Maravilhas do Mundo Prog: Focus – Anonymus II [1972]

Maravilhas do Mundo Prog: Focus – Anonymus II [1972]
Por Mairon Machado
Pode uma sessão de improvisos virar uma maravilha do mundo prog. Bom, se essa sessão for feita por um grupo holandês chamado Focus, então não só pode como deve. 

Fundado em 1969 pelo tecladista, flautista e cantor Thijs Van Leer, o grupo teve algumas mudanças de formação até estabilizar-se com Thijs, Jan Akkerman (guitarras), Martin Dresden (baixo, vocais) e Hans Cleuver (bateria). Com essa formação, lançaram o primeiro disco, In and Out of Focus (também conhecido como Focus Play Focus) em 1970, com canções cantadas em inglês e que cujos maiores destaques são “House of the King” (a canção mais Jethro Tull que o Jethro Tull nunca gravou) e uma pequena suíte de nome “Anonymus“, uma canção de quase sete minutos destinada à solos individuais de seus quatro membros, sendo que Thijs aparece com dois solos, um na flauta e outro no piano. A sequência de solos de “Anonymus” ainda conta com baixo, guitarra e a bateria, exatamente nessa ordem, apresentando ao mundo um grupo com fortes influências jazzísticas, e com qualidades técnicas inquestionáveis, principalmente de Thijs e Akkerman.

Formação classica: Akkerman, Van der Linden, Van Leer e Ruiter

O fraco desempenho do LP na Holanda não abalou o grupo, e no ano seguinte, com a entrada do excelente baterista Pierre Van der Linden (irmão do genial Rick Van der Linden, líder do Ekseption) pro lugar de Cleuver,  e de Cyril Havermans para o lugar de Dresden, lançam o álbum mais famoso do grupo, Moving Waves, apresentando as clássicas “Hocus Pocus” (que consagrou os famosos yodels de Thijs Van Leer), “Janis” e a longa suíte “Eruption“, outra que pode pintar como maravilha em breve.

Em Moving Waves (ou Focus II) o grupo descobriu a fórmula para conquistar a atenção da plateia, casando as partes pesadas da guitarra de Akkerman e da bateria de Van der Linden com a suavidade instrumental (e vocal) de Thijs na flauta e órgão e de Cyril no baixo e vocais, levando-os rapidamente a se destacar como principal banda da Holanda.

Em setembro de 71, depois de uma bem sucedida turnê de divulgação do segundo álbum, Cyril foi substituído por Bert Ruiter, que ao lado de Van der Linden, Akkerman e Van Leer, formou o line-up clássico do Focus. A estreia dessa formação veio no espetacular Focus 3, um álbum duplo lançado no final de 72. Nele, estão contidos os melhores momentos em estúdio do grupo, com clássicos do porte de “Answers? Questions! Questions? Answers!“, “Sylvia” e “Focus 3”, que levaram o Focus para a quarta posição em vendas no Reino Unido, no mesmo ano que Yes, Pink Floyd, Genesis e King Crimson (só para citar alguns) estavam lançando talvez seus melhores e mais famosos álbuns.

Rótulo do lado C de Focus 3

Mas o principal momento do LP é destinado à todo o lado C e boa parte do lado D do vinil, a épica “Anonymus II”. Ela é uma versão improvisada em cima dos temas da citada “Anonymus”, conservando também a sequência de solos (dois para Thijs, um para baixo, uma para guitarra e um para bateria). Só que nessa segunda versão, Akkerman, Van Leer, Van der Linden e Ruiter capricharam, gravando a canção em apenas um take e fazendo deliciosas e memoráveis passagens instrumentais em seus mais de 26 minutos de muita técnica, feeling e pouquissima soberba individual.

“Anonymus II” começa com baixo e órgão fazendo o tema principal de “Anonymus”, porém em um ritmo mais acelerado, acompanhado pelo andamento veloz de Van der Linden. Akkerman surge, fazendo variações em cima das notas do tema principal, e após três estrofes, Thijs começa a solar na flauta, tendo sempre a marcação de acordes de guitarra, órgão e baixo, além da precisa bateria de Van der Linden, fazendo as mesmas marcações da primeira versão da canção.

