Discografias Comentadas: Badlands

Discografias Comentadas: Badlands
Greg Chaisson, Eric Singer, Ray Gillen e Jake E. Lee


Por Diogo Bizotto
Para quem acompanha com afinco a carreira de seus músicos favoritos, fica claro que talento é apenas uma das variáveis que determinam quão bem sucedida uma banda será. Outros elementos fazem parte dessa equação e são tão ou mais importantes quanto. Carisma, um bom contrato com uma grande gravadora, empresários honestos porém astutos, boa relação com a imprensa, além de turnês bem promovidas e shows empolgantes são essenciais para alcançar o estrelato. Talvez por isso, alguns grupos que pareciam ter tudo para galgar o Olimpo musical acabaram se desintegrando em um curto espaço de tempo, deixando para trás um legado discográfico de qualidade, mas subapreciado.

O primeiro exemplo disso que me vem à mente é o Badlands: quatro músicos extremamente talentosos, cujo destino parecia promissor, mas que acabaram falhando devido a pressões empresariais e ao descaso da gravadora Atlantic, sem falar no racha interno que opôs suas principais forças criativas, o guitarrista Jake E. Lee e o vocalista Ray Gillen. Em 1988, Jake, egresso de uma bem sucedida passagem pela banda de Ozzy Osbourne, onde substituiu Randy Rhoads com talento e personalidade, uniu-se a Ray, de curta passagem pelo Black Sabbath durante a turnê para Seventh Star (1986) e as sessões de gravação para The Eternal Idol (1987), que não chegou a ser lançado com sua voz. A eles juntaram-se o baterista Eric Singer, também vindo do Black Sabbath, e o baixista Greg Chaisson (Steeler), formando um quarteto que esbanjava técnica, bom gosto e capacidade criativa. Contudo, como veremos mais adiante, nem tudo são flores…

Badlands [1989]

Talvez na época o Badlands não tenha sido visto pelo público nem pela imprensa como um supergrupo, mas o tempo tratou de emprestar esse status a esse fantástico combo hard rock. Na teoria, tudo parecia ótimo. E na prática? Também! Badlands é um dos melhores discos do gênero lançados nos anos 80, fugindo do esquema das hair bands da época, muitas vezes perdidas em concessões pop e produções exageradas, soando como um grupo egresso dos anos 70, praticando um hard rock muitas vezes metalizado, mas com uma saudabilíssima pegada blues, mostrando do que Jake E. Lee era capaz desde a primeira faixa, “High Wire”, conduzida por riffs malandros, bem diferente daquilo que o guitarrista estava acostumado a fazer com Ozzy Osbourne. A produção, executada por Paul O’Neill (Savatage, Trans-Siberian Orchestra), que também coescreveu diversas canções, dá corpo e peso ao disco, afastando de vez o rótulo de “pop metal” que alguns insistem em atribuir à banda. A melódica e viciante “Dreams in the Dark” é o que o grupo teve mais próximo de um hit, mesmo assim sem tanto êxito. A verdade é que, ao contrário da grande maioria das bandas de hard rock da época, que reservavam em seus discos um espaço para, no mínimo, uma música mais palatável, na esperança de sucesso comercial, o Badlands nunca teve uma faixa do gênero. Prova inconteste disso é o segundo single e videoclipe extraído do disco, a ambiciosa “Winter’s Call”, que mais parece uma viagem a meados dos anos 70, época na qual vicejavam grupos que praticavam um rock pesado, técnico e raçudo, rico em influências folk e blues. Técnica é o que Lee demonstra ter de sobra em todo o track list, além de ser dono de um timbre que passa longe de sonoridades plastificadas, coisa comum hoje em dia, e de uma pegada extremamente característica, identificável em questão de segundos. Exemplo disso é o solo presente em “Dancing on the Edge”, que apesar de ter características próprias, não soaria deslocado em um álbum como Bark at the Moon (1983), gravado com Ozzy. Outra canção deliciosamente pretensiosa, quase épica, é “Streets Cry Freedom”, especialmente recomendada para os fãs daquilo que o rock inglês produziu de melhor nos anos 70. E Ray Gillen? Como não exaltar os absurdos dotes vocais desse que é um dos melhores de sua geração? Posso passar longe de ser um especialista em técnica vocal, mas ouvir “Hard Driver” é o suficiente para tornar-se um fã do cantor, que, apesar de se utilizar de agudos constantemente, sabe dosá-los com sapiência e é dono de um controle invejável, soando agradabilíssimo em qualquer momento. Eric Singer e Greg Chaisson não ficam para trás e demonstram competência em quaisquer momentos, seja no andamento malemolente do blues rock “Rumblin’ Train” ou nas diversas canções mais pesadas, que exigem viradas precisas e criativas. “Devil’s Stomp” e a instrumental “Jade’s Song” colocam em evidência a capacidade de Jake ao violão, enquanto “Seasons” encerra o álbum de maneira arrastada, na qual Ray deixa explícita a influência que recebeu de Robert Plant (Led Zeppelin). A versão em CD também traz “Ball and Chain”, dotada de um riff principal próximo ao que Tony Iommi vinha fazendo com o Black Sabbath nos anos 80. O álbum foi relativamente bem sucedido na época, porém, menos do que o esperado, situação que culminaria em desentendimentos com a gravadora e alimentaria tensões internas, que fizeram sua primeira vítima logo após o final da primeira turnê de promoção.

