Oops… I Did It Again: Running Wild – The First Years of Piracy [1991]

Oops… I Did It Again: Running Wild – The First Years of Piracy [1991]

Por Diogo Bizotto
“Decidimos regravar nossas músicas antigas pois na época tivemos pouco tempo em estúdio e os recursos eram escassos”. “Nossa formação atualmente é muito mais técnica e sólida”. “Hoje em dia temos a possibilidade de executar uma gravação com muito mais qualidade”. É provável que você já tenha lido ou ouvido essas frases vindo da boca de artistas quando perguntados a respeito dos motivos que os levaram a regravar músicas ou álbuns inteiros registrados nos primórdios de suas carreiras. Essa prática, que tem se tornado cada vez mais comum nos últimos anos, especialmente no rock pesado, é a motivação dessa coluna, pois pode gerar análises interessantes e comparações inevitáveis.
Ao mesmo tempo que, sim, as justificativas empregadas pelos músicos geralmente fazem sentido, existem certos elementos, normalmente não tão palpáveis, que não necessariamente evoluem com a experiência e a maturidade. Garra, paixão, a vontade de mostrar sua música para o mundo, a necessidade de ter alguma coisa para provar… São características encontradas em muito maior profusão em bandas jovens, no início de suas jornadas pela música. Inclusive é bastante comum que apontemos os primeiros álbuns de nossos artistas favoritos como os melhores produzidos em suas carreiras, mesmo quando estas atravessam décadas, em uma clara demonstração dos fãs que, na maioria das vezes, os aspectos técnicos não são tão decisivos assim para o julgamento final.
Victim of States Power (EP)

Com o Running Wild, banda alemã formada na cidade de Hamburgo, em 1976, o assunto não é diferente. O quarteto liderado pelo guitarrista e vocalista Rolf Kasparek, também conhecido como Rock ‘n’ Rolf, lançou sua estreia discográfica em 1984, com o EP Victim of States Power, seguido no mesmo ano pelo primeiro álbum, Gates to Purgatory. Deliciosamente agressivo, o disco investia naquilo que à época era conhecido como speed metal, e que anos mais tarde, através de contemporâneos alemães, canadenses e norte-americanos, além do próprio Running Wild, evolveria para o que passou a ser chamado de power metal, além de ser influência e se fundir a outros gêneros, como o thrash e o death metal. Apesar de passar longe de contar com uma produção perfeita, Gates to Purgatory esbanja garra e pegada tanto quanto um jogador de futebol milionário esbanja dinheiro. As velozes “Victim of States Power” e “Adrian SOS” tomam os tímpanos dos ouvintes de assalto enquanto as pesadas “Preacher” e “Diabolic Force” convidam a balançar a cabeça. Mas a grande canção do álbum é “Prisoner of Our Time”, um heavy metal direto e repleto de riffs simples mas cativantes, rico em elementos com o potencial de transformar uma música aparentemente normal em um clássico. Os vocais agressivos de Rolf entoam letras juvenis, focando em um satanismo mais inocente, como nos primórdios do black metal, mas com um caráter maior de revolta contra a sociedade do que necessariamente de cunho ocultista.

Gates to Purgatory

O álbum seguinte, Branded and Exiled (1985), continuou em uma veia semelhante, mas com menos características “speed” e sem tantas composições de qualidade tão elevada. A primeira mudança de formação, uma constante na carreira do Running Wild, que acabaria por se tornar mais que qualquer coisa um projeto solo de Rolf Kasparek, ocorreu já aqui, com a entrada do guitarrista Majk Moti, substituindo Gerald “Preacher” Warnecke. Mesmo assim, músicas como “Mordor”, “Fight the Oppression” e “Marching to Die” mantiveram o nível do disco em alta. Under Jolly Roger, lançado em 1987, configurou um marco na carreira do grupo, trazendo sucesso e ajudando a realizar uma transição na sonoridade da banda, moldando-se cada vez mais ao nascente power metal (com alguns toques de hard rock), que seria explorado cada vez mais dali em diante e, tão importante quanto, firmando a imagem do grupo, que passou a abordar a temática pirata em suas letras, além de vestir-se como esses singradores dos oceanos. Clássicos do grupo como “Diamonds of the Black Chest”, “Merciless Game”, “Raw Ride” e a excelente faixa-título estão registradas nesse ótimo disco.

