Led Zeppelin – III [1970]

Led Zeppelin – III [1970]
Por Mairon Machado
Nove de janeiro de 1970. Nesta data, o grupo Led Zeppelin, composto por Robert Plant (vocais), Jimmy Page (guitarras, violões), John Paul Jones (baixo, teclados, mandolim) e John Bonham (bateria, percussão) apresentava-se no Royal Albert Hall, em Londres. Depois de dois LPs de extremo sucesso, que ajudaram a desbancar os Beatles da lista de favoritos dos britânicos, o quarteto finalmente estava com a Inglaterra aos seus pés. Essa data era exatamente a data de aniversário de Page, que completava apenas 26 anos, e já era considerado um dos grandes guitarristas daquele momento.
Naquela noite, o zeppelin de chumbo tocou durante duas horas e meia, apresentando uma canção inédita, que estaria no track list do próximo álbum da banda, e se tornaria o mais ousado LP da carreira do grupo oito meses depois. 
III não é apenas um LP, é a junção de todos os elementos que fariam do Led Zeppelin a maior banda de rock da década de 70, entrando na famosa santíssima trindade do rock ao lado de Black Sabbath e Deep Purple. 
Nele encontramos a psicodelia pós-Yardbirds do primeiro álbum (“Hats Off to (Roy) Harper”), o rock pesado do segundo (“Immigrant Song”), as baladas acústicas do disco sem nome (“Tangerine”, “That’s the Way”), o rock simples de Houses of the Holy (“Celebration Day”, “Out on the Tiles”), as incursões orientais de Physical Graffiti (“Friends”), o blues de Presence (“Since I’ve Been Loving You”) e as experimentações de In Through the Out Door (“Gallows Pole”, inovando no uso de instrumentos como mandolim e banjo).

Robert Plant, Jimmy Page e John Paul Jones (1971)

O álbum começou a ser concebido durante as férias do grupo. Após dois anos e meio excursionando direto, 1970 começou com o citado show no Royal Albert Hall, passando por uma extensa turnê pela Europa, onde o grupo se apresentou na Dinamarca – sob o nome de The Nobs, devido a uma bizarra confusão com Eva von Zeppelin, descendente do Conde Ferdinand von Zeppelin, criador do dirigível que deu nome ao grupo – Finlândia, Suécia, Holanda, Alemanha, Áustria e Suíça, tudo isso apenas no mês de fevereiro; e ainda a parte americana, onde o grupo se apresentou em diversas cidades durante três semanas, com as apresentações facilmente passando das três horas.

Próximo ao final da turnê, todos estavam exaustos, e o integrante que tinha maiores problemas era Plant. Por indicações médicas, o Led teve que cancelar a última apresentação da perna americana, a qual seria realizada em Las Vegas, entrando em férias sem previsão de retorno. 

O repouso de Bron-Yr-Aur

Plant e Page (bem como suas respectivas esposas) foram parar no sul do País de Gales, em um conjunto de pequenas casas de madeira chamado Bron-Yr-Aur (seio dourado, em galês). Localizado às margens do rio Dovey, esse local não possuía eletricidade, sendo silencioso e relaxante. Assim, apenas com violões em mãos, a dupla Page/Plant começou a compor as pérolas que estariam presentes em III. De lá, saíram “Out on the Tiles”, “Celebration Day”, “Bron-Y-Aur Stomp” e “That’s the Way”. 

Depois de algumas semanas, o quarteto voltou a se reunir no final de maio, mas sem a mínima vontade de ir para os estúdios, a solução foi começar as gravações na longíqua Headley Grange, uma casa no interior de Londres, afastada do barulho, da poluição e que assemelhava-se ao o clima de paz de Bron-Yr-Aur, onde assim, nasceram as canções que estão presentes em III.
Não é qualquer vinil que abre com uma paulada como “Immigrant Song”, onde  temos os gritos de Plant sob o cavalgar do baixo de Jones e o riff de Page. Uma das canções mais pesadas da carreira do Led, que é seguida pelo espetacular arranjo de violões para “Friends”, com os acordes de Page e Jones em um dançante e ao mesmo tempo estranho ritmo, acompanhado pela tabla de Bonham. Os vocais de Plant são seguidos por cordas, e assim, temos a primeira ligação do oriente com o Zeppelin, que se tornaria mais claro na clássica “Kashmir”, de Physical Graffitti (1975).