Voodoo Highway [1991]

O primeiro a deixar o grupo em função dos crescentes desentendimentos foi o baterista Eric Singer, substituído por Jeff Martin, vocalista do Racer X, que havia encerrado atividades na época. Apesar da pressão da Atlantic, interessada em um hit, e das consequentes desavenças entre Jake e Ray, Voodoo Highway segue uma linha bastante semelhante à de seu predecessor, como atesta o primeiro e único single, “The Last Time”, uma das melhores obras do grupo, perfeita para acabar com as cordas vocais dos aspirantes a cover de Ray Gillen. Apesar do disco ainda ser dotado de muita qualidade, é possível perceber que também é um tanto formulaico, bastante calcado no estilo das composições de Badlands, algo visível em uma música como “Show Me the Way”, que antes de descambar para aquele hard pesado e blueseiro que se tornou marca registrada do grupo, conta con uma introdução acústica feita por Jake. Felizmente, os pontos positivos se sobrepõem, e também há um certo ar de novidade, como em “Whiskey Dust” e “Silver Horses” que lembram bastante o blues eletrificado de Stevie Ray Vaughan. “Soul Stealer” é outra que cavoca as raízes blues com competência, especialmente através das linhas vocais de Ray, contrapondo-se aos pesados riffs de guitarra. Como o título indica, “Day Funk” bebe da fonte desse estilo de maneira semelhante à que o Deep Purple fez em Stormbringer (1974) e Come Taste the Band (1975). Dessa vez, a produção foi efetuada por Jake E. Lee, que conseguiu um bom resultado, ressaltando o competentíssimo baixo de Greg Chaisson (ouça “Shine On”), mas mesmo assim um pouco inferior ao resultado obtido no disco anterior. Jake tem seu momento acústico na faixa-título, que parece ter sido extraída da trilha sonora de algum filme passado no Meio-Oeste norte-americano. “Fire and Rain”, cover de James Taylor, é a mais melódica do álbum, mas infelizmente não foi explorada como single, enquanto “Heaven’s Train” aposta na faceta mais heavy metal do quarteto, algo bastante plausível, tendo em vista o passado recente dos músicos. O disco é encerrado com um momento solo de Ray Gillen, “In a Dream”, canção quase a capella, discretamente acompanhada pelo violão. Uma curiosidade: nas semifinais da quarta edição do programa American Idol, o candidato Bo Bice utilizou “In a Dream” na tentativa de conquistar os juízes, mas infelizmente ficou com a segunda posição.