O Running Wild continuaria, entre mudanças na formação, em um caminho ainda mais bem sucedido, com outro álbum de qualidade, Port Royal (1988), o excelente Death or Glory (1989) e o bom Blazon Stone (1991). Pouco após o lançamento deste último, o grupo, na época composto por Axel Morgan (guitarra), Jens Becker (baixo) e Rüdiger “AC” Dreffein (bateria), além de Rolf, resolveu lançar sua primeira coletânea. No entanto, ao invés de fazer um apanhado de canções dos seus discos lançados anteriormente, a banda resolveu regravar diversas faixas de seus três primeiros álbuns, além de uma extraída de seu primeiro EP.

Branded and Exiled

A ideia a princípio era boa e privilegiava os fãs: ao invés de oferecer um lançamento sem novidade alguma, o qual seria adquirido pelos que já acompanhavam o Running Wild desde o início apenas para completar a coleção, o grupo viu no lançamento a oportunidade de registrar, com uma produção adequada à sonoridade e ao status mais elevado que o grupo havia atingido no início dos anos 90, ótimas canções que talvez merecessem uma revisitada.

É aqui que entram os conceitos que tentei explanar no início deste artigo, acerca das características que muitas vezes não são destacadas, mas sim atenuadas com o passar dos anos e o lançar de álbuns. Fica claro ao dar o play  em The First Years of Piracy que, já na primeira faixa, as mudanças não se resumem ao andamento levemente acelerado de “Under Jolly Roger” em relação à versão original. É claro que a voz de Rolf Kasparek sofreu uma evolução com o passar do tempo, tornando-se mais limpa e melódica, em contraste com a agressividade muitas vezes quase vociferada e carregada de raiva, expressa principalmente nos dois primeiros álbuns, mas isso não necessariamente significa que o vocalista soa melhor aqui. É necessário destacar também que, se o Running Wild buscava dar uma produção melhor à canção, não foi tão bem sucedido assim: nessa música, as guitarras soam mais magras e a bateria parece ter contado com uma captação ineficiente, configurando um ponto negativo.

Under Jolly Roger

Na faixa seguinte, “Branded and Exiled”, assim como nas outras gravações retiradas originalmente do álbum homônimo (“Fight the Oppression” e “Marching to Die”), é que residem os maiores méritos de The First Years of Piracy. Notadamente o álbum de menor destaque entre os primeiros lançamentos do grupo, aqui suas faixas receberam uma repaginada bem vinda. A leve acelerada no andamento das faixas e a execução um pouco mais melódica foi benéfica, oferecendo versões dignas das originais.

No entanto, quando se trata das músicas extraídas de Gates to Purgatory e do primeiro EP, a diferença negativa é facilmente palpável. Por mais que “Soldiers of Hell” e “Walpurgis Night” tenham recebido  guitarras muito mais “na cara” e um registro vocal notadamente mais nítido e melhor executado, é justamente na tosqueira que reside o maior “charme” do Running Wild em seus primórdios, compensada por execuções carregadas de gana e euforia juvenil, que transbordam dos sulcos do vinil. “Prisoner of Our Time”, favorita minha e de tantos outros fãs em toda a extensão da carreira do grupo, é a que dá mostras mais explícitas de que, às vezes, a expressão “menos é mais”, por mais batida que seja, está correta. A adição de velocidade, os intensos backing vocals em coro… nada disso contribuiu para tornar a canção efetivamente melhor do que já era. Fica claro que a garra e a pegada expressas na original não a tornaram um clássico absoluto à toa.

Running Wild em 1991: Rolf Kasparek (no alto), Rüdiger “AC” Dreffein, Axel Morgan e Jens Becker

Comentários semelhantes cabem às restantes, “Raise Your Fist”, “Raw Ride” e “Diamonds of the Black Chest”, extraídas de Under Jolly Roger, apesar de com menos intesidade, dado o fato desse álbum já ter contado com uma produção mais decente e ter marcado uma transição para a sonoridade que o Running Wild desenvolveria dali em diante. Cabe destacar como outro ponto negativo o excessivo volume da caixa da bateria, se sobrepondo ao resto do instrumental em alguns momentos, especialmente em “Diamonds of the Black Chest”.

