Review Exclusivo: Glenn Hughes (Porto Alegre, 11 de Novembro de 2025)

Por Mairon Machado
“The Chosen Years, A Turnê De Despedida”, assim foi anunciada a mais recente tour de The Voice of Rock Glenn Hughes por nosso país, a qual começou ontem com uma excelente apresentação em Porto Alegre, e segue para mais quatro datas no Brasil (Belo Horizonte amanhã, dia 13, Rio, dia 14, Sampa, dia 16 e Curitiba, dia 18).
O exorbitante valor do Meet & Greet (169 dólares) me impediu o acesso a mais umas conversas com Hughes, as quais já tive em 2015 e 2018, mas graças a excelente organização da Abstratti, consegui presenciar esse momento que marca – quem sabe – a última vinda de Hughes ao Brasil. Na – até então – última passagem do britânico em terras brasilis, há dois anos, Glenn estava com problemas de saúde, sendo que o show de Porto Alegre foi considerado bem abaixo em termos de performance, e logo na sequência, o show de Curitiba teve que ser cancelado, por conta de uma gripe. Mas desta vez, a coisa foi diferente.

Cheguei ao tradicional Bar Opinião por volta das 15:30, e logo em seguida, tive a honra de recepcionar Glenn, que chegava para passar o som. Sempre um lorde, Glenn me atendeu com muito carinho e atenção (assim como fôra nas outras vezes em que pude conversar com ele), assinou meus discos, tirou fotos, e falou a frase que sempre diz aos fãs: “I love you guy, thank you”. Uma humildade impressionante, mas me chamou bastante atenção a fragilidade de Hughes. Ele desceu mancando da van, e estava perceptível que havia um desconforto na perna, ao mesmo tempo seus braços finos e o tamanho diminuto, longe do Glenn que vi há 7 anos pela última vez, e muito distante daquele ser encantador de mulheres e homens, com sua vasta cabeleira e peito aberto, dos anos 70. Sete anos depois de ter visto Hughes pela última vez, a idade bateu no velhinho. Mas, logo em seguida, deu para acompanhar a passagem de som, e perceber que a voz ainda está intacta, e que o show ia ser arrebatador.

Ainda deu tempo de trocar uma ideia com Rod Marenna, que também foi super atencioso e conversou comigo um bom tempo. Ele foi o responsável pela abertura da noite junto de sua banda Marenna, e não escondia a alegria de estar ali, fazendo o papel de mestre de cerimônias para um dos maiores nomes da história da música. Recentemente o grupo lançou o álbum ao vivo Ten Years After, comemorando os 10 anos da banda.
Em quase uma hora de uma excelente apresentação, o grupo formado por Rodrigo Marenna (voz), Edu Lersch (guitarra), Bife (baixo), Arthur Schavinski (bateria) e Luks Diesel (teclados) mandou ver em 8 canções, destacando as já clássicas “Never Surrender” (de No Regrets – 2016), “You Need To Believe” (de My Unconditional Faith – 2016) e “Had Enough” (do EP Pieces Of Tomorrow, de 2021), mostrando que não é a toa que o rapaz vem sendo elogiado no Brasil inteiro, sendo com certeza um dos principais nomes brasileiros do cenário hard/heavy metal nacional.
Um rápido detalhe adicional, muito importante para este que vos fala, é que passado um tempo pós-encontro com Hughes, encontrei meu amigo William Faria em um bar logo em frente ao local do show, e eis que quem estava lá curtindo umas Heineken? Nada mais nada menos que a banda de apoio de Hughes, Soren Andersen (guitarras) e Ash Sheehan (bateria). Os dois ali, de boas, curtindo uma ceva, e foram super atenciosos comigo, tirando foto, trocando uma ideia, e com Ash me prometendo a baqueta ao final do show – que ele realmente cumpriu. Valeu camaradas!


Voltando então ao show, uma rápida pausa para arrumar o palco e então, quando Hughes subiu ao palco, a sensação de nostalgia tomou conta. Mesmo sabendo que ele lançou Chosen, primeiro disco solo em 9 anos, agora em 2025, não há como negar que o cara fez sua fama nos anos 70, junto de Trapeze, Deep Purple e carreira solo.

