Datas Especiais: 40 Anos de Seven Churches

Por Mairon Machado
Uma das mais furiosas e pesadas bandas que já ouvi na minha vida é o Possessed (por favor, não confundir com o Possessed dos anos setenta, e que lançou o fantástico álbum Exploration de 1971, que já tratei aqui), e seu álbum de estreia, um marco mundial na indústria do Metal, completou ontem, 16 de outubro, simplesmente 40 anos. Trata-se do aclamando e fundamental Seven Churches. Lembro nitidamente quando conheci esse disco. Caraca, sabe quando algo te pega pelo pé e não desgruda mais? Na época eu tinha apenas 8 anos, meu irmão mais velho (supra citado em todos os textos que narram minha infância, nosso colega Micael Machado) estudava na cidade de Pelotas (lembrando que somos naturais de Pedro Osório, pequena cidade de 8 mil habitantes, localizada a 60 km de Pelotas, no sul do Rio Grande do Sul) e lá desenvolvia sua cultura musical (até então formada por A-ha, RPM, Legião Urbana, muito BRock, entre outras coisas oitentistas) adquirindo k7s de bandas como Iron Maiden, Sepultura e Metallica.
Dentre esses k7s chegou nas mãos dele um com uma capa amarela, cheia de coqueiros e contando no lado A com algumas músicas do … And Justice For All do Metallica e do outro lado uma barulheira infernal que não agradou meu irmão, mas que grudou em mim como chiclete no casaco. Óbvio, para quem tinha 8 anos, estava viciado em Led Zeppelin e Pink Floyd, aquilo foi um choque. Pauleira do início ao fim, solos rápidos de guitarra, uma voz demoníaca. Enfim, o Possessed surgiu para mim como um diabo pedindo sua alma, e eu vendi a minha por uma simples cópia daquele k7.
Formado em 1982 na Bay Area californiana, de onde também vieram Slayer, Exodus e Testament, o Possessed levou ao extremo o que o Venom já vinha pregando em álbuns como At War With Satan e Welcome to Hell. Ao lado do Slayer, o Possessed sagrou-se como uma das principais bandas no cenário thrash/death metal, arrebanhando fãs de diversas gerações e, principalmente, lançando ótimos trabalhos em uma curta carreira. O início do Possessed é um tanto quanto conturbado. No final dos anos setenta os garotos Mike Torrao (guitarra), Mike Sus (bateria) e Barry Fisk (voz) tocavam nas garagens de San Francisco, sendo que o som variava entre clássicos como Black Sabbath e até mesmo influências da NWOBHM. Diversos colegas e amigos passaram a tocar com o trio, dentre eles, Jeff Andrews (que veio a participar da fase inicial do Exodus), mas nunca com uma formação fixa, até que no final de 1983, sem nenhuma explicação, Barry Fisk cometeu suicídio na frente da casa de sua namorada, após o rompimento do relacionamento.

Torrao e Sus ficaram muito abalados com a morte do amigo, mas seguiram seus ensaios, chamando para substituir Fisk o vocalista da banda Blizzard, Jeff Becerra, que assumiu os vocais e o baixo e deu uma nova sonoridade para a banda, juntamente com a chegada de um segundo guitarrista, Brian Montana. Nos ensaios começaram a surgir sons cada vez mais demoníacos, influenciados principalmente pelo que o Venom estava fazendo. A banda já estava decidida a fazer um som para apavorar os ouvintes, além de abusar de blasfêmias, satanismo e muita loucura. Diversos nomes surgiram, até que Torrao sugeriu Possessed e, assim, o quarteto estava batizado.