A iniciativa da banda em regravar antigas músicas pode ter sido muito mais louvável do que simplesmente soltar uma coletânea habitual, mas ao se avaliar o trabalho em profundidade e tendo em mente a inevitável comparação com as versões originais, o Running Wild ficou devendo. Mesmo assim, The First Years of Piracy é digno de audições e não se configura em apenas mais um item para completar a coleção. Contudo, prefira adquirir primeiro os álbuns abrangidos na coletânea, em especial o magnífico Gates to Purgatory, certamente um marco no heavy metal alemão em todos os tempos, lado a lado de clássicos registrados por grupos como Accept, Scorpions, Kreator e Helloween.

Track list:

1. Under Jolly Roger
2. Branded and Exiled
3. Soldiers of Hell
4. Raise Your Fist
5. Walpurgis Night
6. Fight the Oppression
7. Marching to Die
8. Raw Ride
9. Diamonds of the Black Chest
10. Prisoner of Our Time

6 comentários sobre “Oops… I Did It Again: Running Wild – The First Years of Piracy [1991]

  1. Achei legal a banda. Parece fazer um som na linha do Manowar e talvez seja melhor – alguns dirão que isso não é muito difícil! xD
    Eu fiquei imaginando se, por exemplo, o Metallica regravasse as músicas dos 2 primeiros discos com aquele som limpinho dos álbuns posteriores.. Duvido que ficasse bom! Kill 'Em All é o melhor! õ/

  2. Lembro de quando peguei o Gates to Purgatory em vinil emprestado de um amigo lá no início dos anos 90. Ouvi muito a bolacha, gravei numa fita K7 e ouvi mais algumas várias vezes. Depois que entrei na faculdade acabei perdendo essa fita e nunca mais ouvi até recentemente adquirir o CD (que era do Jairo). E o tempo que fiquei sem ouví-lo, que foi mais ou menos 12 anos, não mudou o que sentia por ele. Eu lembrava até dos refrões…
    Certa vez até pensei em fazer um "Discos que Parece que só eu Gosto" para a Consultoria com esse disco. Ainda bem que não fiz, já que a abordagem do Diogo já cumpriu o papel de dar destaque à ele.
    Não me preocupo nem um pouco com a produção (ou a falta dela). Acho que isso se deve ao fato de que quando era adolescente eu não me preocupava com isso. Afinal não era raro ouvir fitas com gravações péssimas e mesmo assim adorar as músicas.

  3. KCarão: eu entendo a comparação com o Manowar, mas tendo escutado os álbuns de ambas, vejo diferenças bastante explícitas, mas um pouco difíceis de explanar. Considero o Manowar mais "marchado" que o Running Wild, apesar deste ser americano e o RW alemão.

    Bueno: "Gates to Purgatory" é um discaço! Excelente representante daquela ótima safra do metal alemão em meados dos anos 80, que ofereceu álbuns como "Pleasure to Kill" (Kreator), "Walls of Jericho" (Helloween) e "Eternal Devastation" (Destruction)… dane-se a produção… a fibra que transborda de todas as faixas é algo absurdo!

  4. Tô aqui para reforçar o que o Fernando e o Diogo disseram. A energia e o sabor de novidade na época do Gates to Purgatory superam qualquer produção "perfeita".

    E realmente o som da bateria era apenas o primeiro sinal de que as coisas iriam piorar, culminando com o uso de bateria eletrônica (cacilda, até o King Diamond fez essa cagada).

    Mas um parêntesis: à época, era comum sim chamar o Running Wild de power metal (e também um contemporâneo chamado Helloween…). Na verdade muito do que hoje conceituamos como thrash no início era confundido com o power, estilo considerado o mais radical e porrada que havia por volta de 84. O Caverna do Rio, em Botafogo, tinha a "sala power metal", onde todo mundo simplesmente batia a cabeça. E a Rock Brigade, já saindo do formato fanzine e virando revista, chamou o Running Wild de "Judas Priest power metal" – que é uma excelente comparação até hoje.

    O speed metal sobrava para outra erupção alemã: o imbatível trio Kreator – Destruction – Sodom.
    Esses sim hiper-acelerados e insanos.

    Ah, Fernando, você não está sozinho nas lembranças. Eu consegui guardar, meio que por sorte, meu vinil do "Branded" e a fita cassete com o "Gates"! Crucifixes are inversed!

  5. Nas minhas mudanças de Itapetininga para São Carlos, depois para Bauru, Pederneiras e, finalmente, Porto Velho eu acabei perdendo algumas coisas que até hoje me causam tristeza. Dentre essas perdas estão alguns vinis do Maiden que até agora não consefui comprar de novo….

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.