Ao mesmo tempo, a turnê trouxe novidades não só dos gigantes citados e da carreira solo, mas também do projeto ao lado de Pat Thrall (Hughes/Thrall), da Black Country Communion e também do projeto Iommi/Hughes (ao lado de Tony Iommi). E sendo um show no formato trio que consagrou o Trapeze, certamente, me fez ainda mais faceiro por ver algo como as origens de Glenn para o sucesso.
O show começou com Hughes revisitando sua carreira solo, mandando ver com “Soul Mover” (do álbum de mesmo título, lançado em 2004), uma das melhores canções de sua carreira, e que já mostrava que a plateia que ocupava uma boa parte do Opinião estava ali realmente para curtir tudo o que viesse, cantando junto o refrão, seguida de “Muscle And Blood”, do trabalho com Pat Thrall, de 1982, e a ótima “Voice in My Head”, do recém lançado Chosen. Uma boa entrada, para realmente aquecer os fãs, na qual Hughes mostrava que mesmo mancando, está com a voz afiadíssima, mandando ver nos falsetes e vocalizes, bem como tocando baixo como se fosse um menino. O sorriso na face era algo notável, e tanto Soren como Ash simplesmente estavam em excelente noite.

Com o público aquecido, surge a primeira surpresa para mim, “One Last Soul”, registrada no álbum de estreia da Black Country Communion (de 2010). Juro que nunca esperei ouvir essa faixa ao vivo, e foi muito legal ver a plateia cantando junto. Veio “Can’t Stop the Flood” (Building the Machine – 2001) e “First Step of Love”, que me remeteram direto ao excelente ao vivo Soulfully: Live in the City of Angels (2002), um dos melhores ao vivo de todos os tempos, e que “First Step of Love” foi registrada primorosamente. Ver e ouvir ao vivaço uma das minhas músicas favoritas da carreira solo de Glenn, diante dos meus olhos, foi o primeiro momento de arrepio da noite. Mas ainda veio mais.
Hughes contou de como três garotos do norte da Inglaterra, adolescentes (ele, Mel Galley e Dave Holland), trabalharam duro para manter o Trapeze na ativa, sem dinheiro algum, e então, quando estavam tocando em Los Angeles, ele viu uma linda garota, a mais linda garota que ele já tinha visto na vida, dançando sensualmente ao som da Trapeze. Ao chegar de volta em casa, contou sobre a garota para a avó, que apenas lhe disse: “por que você não compõe uma música para ela?“, mandando ver em uma versão de quase dez minutos de “Way Back to the Bone”, do Trapeze (You Are The Music …We’re Just The Band – 1973), recheada de improvisos vocais. Sensacional! Mantendo a sequência Trapeze, o “primeiro amor de Glenn”, o músico contou que Mel ingressou no Whitesnake, e Dave entrou no Judas, ou seja, os caras que trabalharam duro, viviam nas casas de seus pais, ganharam na vida, e então veio “Medusa” (do álbum homônimo de 1972), também com quase 10 anos. Linda faixa, linda apresentação, emocionante audição! O que Glenn fez com os vocais foi digno de aplausos até por seus colegas de banda. Aqui eu já estava arrebatado totalmente.
Para fechar as surpresas, veio a música “composta com meu irmão, o cara que como pode ser tão calmo e ser o mais fodido criador de riffs de todos os tempos no metal? Tony Iommi“, e assim mandar ver nas fantásticas e pesadíssimas “Grace/Dopamine” (de Fused, 2005), outras que nunca imaginei ouvir ao vivo, e que me fez ficar viajando de como seria bom ver uma turnê de despedida do Iommi com Glenn e Tony Martin dividindo o palco. Foi o momento para ver também que Hughes está tocando baixo muito, mas muito bem, ensinando muito guri por aí que acha que faz música.

Veio a faixa-título do mais recente álbum e, para surpresa de todos (já que não estava no set list espalhado pela internet até então), Hughes disse que “a próxima música nós não estávamos tocando, mas eu não posso não tocar ela para vocês“, e assim detonar com 15 minutos de “Mistreated”. Simplesmente de chorar, e não preciso dizer mais nada! A apresentação encerra-se com “Stay Free” (de V, lançado pela Black Country Communion em 2024), outra baita surpresa, e que desta feita me fez viajar em “por que não ver a BCC aqui no Brasil ano que vem?”, e sobre muitos aplausous, Hughes volta para Bis.
Aqui, sozinho ao violão, ele faz uma emocionante interpretação de “Coast to Coast” (registrada pelo Trapeze no You Are The Music …We’re Just The Band), fantástica, para então Ash e Soren voltar ao palco e trazerem mais uma surpresa, “Black Country”, outra do álbum de estreia da BCC, e que aí sim, me fez querer mesmo ver os caras ao vivo. Para fechar a noite, “Burn” foi entoada a plenos pulmões por todos os presentes no local, e assim, chegarmos ao momento mais tocante do show, quando Hughes anunciou seus colegas de banda, e então, visivelmente emocionado, falou que “nunca esquecerei vocês, carregarei isso em meu corpo até os últimos dias de minha vida“, com a voz totalmente cheia de emoção, segurando para não chorar, despedindo-se assim de seus fãs claramente prestes a cair em lágrimas.