Dusk [1998]

A turnê para Voodoo Highway passou longe de ser bem sucedida. Sem o apoio da gravadora e com o relacionamento totalmente desgastado, Ray foi demitido do grupo, apenas para ser readmitido pouco tempo depois (a substituta, Debbie Holiday, exigia mais dinheiro do que o grupo poderia pagar). Entre brigas nos bastidores e mesmo nos palcos, culminando em acusações trocadas através da imprensa, o Badlands amargou sua queda. Um fim melancólico para um grupo que parecia ter tanto para oferecer. Mesmo assim, o quarteto ainda registrou diversas demos para aquilo que viria a ser um terceiro álbum, sendo lançadas em 1998 sob o nome de Dusk. É estranho constatar que, mesmo com o péssimo clima que imperava entre Jake e Ray, a banda ainda conseguia registrar material de qualidade, como a ganchuda “Healer”, dotada de um simples mas memorável riff de abertura. “Sun Red Sun”, que daria nome à banda formada posteriormente por Ray, é outro óbvio destaque, dotada de uma vibração descompromissada, perfeita para encarar a estrada. Não se engane pelo fato do disco ser composto por demos: as faixas aqui presentes contam com uma produção melhor que a maioria dos discos oficiais de hard rock que têm saído hoje em dia, destacando a pegada totalmente analógica do Badlands, sem artifícios externos à música. “The River” e “Lord Knows” remetem ao grandioso Free e seus momentos de “vazio”, deixando a música respirar, criando uma dinâmica interessantíssima, enquanto “Dog” mostra que o heavy metal ainda corria no sangue dos músicos. Um blues rock irresistível, “Fat Cat” é outra a exibir a versatilidade de Jake, que percorre o braço e fustiga as cordas de sua guitarra como um negro nascido em New Orleans, mas com técnica de causar inveja aos velocistas do instrumento que proliferaram nos anos 80. Cheia de balanço e malemolência, “Ride the Jack” finaliza esse álbum que nunca foi, mas que deixa no chinelo a maioria dos discos de rock que tiveram êxito na época.

Após o término das atividades do Badlands, as forças criativas do grupo tiveram destinos que os distanciariam do público. Ray Gillen, diagnosticado com AIDS, chegou a formar a banda Sun Red Sun, mas acabou falecendo no dia 1º de dezembro de 1993, deixando para trás um legado pequeno, mas rico em qualidade, elevado ao máximo por sua voz potente, capaz de fazer inveja a muitos que o influenciaram. Jake E. Lee decidiu levar uma vida mais reclusa, lançando álbuns solo de maneira muito esparsa, além de participar de discos-tributo e de lançamentos de alguns músicos próximos. Apesar disso, o Badlands continua a despertar o interesse dos exploradores mais curiosos, sedentos por descobrir que, apesar dos longos cabelos, não se tratava de mais uma hair band qualquer, mas de um grupo que exalava talento pelos poros, apostando em uma sonoridade que remetia a seus ídolos, mas era carregada de personalidade e competência.

10 comentários sobre “Discografias Comentadas: Badlands

  1. Bela discografia. O álbum de estreia do Badlands é essencial. Eu creio que a inspiração maior do Ray Gillen era o Coverdale,e como o Coverdale era diretamente influenciado pelo Plant, ta valendo. O Lee ta tocando muito nesse disco. Aos que vivem dizendo que Randy Rhoads foi o melhor guitarrista do Ozzy, eu desafio a ouvir “Devil’s Stomp” ou “Jade’s Song” e dizer que Lee não toca melhor que o loiro falecido no acidente da aeronave. O Diogo peou muito bem. Essas duas canções são as que o Lee mais toca. "Rumblin Train" é uma das maiores provas do talento de Gillen e Lee. O solo de guitarra é simplesmente sensacional.
    No segundo álbum eu não consigo ver as semelhanças com o Stevie Ray Vaughan citadasem “Silver Horses” e “Whiskey Dust”. A introdução de “Silver Horses” até que lembra um pouco, mas eu acho ela uma paulada que o SRV jamais conseguiria gravar. E o que dizer da faixa titulo? Outra obra de arte do Lee, inspirado agora sim, fortemente em Jimmy Page e nas linhas vocais de Plant. E a batida?? Vai dizer que não lembra “Hats Off (to Roy Hraper)???
    O último eu não conheço, mas pelo que ouvi do disponibilizado no post, gostei bastante.
    Uma baita banda com certeza, e uma pena a morte prematura de Gillen. Um dos maiores vocalistas de sua geração.