Thijs Van Leer
Então, Akkerman, Ruiter e Van der Linden puxam o ritmo para, como em “Anonymus”, Thijs começar a solar na flauta, porém aqui com muito mais técnica, velocidade e precisão que causam inveja até mesmo em Ian Anderson (flautista, líder do Jethro Tull). Após o belo solo na flauta, a sequência original segue, mas não com um solo no piano, e sim com Thijs destruindo no órgão, executando um complicadíssimo solo com acordes e marcações difíceis de serem reproduzidas, sempre tendo ao fundo o suingado acompanhamento dos demais membros do Focus.
Thijs comanda a virada que muda a canção, retomando os acordes marcados da primeira versão e levando ao solo de baixo. Se na versão original Martin Dresden tem pouco tempo para mostrar suas habilidades, aqui Ruiter possui o tempo que quiser, e ele explora bem esse fato, começando com algumas notas, como que experimentando qual é a escala que vai utilizar e o que vai fazer. Quando ele acha a nota certa (um B), passa a testar a escala daquela nota com mais velocidade, tendo interferências da guitarra de Akkerman.
Bert Ruiter
A entrada de Van der Linden dá ritmo ao solo de Ruiter, que solta os dedos em escalas rápidas e dedilhados em cima de diversos acordes. Akkerman usa harmônicas e acordes abafados para fazer a marcação, enquanto Van der Linden está apenas no bumbo e no chimbal. O volume do solo aumenta, e Van der Linden já está no ritmo de bumbo, caixa e chimbal.
Ruiter passa a seguir o ritmo de Van der Linden, levando então para o solo de Akkerman, que é um solo mais do que fantástico, bem no seu estilo, com escalas muito velozes, bends, vibratos e todas as variações de acordes jazzísticos que ele costumava empregar em um que outro solo, mas aqui, condensados em alguns minutos de puro êxtase musical. Akkerman praticamente estoura as cordas com bends assustadores e debulhando os dedos em velozes escalas que Steve Vai e Eddie Van Halen passaram a vida inteira estudando para conseguir fazer.

Jan Akkerman
É especificamente neste solo que Akkerman mostra ao mundo todo seu talento, sendo um dos principais guitarristas do rock e ao mesmo tempo um dos mais injustiçados, já que poucos dão atenção aos espetáculos sonoros que ele fazia com sua Les Paul. Arrepiando as cordas da guitarra sobre um andamento pegado de Ruiter, Van der Linden e o órgão de Thijs, Akkerman repentinamente muda a canção, trazendo os acordes marcados, e para seguir a versão original, deve levar as viradas de bateria.
É isso que acontece, com a diferença de que agora, teremos um solo de bateria junto das viradas. Depois dos temas marcados da versão inicial, Van der Linden começa seu solo com um espetacular trabalho no bumbo e nos tons, onde enquanto ele faz as velozes batidas marcando o tempo no bumbo e no chimbal, fica fazendo o solo nos tons. Aos poucos, passa a rufar na caixa com uma velocidade incrível da mão esquerda, enquanto a mão direita alterna batidas nas caixas e tons, chegando nos diversos rolos, rufos e viradas mágicas entre tons, caixa e pratos, tendo sempre a precisa marcação do bumbo e do chimbal.
Pierre Van der Linden
Van der Linden destrói os pratos e os tons com batidas muito pesadas com a mão direita enquanto rufa insanamente com a mão esquerda, e as palavras não são suficientes para explicar o que está acontecendo nesse momento. A deixa para modificar a canção é a diminuição no ritmo do solo, trazendo o grupo manhosamente, primeiro baixo, depois órgão e por fim a guitarra. 
Os instrumentos fazem acordes em cima do tema marcado, e Akkerman grita suas últimas escalas velozes, voltando então ao tema inicial, dessa vez com Akkerman fazendo uma sequência de solos em cima do tema inicial, chegando ao majestoso final com um belíssimo solo de Akkerman, onde o lento acompanhamento do orgão, bateria e baixo, dão o clima encantador que para a repetição do tema inicial, fechado tudo com chave de diamante.

Versão americana de Focus 3

Focus 3 foi lançado com uma capa diferente nos Estados Unidos, toda preta e com apenas pequenas fotos dos quatro membros do grupo no centro, além do nome FOCUS vir com diversos efeitos ópticos. No Brasil, o LP saiu em versão simples, podando todo o solo de Van der Linden e o encerramento da canção, além de diversas outras canções pertencentes a versão original.

Depois de Focus 3, o grupo celebrou o sucesso na Inglaterra, gravando lá o espetacular ao vivo at the Rainbow (1973). A entrada de Collin Allen no lugar de Van der Linden proporcionou ao Focus lançar mais um espetáculo musical, o excelente Hamburgo Concerto (1974), onde pelo menos mais duas maravilhas estão registradas: a suíte “Hamburgo Concerto” e a triste, mas encantadora “La Cathedrale de Strasbourg“. 

