Maravilhas do Mundo Prog: Mutantes – Mutantes e Seus Cometas no País dos Baurets [1972]

Maravilhas do Mundo Prog: Mutantes – Mutantes e Seus Cometas no País dos Baurets [1972]

Por Mairon Machado

Sem sombra de dúvidas, uma das maiores bandas do rock progressivo nacional foi o Mutantes de Sérgio Dias, que teve suas origens a partir de 1973 com a saída da eterna Tia do Rock Rita Lee. Em dois álbuns na década de 70 (Tudo Foi Feito Pelo Sol – 1974, e Ao Vivo – 1976) e o lançamento de uma obra inédita em 1992 (O A E O Z, gravado originalmente em 1973), o grupo fincou sua bandeira como um expoente do estilo no país, fazendo grandes shows e auxiliando no alavancamento de nomes como Terreno Baldio, O Terço, entre outros.

Mas engana-se quem pensa que a banda viveu do progressivo somente pós-Rita Lee. Aqui mesmo já mostramos a Maravilhosa “Mande Um Abraço Pra Velha”, lançada em um compacto que levou o grupo para participar do VII Festival Internacional da Canção em 1972, e que faz jus a uma das maiores Maravilhas da música mundial. Naquele texto, contei um pouco da história da banda desde suas origens até 1972, complementando o Podcast dedicado ao grupo.

Dinho Leme, Arnaldo Baptista, Rita Lee, Sérgio Dias e Liminha

O que poucos se dão de conta que meses antes, a primeira Maravilha Prog feita pelo quinteto Rita Lee (flauta, vocais, teremim, percussão), Sérgio Dias (guitarra, vocais, cítara), Arnaldo Baptista (teclados, órgão, moog, vocais), Liminha (baixo) e Dinho Leme (bateria) já havia sido concebida.

As experimentações com o rock progressivo haviam começado em 1971, com o álbum Jardim Elétrico. Ali, “Technicolor” já dava sinais dos novos caminhos que o quinteto iria seguir. Claramente, o grupo vinha com uma pegada bastante diferente em relação aos seus três álbuns antecessores (Os Mutantes – 1968; Mutantes – 1969; A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado – 1970). Se antes, a fanfarra e as orquestrações do maestro Rogério Duprat eram dominantes, em Jardim Elétrico a banda começava a se apresentar como banda, fruto de uma soberana passagem pela Europa ainda em 1970, que culminou com a gravação do álbum Technicolor (lançado somente em 2000) e o contato com toda a cena progressiva que começava a surgir com força pela terra do Velho Mundo.

Capa dupla da versão original em vinil

Na volta ao Brasil, o grupo migrou para a serra da Cantareira, vivendo como uma comunidade a base de ácidos, ervas e música (não nessa ordem). Com o passar do tempo na Cantareira, os Mutantes começaram a compor novas canções, registradas no quinto e mais controverso álbum da banda, Mutantes e seus Cometas no País dos Baurets, lançado em maio de 1972. O álbum já começou a ter problemas de cara com a censura, que podou a faixa “Cabeludo Patriota”, a qual teve o nome alterado para “A Hora e a Vez do Cabelo Nascer”. Além disso, mostra os Mutantes influenciados diretamente por Yes e Pink Floyd.

O rokzão “Posso Perder Minha Mulher, Minha Mãe, Desde Que Eu Tenha o Meu Rock ‘N’ Roll”, cantada por Arnaldo, abre o álbum, lembrando muito as primeiras canções da banda. Segue “Vida de Cachorro”, onde Rita está mais sensual do que nunca com sua voz. “Dune Buggy”, outra cantada por Arnaldo, traz o mesmo pilotando um moog que havia adquirido há algum tempo. “Cantor de Mambo”, também com Arnaldo, é um mambozão mesmo, tentando seguir a linha de “El Justiciero” em canções latino-americanas, e com uma letra tão sacana quanto. “Beijo Exagerado” é outro rockzão de primeira e “Todo Mundo Pastou” encerra o lado A debochando de todos aqueles que criticavam a banda, ou seja, vai todo mundo pastar.