John Bonham
Efeitos de moog apresentam “Celebration Day”, com Page fazendo o riff inicial, de onde surge o rock simples, com Plant cantando seus agudos e com Page fazendo os bends no seu solo, que influenciaram muitos guitarristas com o passar dos anos, e que foram indecentemente copiados pelo grupo brasileiro O Peso na canção “Lúcifer”, do álbum Em Busca do Tempo Perdido (1975).
Então, chegamos à primeira composição feita para o álbum, o sensacional blues “Since I’ve Been Loving You”, a qual particularmente está na minha lista de favoritas de todos os tempos. É uma canção para cortar os pulsos dos mais depressivos. O início leva até um surdo as lágrimas, tamanha a dose emocional do solo de Page, acompanhado apenas pelo hammond e pelo forte e lento ritmo de Bonham. Plant passa a cantar a letra que é uma modificação da pérola “Never”, do grupo Moby Grape (lançada no álbum Grape Jam, de 1968), que foi uma forte influência para a composição deste e do álbum seguinte do Led.
Plant chega então ao refrão, e a canção vai ganhando volume lentamente. A letra continua, com um belo arranjo do hammond e com um lindo dedilhado de Page, retornando ao refrão, onde Plant esbanja agudos rasgados, e então Page destrói qualquer sentimento de alegria que possa existir, em um solo triste, com a escala blues perfeitamente encaixada para criar o clima de solidão e tristeza do personagem central, que perdeu seu grande amor.
Um gigantesco agudo de Plant nos leva a sessão final, com o vocalista loiro cantando muito, provando que sim, ele foi um dos grandes vocalistas do rock. O lindo dedilhado e as viradas de Bonham fazem a cadência certa para os vocais e gritos alucinantes de Plant, chegando ao êxtase da canção, quando o riff de Page já está para sempre na sua memória, e Plant chorando no microfone durante as sensacionais viradas de Bonham, que mesmo sem ser um virtuoso da bateria, toca o instrumento de maneira única, encerrando sublimemente essa espetacular canção.
O lado A encerra-se com outra paulada, “Out on the Tiles”, um rock direto, onde o riff de baixo e guitarra, tendo o acompanhamento tipicamente Bonham, traz os vocais de Plant e um dos grandes refrões do grupo. Voltamos ao riff inicial e a sequência da letra. O refrão é repetido, e assim, a canção encerra-se com o pesado final, onde Bonham faz mais um grande acompanhamento para os gemidos e riffs de Plant e Page.
Os acordes do violão trazem os vocais de Plant para a adaptação à “Gallows Pole”, uma canção típica galesa, que ganhou experimentações com o Led, a começar pelo uso do mandolim, feito por Jones, acompanhando os vocais e dando ritmo a canção. O baixo surge fazendo a estranha marcação do tempo, acompanhando os acordes do violão, e Plant canta como manda o figurino. O refrão é repetido, e assim, Page surge com o banjo, acompanhado por Bonham, para dar mais ritmo a essa ótima canção. Mais uma vez, o refrão é repetido, e Plant encerra a letra com Page e Jones fazendo vocalizações ao fundo, tendo ainda um curto solo de Page sendo encoberto pelos gemidos de Plant.

Momento acústico dos shows do Led

A bela “Tangerine”, composta ainda nos tempos do Yardbirds, vem na sequência, com os acordes de violão fazendo a bela introdução, e cujo início foi cortado na versão brazuca do vinil. Plant canta tristemente, e a entrada do baixo e da bateria comandam uma bonita balada no refrão, com os vocais dobrados de Plant e com Page usando a steel guitar. Plant dá sequência à letra, levando para o solo de Page, repleto de efeitos. O refrão é retomado, e a steel guitar se apresenta fazendo o solo final.

“That’s the Way” arruma a casa, levada apenas pelos 3 acordes do violão e com Jones dedilhando o mandolim, ambos acompanhando os vocais de Plant e a steel guitar de Page intervendo em cada estrofe cantada. O refrão soa pesado, apesar de ser constituído apenas pelos vocais, a steel guitar, o mandolim e o violão. Linda é pouco para definir essa canção. A interpretação vocal de Plant é sensacional, e os 3 acordes do violão vão e vêm como ondas no mar, enquanto a steel guitar leva você para uma longa viagem pelos campos celtas, tendo na companhia a cachoeira de sentimentos que transborda dos pulmões de Plant, encerrando a canção com um belíssimo arranjo instrumental feito apenas pelo violão, acompanhado na sequência por pandeiro, baixo, mandolim e um tímido solo da steel guitar, além de vocalizações de Plant.
Page dá show no violão que introduz “Bron-Y-Aur Stomp”, com dedilhados e acordes rápidos, puxando o ritmo que é marcado pelo bumbo e chimbal, trazendo os vocais de Plant em um folk espetacular. Palmas participam acompanhando o dançante ritmo, e os vocais dobrados de Plant aparecem, enquanto Page faz misérias com o violão, tocando-o como se estivesse com sua Les Paul, tirando riffs sujos e ao mesmo tempo grudento, que nos fazem sentir em volta de uma fogueira, com amigos dançando e cantando ao seu lado.
O LP se encerra com a delirante psicodelia de “Hats Off to (Roy) Harper”. Experimentação pura, desde seu início, com os efeitos na voz de Plant e com Page utilizando o slide para tirar sons estranhíssimos do violão. A levada de Page ao lado das vocalizações de Plant serve para ilustrar por que esta é uma das mais famosas duplas do rock, quase que como um coração e um pulmão trabalhando juntos, em perfeita harmonia, e onde Page cria sons jamais ouvidos nos álbuns anteriores do Led, encerrando III de maneira surpreendente.