Ensaios de gravação de Focus 3

Depois o grupo se perdeu com os fracos Mother Focus (1975) e Con Proby (1978), esse sem Akkerman e que é daqueles fortes cadidatos a Discos que Parece que Só eu Gosto, além da coletânea de sobras Ship of Memories (1976), encerrando as atividades no final dos anos 70. Em 85, Akkerman e Van Leer lançaram Focus, uma verdadeira bomba para os fiéis fãs do grupo, e somente em 2002, Thijs reativou o nome Focus com o CD Focus 8, permanecendo excursionando até os dias de hoje e mostrando ao mundo seus famosos yodels, bem como as mais belas linhas progressivas já construídas na Holanda.

18 comentários sobre “Maravilhas do Mundo Prog: Focus – Anonymus II [1972]

  1. Essa banda foi uma das primeiras que ouvi bastante no início da minha fase progressiva (que durou cerca de 9 anos), lá por volta de 1999.
    Achei interessante vc falar que Con Proby é fraco e mesmo assim merecer texto no "Discos que Parece que Só eu Gosto"….rs
    Sobre o ano de 1972 sempre disse que foi o melhor ano do progressivo, como mostra a pequena lista abaixo:
    Yes – Close to the Edge
    Premiata Forneria Marconi – Storia de Un Minuto
    Jethro Tull – Thick as a Brick
    Banco del Mutuo Socccorso – Darwin
    Gentle Giant – Octopus
    Nektar – A Tab in the Ocean
    Aphrodite's Child – 666
    Emerson, Lake and Palmer – Trilogy
    Triumvirat – Mediterranean Tales
    Gnidrolog – Lady Lake

    Para citar só dez…

  2. 72 é complicado mesmo

    cito mais dez

    Genesis – Foxtrot
    Gentle Giant – Three Friends
    Pink Floyd – Obscured by Clouds
    Beggars Opera – Pathfinder
    Ange – Caricatures
    Barclay James Harvest – Baby James Harvest
    Moody Blues – Seventh Sojourn
    Socrates drank the Conium – Taste the Conium
    Mutantes – E seus cometas no país dos Bauretz
    Le Orme – Uomo di pezza

    O con Proby é fraco para os padrões Focus, mas é um bom disco no geral

  3. Eu não incluiria essa música em um Maravilhas do Mundo Prog, mas Focus é uma banda realmente muito boa, e o Akkerman um injustiçado. Coincidentemente, andei ouvindo a FODOMENAL "Hamburger Concerto" ontem..
    Quanto ao melhor ano do progressivo, difícil decidir qual, até porque me falta conhecer muitos dos discos citados, mas duvido que eu fique com 72. Dos clássicos do Yes, o que menos gosto é o Close to the Edge; dos clássicos do Genesis, o que menos gosto é o Foxtrot; Obscured by Clouds nem é clássico! Isso é algo que eu precisaria de muito tempo pra decidir.

  4. Pegando só os citados, os bons discos desse ano seriam:
    Yes – Close to the Edge
    Jethro Tull – Thick as a Brick
    Banco del Mutuo Socccorso – Darwin
    Gentle Giant – Octopus
    Emerson, Lake and Palmer – Trilogy
    Triumvirat – Mediterranean Tales
    Gentle Giant – Three Friends
    Os demais eu não conheço ou não acho TÃO grande coisa. Depois vejo tem algum que não foi citado e eu incluiria.
    71 tem os MARAVILINDOS Fragile, Pawn Hearts e Acquiring the Taste. 73 tem os SUPREMOS Larks' Tongues in Aspic, Selling England by the Pound e Tales from Topographic Oceans e os ótimos In a Glass House e Dark Side of the Moon. 74 tem o Relayer e SÓ ISSO JÁ BASTA!!! hehe Muito difícil decidir..

  5. Se o Yes Album for considerado clássico, é o que menos gosto. Mas Fragile, Tales e Relayer superam o CttE com certeza!
    Eu não quis esticar muito, mas 75 teve o Godbluff e o Wish You Were Here. Talvez possa citar tb o Time and Tide, do Greenslade. Não quis esticar pq meu favorito do Renaissance, por exemplo, é o Novella, de 77, aí Freud!

  6. "Não quis esticar pq meu favorito do Renaissance, por exemplo, é o Novella, de 77,"

    É, ele é um fanfarrão, todo mundo sabe que o melhor Renaissance ou é o Turn of the cards ou o Scheherazade …

  7. Cara… Através desse blog eu vi o quanto sou um completo ignorante em relação a música! Como tenho que aprender! E que ótima descoberta para mim é essa banda Focus! Degustei cada faixa e vou atras dos álbuns deles (pelo menos os indicados como melhores) pra ontem!!! Enfim, obrigado! Ótimo texto!

