pesado riff de “Farto de Rock’n’Roll”, um rockão endiabrado comandado por baixo, guitarra e pelas batidas furiosas de Jung, responsável pelo ritmo que acompanha a voz de Edgar, detonando o rock, já que Nasi recusou-se a cantar a letra por achá-la muito agressiva. O mais interessante é que Scandurra compôs a canção justamente por não aceitar a incursão de Nasi no hip-hop, tentando dar uma espécie de “sinal” para ele, o que acabou não dando certo. O grudento riff de baixo e guitarra fica circulando toda a canção, enquanto Edgar faz vocalizações insinuantes. A parte central da canção muda o ritmo, com um riff inspirado em Led Zeppelin, voltando então ao riff inicial, onde samplers de plateia aparecem, para Scandurra escancarar com fúria que “já estava farto do rock’n’roll”. As vocalizações insinuantes voltam, assim como o riff zeppeliano, e então, scratches aparecerem no meio de percussões de samba. O hipnotizante riff da guitarra e baixo voltam para o ouvinte, que agora tenta assimilar a fúria de Scandurra gritando o nome da canção, clamando por “outros sons, outras batidas, outras pulsações”, enquanto a guitarra faz seu solo final de uma canção magistral, rebelde, punk como nunca havia sido ouvido no Brasil.

O pandeiro abre “Advogado do Diabo”, trazendo o vocal de Nasi cantando uma espécie de rap/hip-hop, com muitos scratches, precurssor do famoso manguebeat, que consagraria grupos como Nação Zumbi, Planet Hemp e Charlie Brown Jr. anos depois. O baixo marcante de Gaspa, os efeitos mirabolantes da guitarra, condensam-se com a percussão sinistra, surpreendendo e inovando. Nunca ninguém tinha tentado algo tão ousado, tão diferente e tão inédito. “Atire a pedra no pequeno, mas um dia você vai se queimar” virou lema para pessoas como Chico Science, fazendo de “Advogado do Diabo” o primogênito do que o Brasil cultuaria nos anos 90, inclusive com Chico Science colocando-a no repertório da Nação Zumbi, e com o grande destaque da canção novamente para os efeitos de Scandurra em sua guitarra, para a canção encerrar-se com mais um sampler, dessa vez do presidente da LBV (Legião da Boa Vontade), Paiva Netto, em uma declaração feita em uma rádio AM, até ouvirmos um tiro.

Esse tiro nos leva aos violões e à craviola de “Mesmo Distante”, cantada por Scandurra, onde sua melodia vocal é acompanhada por scratches, o violão e muitos efeitos de guitarra. Ouvir essa música e não lembrar do álbum The Piper at the Gates of Dawn (o primeiro disco do Pink Floyd, de 1967) é piada, ou então por que não conhece o disco do Pink Floyd. As influências de Syd Barret aparecem nas desafinações vocais, nas psicodélicas inserções da guitarra, nos efeitos sonoros e principalmente, na melodia simples do violão. Uma aula de psicodelia para a geração saúde dos anos 80, e uma prova de que o Ira! realmente não estava nem aí para o sucesso. O imponente final, com vocalizações feitas por um coral entre todos os músicos, acompanhados pelo ritmo marcial da bateria e do violão, fecha com chave de ouro o melhor disco já lançado no país na década de 80, e que causaria muitos problemas para o Ira! a partir de então.

O álbum acabou naufragando em sua própria inovação. As vendas não passaram de 50 mil cópias (muito para uma banda iniciante, mas pouco para um grupo como o Ira!, que já havia superado as 300 mil cópias com Vivendo e Não Aprendendo). Existem vários motivos para isso, alguns lógicos e outros que inclusive levam a ligações com o coisa-ruim.

Ira nos anos 90.

Primeiro, a difícil definição de estilo, nada convencional para ser ouvido nas rádios e na TV, fez com que a gravadora WEA não conseguisse encontrar nenhuma música de trabalho para o LP. A tentativa de compacto ficou com “Pegue Essa Arma”, um fracasso total.

Mesmo o segundo compacto, “Receita Para Se Fazer Um Herói”, acabou gerando problemas para o grupo. Quando jovem, durante o exército, Edgar conheceu a letra da canção através de um colega seu, o soldado Esteves, que acabou recebendo os créditos no vinil e exigiu uma grana preta do quarteto paulista, chegando a ameaçar o lançamento da obra. Porém, semanas depois do lançamento de Psicoacústica, uma leitora da revista Bizz enviou uma carta para a mesma, dizendo que a letra era muito semelhante a um poema do escritor português Reinaldo Edgar de Azevedo e Silva Ferreira. Esteves foi limado da edição em CD do álbum em 2001, mas até onde se sabe, nunca devolveu o dinheiro que afanou do grupo na cara dura. Para piorar, jogou uma maldição no LP, dizendo que ele não venderia nem a metade do que o grupo havia vendido até então (fato que realmente aconteceu).