Festival de Bath (1970)

Após a gravação de III, que curiosamente foi o álbum menos vendido da história do Led, mesmo alcançando a primeira posição logo após seu lançamento, o grupo voltou aos palcos, apresentando inclusive um set somente com as canções acústicas, uma grande novidade, com grande destaque para as seguintes apresentações: Islândia; festival de Bath, Inglaterra, no dia 28 de junho de 1970, onde cinco (!) bis foram feitos em uma apresentação com mais de 3 horas; a mini-turnê pela Alemanha, onde o grupo se apresentou em Frankfurt, Colônia, Berlin e Essen; e a sexta turnê pelos Estados Unidos, com 36 shows em 7 semanas, onde todos tiveram os ingressos esgotados.

Versão original (acima) e versão normal (abaixo) de III, com destaque para o disco giratório (centro)
Em 5 de outubro, III foi lançado na Inglaterra, enquanto os americanos puderam conhecer o LP apenas no dia 20. A capa original inovava, apresentando um disco de papelão giratório com diversas imagens. Ao inseri-lo  no interior da capa, você girava o disco de papelão e podia ver as diferentes imagens através dos espaços contidos na capa, sendo que as que se encaixavam nos espaços eram sempre referentes ao mesmo membro do Led.
Novas férias, e a dupla Page/Plant voltou para Bron-Yr-Aur, de onde sairiam com o maior clássico da carreira do Led Zeppelin, “Stairway to Heaven”, mas isso é assunto para outra matéria. O passo inicial para o sucesso do grupo já havia sido dado em III, talvez não o melhor, mas sem dúvidas, o mais ousado e importante disco de uma das melhores bandas da história da música.

8 comentários sobre “Led Zeppelin – III [1970]

  1. Eu confesso que não conseguia ver tudo o que dizem do Led Zeppelin. Para mim sempre foi uma grande banda, mas com outras sempre um patamar acima.

    Mas mudei de opinião após esse álbum.

    É o meu favorito do Led, e agora entendo porque eles são tão estimados.

  2. Mairon, gostei muito do seu texto. Muito mesmo. Confesso que quando vi Led Zeppelin, pensei comigo: Lá vem mais do mesmo. Comecei a ler e foi uma delícia até o fim, com várias informações interessantes e sem se perder na devoção babaca. Tudo na medida exata do respeito que essa banda merece. Parabéns, rapaz!!!

  3. Apesar de excelente, III é o menos favorito para mim dentre os quatro primeiros do grupo. Em compensação, traz a música que eu mais gosto de toda a carreira do Zeppelin, que é "Since I've Been Loving You", muito bem descrita pelo Mairon no texto.

    Bela matéria!

  4. Não consigo definir muito bem qual seria meu álbum favorito do Led Zeppelin, até porque nunca escutei a banda o suficiente para realizar uma escolha "justa", mas "III" é merecedor desse título. "Immigrant Song" e "Since I've Been Loving You" não são apenas clássicos do grupo, mas do rock em geral.

  5. Um bom texto pra uma boa banda. Mas não pude deixar de atentar pra seguinte frase:

    "…que foram indecentemente copiados pelo grupo brasileiro O Peso…"

    Ladrão que rouba ladrão… xD

  6. Lembrando que a edição bretã e americana (???) as primeiras edições tinham a frase num dos sulcos finais “Faça o que queres, há de ser o todo da Lei” de acordo com a doutrina pagã/satânica do famigerado mago Aleister Crowley (1875-1947). Aqui no Brasil este album foi todo censurado (designer da capa/contracapa ate algumas faixas). Eu tenho uma edição de 1974 (Gravadora ATCO) – subsidiaria da Atlantic, paguei R$ 200,00 (sai caro hoje em dia). O Mercyfull Fate (Black Metal) (banda genuinamente satânica) coverizou num album a tornitruante “Imigrant Song” . – marcio “osbourne” silva de almeida – joinville-sc

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