Começam então a ensaiar e participar de shows, sendo que tornam-se a banda de abertura do Exodus em diversas ocasiões. Conseguem uma grana e em 1984 lançam sua primeira demo, chamada simplesmente Death Metal, a qual trazia três macabras músicas que se tornaram épicas na história do Possessed: “Death Metal”, “Evil Warriors” e “Burning in Hell”, além de batizar um novo gênero musical definitivamente, criando então um legado eterno.
Na mesma sessão gravaram “Fallen Angel”, que não foi lançada na versão original da demo. Com o k7 na mão e fazendo diversos shows, abrindo para nomes como Metallica e Exodus, logo chegam aos ouvidos do cabeça da Metal Blade Records, Brian Slagel, que convidou os garotos a participarem da compilação Metal Massacre. Sem muita resistência, o Possessed gravou “Swing of the Axe”, que foi a faixa de abertura da coletânea Metal Massacre VI. Após o lançamento de “Swing of the Axe”, Montana foi despedido devido à problemas musicais e de aparência (Montana seria “pouco satânico” na visão de Torrao), sendo substituído pelo também ex-Blizzard Larry Lalonde, formando então a clássica fase do grupo.

Com Lalonde a banda ganhou ainda mais em velocidade, e agora já faziam shows como atração principal pela região da Bay Area. Participam de mais uma compilação, Speed Kills I (1985), com a música “Pentagram”, e assinam um contrato com a Combat Records. Pouco antes do halloween de 1985, em 16 de outubro, lançam seu primeiro álbum, o chocante Seven Churches. Um álbum genial e assustador, a começar pela capa, totalmente negra, com uma cruz invertida em branco e com as letras da banda ardendo em fogo e escritas em alto relevo, sendo que do P sai um longo rabo de diabo. O nome “Seven Churches” surge em alto-relevo, totalmente em negro.
Cercado de clássicos do death metal, o disco abre com a vinheta de “The Exorcist”, de Mike Oldfield, que foi tocada nos teclados pelo produtor da banda, Randy Burns, dando espaço para a pauleira “The Exorcist”, do Possessed, como se dissessem “ISSO é uma música sobre exorcismo!“. As guitarras tomam contam das caixas de som, com a bateria quebrando tudo em um death super rápido. Os vocais de Becerra são sujos, na mesma linha de Cronos (Venom), e os riffs de guitarra, além de muito sujos, são rápidos e de dar medo. Temos o primeiro tema característico da canção, um riff que ficou para o death metal assim como o riff de “Paranoid” do Black Sabbath entrou para a história do heavy. Um hino venerado e amado por todos os seguidores do estilo.

O diabo em pessoa executa as palavras iniciais da poderosa “Pentagram”. Cheia de quebradas e mudanças de tempo, o destaque vai para as linhas de baixo e guitarra, com muito peso e variações. Além disso, os solos de guitarra também apresentam variações na melodia, mostrando que o Possessed não fazia só barulho, mas também tinha uma linha instrumental excelente. A insana guitarra de Torrao marca o riff de “Burning in Hell”, mais uma paulada de quebrar o pescoço. De novo o Possessed mostra suas garras em partes trabalhadas e quebradas. Os solos de guitarra são velozes demais, levando a uma parte mais pesada (acho que o Slayer se inspirou nessa passagem quando fez o álbum South of Heaven). A voz de Becerra parece sair das profundezas do inferno, e com a pauleira pegando novamente no encerramento da faixa.
Para quem pensa que vai descansar, “Evil Warriors” mantém a insanidade dos riffs velozes. A bateria rufa como martelos na cabeça, e Becerra está cada vez mais alucinado em frases como “Enslaved in forever torment, blood drips from your eyes“. Mais uma grande canção do thrash/death, com muito trabalho da cozinha baixo/bateria. O lado A encerra com outro clássico, a inquestionável “Seven Churches”. Para mim uma das melhores faixas no estilo, com um baita riff de introdução. A voz de Becerra está suja demais, agonizante nas caixas de som, e a linha de guitarras construída por Torrao e Lalonde é de tirar o fôlego. A sequência de notas no meio da faixa é incrivelmente rápida, e Becerra mostra que, além de um grande vocalista, é um baita baixista, pois acompanhar a velocidade das guitarras é algo muito complicado. Incrível que ele e Lalonde tinham apenas 16 anos quando criaram essa pérola. Nos solos, Torrao e Lalonde humilham as alavancas, destruindo as cordas em acordes agudos, com Becerra gritando ao mundo “Sacrifice to the sky, terror strikes, you will die“.