O lado B já abre com mais uma clássica, “Balada do Louco”. Considerada por muitos a obra-prima de Arnaldo, essa canção virou símbolo dos estudantes e músicos contra a ditadura brasileira. Uma pérola que com certeza deve estar entre as melhores letras da música brasileira. Mais um “metal” surge em nossos ouvidos, agora com “A Hora e a Vez do Cabelo Nascer”, que viria a ser regravada anos depois pelo Sepultura no álbum Sanguinho Novo. “Rua Augusta”, de Hervé Cordovil, é uma versão debochada para o clássico da pompeia paulistana, famosa na voz de Celly Campello.

Dinho Leme, Rita Lee, Arnaldo Baptista, Liminha e Sérgio Dias

Então, chegamos na Maravilha de hoje, “Mutantes e seus Cometas no País dos Baurets”. Com seus mais de dez minutos de muita doideira, a faixa abre com o longo solo de órgão de Arnaldo, como um “Fantasma da Ópera”, preenchendo lenta e agonizantemente os canais do ouvinte. A guitarra de Serginho surge, soltando agudos cavernosos entre acordes agressivos do órgão, e então, após uma barulheira infernal do órgão, baixo, guitarra e órgão começam um riff massacrante, que é o riff principal da canção, junto da bateria e do baixo. Aqui já se passaram dois minutos da nossa Maravilha, e estamos aflitos para saber o que virá.

O baixo de Liminha passa a solar sobre uma base macabra, junto a percussão de Dinho. Arnaldo pisoteia os pedais de seu moog e do órgão, solando magistralmente sobre a base de baixo e percussão, encerrando a série de solos de Arnaldo com a repetição de oito vezes de uma série de notas entre baixo e órgão.

“Mutantes e Seus Cometas no País dos Baurets” muda totalmente a partir disso, virando um jazz agitado e inimaginável, mas não para o quinteto, abrindo com um mais um grande solo de órgão, deste que é um dos mais injustiçados tecladistas nas listas referentes aos músicos que tocam esse instrumento. As escalas velozes e o ataque as teclas é o principal mérito do breve solo de órgão, e então é a vez de Sérgio relembrar o velho Slam Stewart, solando sua guitarra e acompanhando o solo com a voz. O solo começa devagar e vai pegando força, até o guitarrista despejar potência no wah-wah, imitando cada nota com uma vocalização acima do perfeito, e não há nada a ser dito para isso do que FENOMENAL em letras garrafais!

Arnaldo Baptista

Após a magnífica participação de Serginho, a música começa a viajar, com Arnaldo mais uma vez destruindo no órgão, viajando com barulhos sinistros sobre a mesma base macabra que havíamos ouvido anteriormente, e também com a guitarra de Sérgio fazendo seus delírios musicais. O êxtase é atingido com a entrada de um órgão de igreja, de forma muito amena, e então Sérgio, Rita e Arnaldo passam a entoar a letra de “Tempo no Tempo”, versão da banda para “Once Was a Time I Thought” (The Mamas & The Papas), que foi registrada no primeiro álbum do grupo, Os Mutantes.

O riff principal retorna assustadoramente, intercalado por passagens de órgão, e a Maravilha de hoje é concluída com um furioso solo de guitarra e muito barulho, em um dos melhores orgasmos musicais que o rock progressivo brasileiro já forneceu para seu ouvinte.

Capa dupla interna da versão original em LP

Ainda temos mais uma versão para “Todo Mundo Pastou”, e Mutantes e Seus Cometas no País dos Baurets encerra-se com uma inquestionável qualidade que vem sendo descoberta ano após ano por novos e velhos fãs do grupo.

O título possui duplo sentido. Inicialmente, ele parece ser uma paródia para Bill Haley and his Comets, onde a gíria “bauretz” significa algo como um “barato”. Porém, a outra interpretação é aquela referente a “baura”, apelido carinhoso para maconha. A capa-dupla da edição original apresenta uma linda pintura na capa interna, obra do artista plástico Alan Voss, que tentou transferir para o desenho o significado da palavra Mutante. Posteriormente, os relançamentos apresentaram a capa somente no formato simples.