Além disso, o uso de samplers em 1988 era algo praticamente inédito no Brasil. Nasi foi direto procurar o cineasta Rogério Sganzerla para a liberação dos trechos de “O Bandido da Luz Vermelha”, com o diretor concordando prontamente, desde que pudesse dirigir um videoclipe do grupo. A WEA concordou, mas na última hora, Sganzerla pediu muito dinheiro para rodar o vídeo, fazendo com que a gravadora desse para trás. Sganzerla então foi mais um a amaldiçoar o LP, chegando inclusive a proibir o lançamento do mesmo.

A versão original, junto dos óculos 3D.

Por fim, a capa original de Psicoacústica trazia um óculos em 3D que vinha de brinde para que os efeitos visuais presentes na capa saltassem aos olhos do fã, a qual consistia de um anáglifo nas cores verde e vermelha, catada por colecionadores em todo o país. Como curiosidade, a versão em cassete de Psicoacústica incluiu uma canção a mais, que é a versão ao vivo de “Não Pague Pra Ver”, retirada exatamente do Hollywood Rock de 1988.

Depois de Psicoacústica, o Ira! nunca mais conseguiu o status de grande banda do rock. As brigas entre Nasi e Scandurra fizeram com que o nome Ira! afundasse cada vez mais. Mesmo os fãs mais antigos não adquiriam os álbuns do grupo com afinco. O pecado da ira contra tudo e contra todos assombrou o quarteto paulista durante anos, até que em 1999 eles conseguiram voltar novamente às paradas com o disco de covers Isso é o Amor, mas em 2008 o Ira! acabou em definitivo. Um triste fim para uma banda tão importante, que contava com um dos maiores guitarristas, músicos e produtores do país, mas que cometeu o pecado da IRA para destruir uma carreira tão promissora.

Próximo pecado: A GULA

15 comentários sobre “Os Sete Pecados do Rock Nacional – Parte I: A Ira (Ira! – Psicoacústica [1988])

  1. Já vi alguns shows do Ira e foi sempre interessante. Esse rock nacional dos anos 80 tem sim várias bandas e músicas que no mínimo são muito divertidas.

    Sempre me chamou atenção o fato do Edgar ser canhoto e tocar guitarra sem inverter as cordas. Claroq ue existem alguns exemplos de guitarristas que tocam assim, mas eu, como guitarrista amador, fico perdido com isso…

  2. Fernand, um dos solos mais alucinantes que vi foi o do Edgar, onde ele tirou o plug da guitara e ficou batendo o mesmo no corpo do instrumento, causando um monte de microfonias e efeitos que nunca tinha ouvisto ou tentando fazer com a guitarra (também sou guitarrista amador), e pior, dando um ritmo dançante e legal de ouvir.

    Edgar é um dos gênios incompreendidos do nosso rock nacional.

  3. Às vezes pode até parecer forçado elogiar as coisas que saem no blog do qual participo e ajudei a fundar, mas a verdade é que a ideia de abordar o rock nacional dessa maneira é muito boa mesmo, e o Ira! pra começar é justiça pura. Houve um tempo em que eu tinha certo preconceito (idiota) com o rock nacional, mas felizmente isso se foi. E porra… "Rubro Zorro" é uma das melhores canções já feitas por uma banda brasileira.

  4. Gostei muito da ideia dessa abordagem ao BRock, gênero ao qual, por ter curtido muito na época, sou muito ligado emocionalmente. Fico esperando os próximos pecados!

    Quanto ao Psicoacústica, lembro de ter ouvido uma ou duas vezes no começo dos anos 90, depois nunca mais procurei de novo, e conheço apenas as versões presentes no acústico MTV ("Rubro Zorro") e MTV ao vivo ("Receita Pra se Fazer um Herói"). Vou ter de correr atrás agora!

    Mas fica uma discórdia: Planet Hemp até pode ser de alguma forma ligado ao manguebeat (não concordo muito, mas vá lá), mas Charlie Brown Jr. é bastante diferente de Nação Zumbi e Mundo Livre S.A., os maiores expoentes do estilo… treta?