Depois de recuperar o pescoço, o lado B te leva a curvar-se perante o som do Possessed, começando com a fantástica “Satan’s Curse”, com a sua inconfundível introdução que é levada durante toda a faixa. A sequência de solos entre Lalonde e Torrao é cheia de palhetadas furiosas e muitas alavancas, retomando a pauleira inicial. “Holy Hell” é capaz de levantar os demônios sob a Terra. A entrada cheia de pegada da bateria e do baixo trazem os riffs sujos de Torrao e Lalonde, num ritmo mais cadenciado, onde os dois bumbos de Sus comandam toda a destruição em frases como “Satan’s child, he is born and to death he is sworn“. A capacidade de criar riffs da dupla Torrao/Lalonde é incrível, mostrando que o death metal não precisa ser somente levado como uma sequência de acordes e muita distorção. E com certeza, os riffs de “Holy Hell” estão entre os melhores da dupla.
O melhor ainda está por vir, com “Twisted Minds”, para mim a melhor canção do Possessed. A introdução somente com a guitarra é divina (ou melhor, diabólica), e os vocais de Becerra, com gritos mais que guturais entoando “revenge” me transformaram em um grande fã da banda. Essa foi a segunda música que ouvi dos caras (a primeira foi “The Exorcist”) e até hoje eu agito muito quando ouço as variações de baixo e guitarra que o trio encaixou no meio dela. A levada pesada de “Burning in Hell” aparece no primeiro solo de Torrao, devolvendo a pauleira da letra como uma raquetada quebra-saque. Além disso, os dois bumbos no segundo solo de Torrao são de fazer inveja, e claro, o peso que o Possessed emprega aqui realmente não tem como não se ajoelhar. Acho curioso que na fitinha citada, a música acabava no meio, e sempre fico na expectativa, ainda hoje, que ela irá acabar exatamente no segundo solo de Torrao, mas felizmente, isso não acontece mais

Por fim, duas músicas da fase inicial. A brutal “Fallen Angel”, com os sinos de igreja acompanhando os riffs de guitarra na introdução e com uma velocidade única, e o grande clássico que deu nome a um novo estilo dentro do metal, “Death Metal”, com a incrível entrada de Sus. Aliás, Sus é o destaque nessa faixa, mandando ver nos dois bumbos e na levada da caixa. Único, com um refrão inconfundível, cantado até os dias de hoje por todas as gerações de apreciadores do estilo. As guitarras estão bestiais, e o pique de Becerra vomitando a letra entre as viradas de baixo e bateria é de assustar. Um clássico dos infernos!
Como li uma vez em uma determinada resenha, Seven Churches não é para principiantes, apesar de eu ter sido um a ter entrado na iniciação do metal através desse demoníaco álbum. A partir dele, o nome Possessed virou símbolo de bestialidade, satanismo e, principalmente, de fúria, tanto no palco quanto no som. A banda causou um verdadeiro rebuliço na cena metal, consolidando o death metal como um novo gênero musical.

O nome Seven Churches se deu como um tributo as Sete Igrejas do Apocalipse (também conhecidas como Sete Congregações da Revelação), Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodicéia, as quais são citadas no Apocalipse da Bíblia como as sete igrejas (congregações) da Ásia Menor que devem se arrepender de seus pecados para poderem entrar no paraíso após o Apocalipse.
A banda partiu para uma longa excursão nos EUA, começando um novo trabalho e também buscando novas sonoridades, já que estavam sendo banidos de diversos locais justamente pela imagem satânica que carregavam. São atração principal na compilação Bullets Vol I (1986), tocando “Phantasm”, e com os novos sons, desta vez exatamente no halloween de 1986, lançam Beyond the Gates, mas isso é papo para uma futura (talvez) publicação. Hoje, mesmo com meus ouvidos “mais cansados” e sem apreciar tanto bandas com vocais guturais, consigo ouvir tranquilamente o aniversariante com o mesmo entusiasmo de quando era um moleque gordinho de apenas 8 anos, mostrando que grandes discos são atemporais.

Track list
1. The Exorcist
2. Pentagram
3. Burning in Hell
4. Evil Warriors
5. Seven Churches
6. Satan’s Curse
7. Holy Hell
8. Twisted Minds
9. Fallen Angel
10. Death Metal