  2. “Apesar dos longos cabelos, não se tratava de mais uma hair bandqualquer, mas de um grupo que exalava talento pelos poros, apostando em uma sonoridade que remetia a seus ídolos, mas era carregada de personalidade e competência.”
    Muito bom Diogo, é isso mesmo. Na verdade eu acho que o Badlands tinha influências de tudo um pouco. Free, Led, Trapeze, Bad Company, GFR, Sabbath, Aerosmith, …, esses va´rios sons dentro do mesmo estilo acabaram sendo muito bem condensados em dois discos fantásticos (os dois primeiros) por que os músicos eram de um talento extremo. Se tivessem lançado apenas um disco, Badlands por exemplo, seriam talvez mais idolatrados do que são hoje, pois assim não teriam ocorrido as brigas que levaram ao final dessa grande banda.

  3. Vou passar o link de um video do Lee detonando ao vivo na introdução de High Wire, sem alavancas ou qqer oura coisa q não fosse suas mãos

    http://www.youtube.com/watch?v=xskProI_DAo&feature=related

    Micael, isso é que é tocar sem alavancas, e não o que o Randy Rhoads fazia.

    Aliás, eu sou o único que acha o estilo de cantar do Gillen em "High Wire" parecido com o do Coverdale em "Still of the Night"??

    vou passar o link da canção do Whitesnake e vocês tiram suas dúvidas

    http://www.youtube.com/watch?v=G3DJhwAhrjY

  4. Muito bom esse vídeo de "High Wire" ao vivo. Raras vezes vi um guitarrista que sabe explorar tão bem todo o corpo da guitarra quanto o Jake. O primeiro que me vem à mente é Eddie Van Halen, o que, cnvenhamos, passa looooonge de ser coisa pouca. E sim, Ray está bem na cola de David Coverdale nessa música, tudo a ver mesmo com "Still of the Night".

    Sim, esse é o vídeo do Bo Bice, eu o linquei ali no corpo do texto. Vi vários vídeos desse cara cantando no American Idol, provavelmente o cara mais rock 'n' roll que já passou pelo programa. O cara cantou The Allman Brothers Band, Lynyrd Skynyrd, The Ides of March, The Black Crowes. Rolling Stones…

  5. Ótimo post. Com certeza o Badlands é uma de minhas bandas de hard favoritas. Tenho os dois primeiros discos e os acho maravilhosos.
    A química entre Ray e Jake era única, produziram grandes canções cheias de energia e feeling…
    Com certeza uma banda que merecia ainda mais sucesso.

  6. tenho todos os discos em q o ray gillen cantou e gosto muito do cara

    gostei muito da sua resenha, mas acho o 3ºdisco bem fraco..

    o 1º é bem legal e o segunda fica um pouco atras do primeiro..

    otimo blog q vcs tem por aqui..

  7. "Carisma, um bom contrato com uma grande gravadora, empresários honestos porém astutos, boa relação com a imprensa…"

    Jurei que nesse finalzinho o Diogo ia escrever "bom trânsito no eixo Rio-Sampa". KEKEKE

    Preciso ouvir melhor essa banda. Vou já pegar a discografia ali num backup em homenagem ao patrão.

    P.S.: Só eu achei o Mairon a cara de um certo alguém nesses comentários? lelele

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