  5. Com certeza Micael, concordo contigo, mas a citação que fiz ao Charlie Brown pode ter sido colocada em um lugar errado, já que o que eu tentei dizer de influências era sob os scratches e todos os barulhos de vozes que o nasi faz, que o chorão, de alguma forma, faz muito parecido. Era sobre os scratches, e não o mangue beat, que eu falo da influência no charlie Brown.
    Tenho certeza que dos proximos seis pecados, cinco tu conheces de cor e salteado, afinal, foi tu quem me apresentasse eles …

    Diogo, eu gosto muito de Rubro Zorro, mas "Estou farto do R'n'R", "Mesmo Distante" e "Manhãs de Domingo" estão nas minhas favoritas

    É dificl dizer qual a melhor, pois eu gosto de todo o disco.

  6. Em primeiro lugar, eu quero dizer que eu QUERIA VER ESSES SHOWS DO LULU SANTOS, DA MARINA E DO SUPERTRAMP!!
    Em segundo lugar, que porra é essa de "precurssor do famoso manguebeat, que consagraria grupos como Nação Zumbi, Planet Hemp e Charlie Brown Jr. anos depois"?!?!?!
    Não sou conhecedor da obra do Ira!, e o que eu conheço eu abomino, mas com um pecado desses até que deu vontade de conhecer. Quem dera houvesse mais pecadores na produção cultural brasileira..
    Tô no aguardo dos Engenheiros do Hawaii, que finalmente vão dar as caras na Consultoria! jeje

  7. Groucho, ouve farto de R'n'r e principalmente Advogado do Diabo que tu vais entender

    Eu tb queria ter assistido o show do supertramp com mairna e lulu santos. Lembro pouco do que vi na TV na época, e por incrivel que pareça, eu lembro bastante do UB40, Paralamas e Simple Minds. O pretenders e o duran duran eu não lembro, e o simply red eu tenho uma vaga memória daquela cabeleira ruiva dançando como uma gazela louca no palco

    Bons tempos …

  8. Excelente a ídéia de trazer a luz álbuns clássicos do rock Brasileiro (abomino a expressão BRock). Psicoacustica é realmente tão inovador como transgressor.
    Felizmente sou possuidor de 1 cópia em vinil entre as 50 mil vendidas.
    Ps – Não dá para adiantar quem serão os outros 6 "pecados".

    Abs,

  9. Olá Mister, obrigado pelos elogios. Também não gosto da expressão BROCK, mas como foi muito utilizada, não podemos fugir dela

    Creio que adiantar os demais pecados pode diminuir a expectativa sobre os mesmos, então, aguarde que em duas semanas você irá conhecer o segundo, e siga acompanhando a gente aqui no blog que tenho certeza, não iremos decepcioná-lo, nem nessa série nem nas demais postagens

    abraço

  10. Eu sempre achei o Ira!,uma banda chatinha,e sem sal.As vezes,parece que todo mundo,é obrigado,a gostar deles,parece uma coisa forçada.O Nasi,é um chato,mala,escroto.O cara se acha.Tem uma coisa,que me deixa p…O André Barcinski,que é um dos piores jornalistas,de música,sempre odiou os Titãs,mas sempre puxou o saco do Nasi,e do Ira!.O Ira!,tem várias músicas,cafonas,ridículas,e esse cretino nunca falou mal deles.Eu acho,que esse cretino,deve morrer de inveja,dos Titãs

  11. O Ira! sempre foi um lixo. Detesto o Nasi, com sua arrogância, e antipatia. O cara se acha. Ele não canta p…rra nenhuma. Ele pagou o maior mico, em 2009, quando abriu o show do AC/DC. Tocou duas covers chatérrimas, uma dos Stooges, e outra do idiota do Raul Seixas. Raul Seixas é um lixo, uma punheta de pau mole. E como era de se esperar, a primeira cover, com participação do insignificante, panacão, do Andreas "bundão" Kisser, que toca com qualquer idiota(Nasi). O Ira! sempre será um lixo para mim, detesto eles. FUCK OFF IRA!

  12. Graças a Deus, que o Ira! acabou. Só espero que eles nunca mais voltem, aafinal no Brasil, tudo o que é ruim, não acaba nunca. por exemplo, a b…sta do capital Inicial, os caras precisavam, gravar um acústico, para a Emotv,em 2000, e fazerem sucesso, e consequentemente voltarem a ser destaque na mídia, com suas musiquinhas ridículas?? Maldito seja o rock de Brasília, cidade de boyzinho que gosta de pagar de malaco e de pobre.

  13. Ira!, uma bandinha chatinha, com músicos medíocres, limitados e convencidos. O Nasi é um xarope das idéias. ELE SE ACHA!!

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