O grupo começou a promover o álbum com uma apresentação no famoso Teatro do Tuca (teatro da Universidade Católica) . Depois disso, e de muitas experimentações na Serra da Cantareira, decidem se embrenhar em uma turnê pelas cidades do interior de São Paulo, munidos de seus instrumentos e de um ônibus. Esses shows, a maioria ao ar livre, começaram em Guararema, onde foram tiradas as fotos que aparecem no segundo álbum solo de Rita, Hoje É O Primeiro Dia do Resto da Sua Vida, lançado também em 1972 e contendo a Maravilhosa “Superfície do Planeta”, e depois, passou mais algumas cidades.

Algumas semanas após a turnê, Rita foi tirar férias na Inglaterra, onde conheceu o músico Ritchie. Os dois formaram uma grande amizade, com Ritchie vindo morar no Brasil, tornando-se famoso primeiro formando a Vímada, e depois, com o mega-sucesso “Menina Veneno”. A gravadora Polygram exigiu o segundo lançamento solo de Rita, o já citado Hoje É O Primeiro Dia do Resto de Suas Vidas, gravado com os demais Mutantes, mas o clima entre o quinteto não era o mesmo.

17.09.1972 – Eurico Dantas – VII Festival Internacional da Canção. Os Mutantes cantando a música “Mande um abraço pra velha” no festival.

Em 17 de setembro de 1972, no VII Festival Internacional da Canção, o mesmo que revelou O Terço e Raul Seixas aos brasileiros, ocorre a última participação de Rita com os Mutantes, através da Maravilhosa “Mande Um Abraço Pra Velha” citada no início do texto.

Rita saiu (foi despedida?) e montou parceria com a guitarrista Lúcia Turnbull, registrando posteriormente seu terceiro álbum solo, Atrás do Porto … Tem Uma Cidade, além de criar uma briga interminável com Arnaldo (seu ex-marido) e Sérgio. Os detalhes dessa briga são desnecessários, até por que cada um tem seu ponto de vista sobre o que aconteceu, e as injúrias permanecem até os dias de hoje.

Voltando para a música, os Mutantes seguiram como um quarteto, registrando em 1973 o álbum duplo O A E O Z, que acabou sendo recusado pela gravadora da banda. Arnaldo saiu e foi lançar Lóki!?, um dos melhores discos da história da música, também em 1974, e sobrou para Sérgio Dias seguir com o grupo em ação, reformulando a banda e ainda, em 1974, lançando mais uma Maravilha Prog, como veremos daqui um mês por aqui.

3 comentários sobre “Maravilhas do Mundo Prog: Mutantes – Mutantes e Seus Cometas no País dos Baurets [1972]

  1. Realmente, uma pena as coisas terem desandado entre a Rita Lee e o Arnaldo Baptista, pois se ele tivesse sacado que a banda poderia seguir por caminhos também apontados por ela, certamente teríamos hoje uma discografia de uma banda no mesmo patamar das gringas. Por outro lado, teríamos sido privados dos discos maravilhosos que ela produziu na força do ódio e da tristeza por ter sido rejeitada. Qual das duas histórias teria nos rendido mais obras-primas? A que conhecemos ou a imaginada?
    De qualquer forma, ótimo texto, Mairon, sobre os Mutantes progressivos já com a Rita.

  2. Valeu Marcelo. Eu penso que o que aconteceu foi o ideal. Rita quis o sucesso e o conquistou, os Mutantes quiseram o prog e foram os maiores em sua época. O que lamento é que poucos registros oficiais do período sem Rita existem, e fora que a imprensa nacional faz questão de menosprezar a arte criada pelo grupo entre 1973 e 1978. Sergio Dias foi um guerreiro em manter o grupo ligado nos anos 70, ok, totalmente longe de ser o que era com Rita, mas com uma qualidade técnica e musical de fazer frente aos gigantes britânicos. O preconceito é enorme com Tudo Foi Feito Pelo Sol e O A E O Z, e Ao Vivo, mesmo sendo um bom disco, deveria ter saído no formato duplo. Veremos o que virá mais adiante Marcelo, espero que goste

    1. Acho que esse é o ponto, não termos muita coisa registrada, gravada e comentada dessa fase progressiva dos Mutantes…

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