Tomara que Glenn continue ao menos lançando discos regulares. Pelo que se viu no palco do Opinião, voz ele tem para manter sua carreira, e, caso tenha forças, que volte novamente para Porto Alegre o mais breve possível. Sua ausência com certeza será muito sentida nos palcos não só da capital gaúcha, mas do mundo inteiro, e que honra para mim poder, mais uma vez, ter visto, ouvido, e ainda receber das mãos de Hughes sua palheta (e sim, Ash me deu a baqueta ao final do show).

PS 1: Quero aqui agradecer imensamente ao Homero e a produtora Abstratti por ter me colocado no show! Não à toa vocês são a melhor agência de shows do Rio Grande do Sul, e com certeza, uma das melhores do país.
PS 2: E não é que no pós-show, eu e meu irmão Micael vamos comer um Xis no tradicional Speed e quem aparece por lá? A banda Marenna, justamente para matar a saudade do melhor lanche de Porto Alegre. Os caras foram super simpáticos, deram muitas risadas no pouco tempo que conversamos e, para variar, mais uma (s) foto (s) garantida (s)! Valeu Marenna, sucesso para vocês!

Set list
- Soul Mover
- Muscle and Blood
- Voice in My Head
- One Last Soul
- Can’t Stop the Flood
- First Step of Love
- Way Back to the Bone
- Medusa
- Grace / Dopamine
- Chosen
- You Are the Music
- Mistreated
- Stay Free
Encore:
13. Coast to Coast
14. Black Country
15. Burn



Foi a quinta vez que assisti Hughes ao vivo, e foi uma das melhores performances do cara, tanto na parte vocal quanto na instrumental (que porrada o timbre que ele tirou daquele baixo, nossa)! O cara parecia sinceramente emocionado em estar ali, dizendo a todo instante o quanto nos amava, amava o Brasil e amava a vida, e que queria provar esse amor para nós, como se fosse necessário ou se não soubéssemos disso. Não sei por que, mas me passou uma sensação de “fim de festa”, não algo triste de uma festa que já não tem mais sentido e vai acabando melancolicamente, mas uma celebração de uma carreira com tantos percalços, mas que, já algumas décadas, foi e tem sido bastante existosa… Quando, a certa altura do show, Glenn disse que “Chosen” era seu último disco, cheguei a temer que ele fosse anunciar sua aposentadoria ou algo assim, mas ele logo explicou que era seu último disco “de rock”, e que não iria parar de gravar, só que seriam coisas “diferentes” (“não se preocupem que não vou passar a gravar country music”, ainda falou)… aguardemos para ver os rumos que ele tomará em sua carreira…
Um detalhe que o Mairon esqueceu (ou não quis mencionar, não sei), é que a banda tocou com equipamentos emprestados (desde os instrumentos aos amplificadores, pedais e tudo mais), pois, segundo Glenn, o equipamento da banda ficou retido nos EUA e não chegou a tempo no Brasil, sendo feito, então (ao que parece, na última hora e “na correria”), uma corrida contra o tempo para arrecadar material com os “diversos amigos músicos que temos aqui em Porto Alegre”, como Glenn bem resumiu. Para mim, foi mais uma prova da humildade dessa verdadeira lenda do rock, pois, enquanto muito artista menor e mais metido (e sem um quinto da história de Hughes na música) se recusa a fazer show por motivos muito mais banais, o cara vai lá e entrega duas horas de um showzaço espetacular com equipamentos aos quais não está acostumado, e sem muito tempo para adaptações (quem já tocou, mesmo de forma amadora, em alguma apresentação em público, sabe o quanto é difícil encarar uma situação dessas). Parabéns a Glenn e banda pela atitude, e longa vida à grande Voice of Rock, Mr. Glenn Hughes!
P.S.: só um detalhe no texto, que passou pela revisão: “Medusa” não durou “quase dez anos”, mas “quase dez minutos”… só para esclarecer, hehehehe…