  8. Os 2 maiores clássicos do Renaissance tão no Novella: "The Sisters" e a SAGRADA "Touching Once". Não bastasse isso, o disco ainda conta com as ótimas "Can You Hear Me?" e "The Captive Heart". A única falha é "Midas Man", mas nem dá pra chorar.

  9. "A única falha é 'Midas Man'"…

    Tá, Adriano, a gente já sacou que tu és um fanfarrão, não precisa ficar dando mais exemplos…

    Os melhores discos do Renaissance são o Prologue e o Ashes Are burning. Ponto.

    E Focus é maravilhoso! Até mesmo no Con Proby, pode-se dizer que todas as músicas instrumentais são muito boas, mostrando o talento do Phillipe Catherine. O problema são os vocais do PJ Proby mesmo…

    Eu já enganei alguns incautos com esta canção, mostrando aos mesmos e dizendo que era Jethro Tull. O solo de flauta deixa qualquer um convencido de que é o Ian Anderson no instrumento. E é por causa disso que eu prefiro o Van Leer na flauta do que o mestre escocês: o holandês consegue tocar no estilo de Anderson, mas nunca vi o mesmo fazendo o estilo mais barroco do eterno líder do Focus (que além de tudo é um cara super gente fina, como pude comprovar nas duas vezes em que conversei com ele após shows do Focus em Porto Alegre).

    E sou mais um que acha Jan Akkerman um baita injustiçado. Ele toca mais que muito guitarrista de nome por aí, mas nunca é mencionado naquelas listas de "melhores". Será que todos estão surdos?

    Belíssimo texto e ótima lembrança.

  10. Sei que é um preciosismo…mas o disco do Mutantes não me parece rock progressivo não… está mais pra psicodélico…que são coisas um pouco diferentes…embora com certeza haja alguma sobreposição

  11. Eu até fiquei receoso de falar de "Midas Man" pq imaginei q podia ser uma queridinha da galera. Mas, pow, "Touching Once" é inegavelmente um clássico. Não sou só eu que acho! xD Talvez nem todos achem ela a melhor do Renaissance e uma das melhores do prog em geral, mas ela é reconhecida. O Ashes Are Burning é um dos discos que mais ouvi do Renaissance, mas tem muita música pra baitola ali! hahauhauhauah "Carpet of the Sun" e "At the Harbour" são tvz as que eu mais gosto, seguidas da faixa-título. O Prologue eu não conheço tão bem. Mas então, o Focus… huahuahauhauah

  12. "Ashes Are Burning é um dos discos que mais ouvi do Renaissance, mas tem muita música pra baitola ali! hahauhauhauah "Carpet of the Sun" e "At the Harbour" são tvz as que eu mais gosto, "

    Ou seja, ele gosta só das musicas de baitola, aoeoiaheaohea

    O Prologue e lindo. Sounds of the Sea e Rajah Khan são sensacionais.

    Renaissance em breve aqui no maravilhas, mas quem quiser conhecer um pouco da historia do grupo com Keith Relf, ta aqui o link

    http://baudomairon.blogspot.com/2010/03/primeira-geracao-da-renaissance.html

  13. "Let It Grow" é bem mais abaitolada, mas "Carpet of the Sun" e "At the Harbour" tb são bastante homodirecionadas.. Tô voltando a ouvir Renaissance pra entender pq todo mundo não prefere o Novella, mas não consigo. Acho que o Novella é o único que eu realmente gosto. O resto é legal, mas nada de especial. Preciso voltar a ouvir o Focus tb. Depois do Hamburger Concerto, eu ouvi muito pouco. Só uma coisa: do primeiro disco, minha favorita é "Black Beauty". Essa "House of the King" é o mermo tema de "Anonymus" ou vice-versa.. Mas é legal, sim.

  14. Groucho, eu te sugiro ouvir o carnegie hall, dai prestar atençao em Scheherazade q tu vais conseguir entender pq o novella é MUUUUUUUUUUUUUUITO BOM, mas não o melhor

    bom, eusou suspeito, eu gosto do time line, hahahah

    Na semana q vem ja preparei outra banda, mas vou ver se preparo para daqui duas semanas uma maravilha do renaissance

  15. O primeiro disco que ouvi do Renaissance foi um ao vivo, da King Biscuit Flower Hour, e foi lá que me apaixonei por "Touching Once"! Daí ouvi o Novella e notei "The Sisters", aí morreu.. O resto das músicas podia ser só lambada que ainda assim seria o melhor deles! Mas vou pegar esse Carnegie Hall AGORA!

  16. O Adriano é realmente um cara atras do seu tempo. Tivesse vivido os anos 60 e 70, ele ganhava fácil o Campeonato de Fanfarras que era promovido pela TV Record.

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