Ouve Isso Aqui: 1975 por Fernando Bueno

Com André Kaminski, Daniel Benedetti, Davi Pascale, Mairon Machado, Marcelo Freire e Marcello Zapelini
É incrível que, depois de tantas listas que já fizemos, inclusive para o ano de 1975, Melhores de Todos os Tempos, Aqueles Que Faltaram e as listas individuais apresentadas pela Consultoria nesse aniversário de 50 anos desses discos, ainda consegui pinçar discos tão fantásticos que não haviam sido abordados. Todos esses discos, embora de estilos diferentes, têm um ponto em comum: representam momentos de afirmação artística e de consolidação de identidade dessas bandas e artistas em meados dos anos 70. O Gentle Giant, Hatfield and the North e Renaissance exploram o lado sofisticado do rock progressivo, cada um em vertentes distintas. Já os Scorpions, Kiss e Tommy Bolin trazem a face mais direta do rock setentista, seja no hard rock incendiário, no espetáculo ao vivo ou na fusão experimental de estilos. Todos esses álbuns traduzem, cada um à sua maneira, o auge da criatividade dos anos 70.
Gentle Giant – Free Hand
Fernando: Sempre quando você ouvir alguma banda fazer referência à alguma coisa do Gentle Giant, provavelmente você vai encontrar a ideia original nesse disco. Um dos ápices da complexidade criativa do Gentle Giant, virtuosismo na veia, instrumental com melodias acessíveis e vocais com as famosas polifonias tão características da banda. Muita influência de música medieval e ritmos quebrados. Particularmente não é meu preferido do Gentle Giant (o posto vai para o Octopus, de 1972), mas poderia ser.
André: Banda conhecida por aquela musicalidade meio louca e excêntrica, eu sempre tive apreço por eles que se utilizan fartamente destas quebras de ritmos e progressão incomum. Quando bem dosada, fica bem legal como em Octopus [1972]. Mas acho que neste disco eles decerto pensaram que a galera gostava muito e decidiu dar “ainda mais” quebras e viagens. E aí erraram um pouco a mão. Curiosamente, as últimas 3 canções são bem diferentes, usando de mais melodia e ritmos mais calmos. Muita gente não curtiu essa parte mais serena, eu pelo contrário, até gostei mais do que as conhecidas viagens deles. Certeza que a inspiração para as 3 últimas faixas foi o Pink Floyd. O resultado ficou a altura deles. No geral, bom disco, com minha preferência ao Lado B mais do que o A.
Daniel: Embora meu álbum preferido do grupo seja Octopus, Free Hand também está em alta conta comigo. Percebo certa acessibilidade na sonoridade do grupo neste trabalho, com menos momentos mais complexos e intrincados, como em obras anteriores. Entretanto, as influências folk e as medievais permanecem firmes e o som do grupo sempre soa sofisticado. “On Reflection” é sensacional! Excelente indicação.
Davi: Algo muito bacana dessa série é que ela nos força a reescutar álbuns que não ouvíamos há um bom tempo e, com isso, acabamos redescobrindo algumas pérolas, como é o caso desse disco. O Gentle Giant apresentava aqui um som que era, ao mesmo tempo, complexo e melódico. Boa parte desse lado melódico era culpa do ótimo trabalho vocal que realizavam. Uma performance que gosto muito é a abertura de “On Reflection”, onde eles exploram o tão falado vocal polifônico, uma das marcas do grupo. “Just The Same”, responsável por abrir o disco, traz uma sonoridade um pouco mais acessível e pode ser uma interessante porta de entrada para quem nunca ouviu nada da banda. O único ponto baixo acredito que seja a instrumental “Talybont”, onde os músicos usam e abusam de uma influência mais medieval, digamos. Nada contra (inclusive, acho que eles utilizaram essa mesma referência com mais inteligência em “Mobile”), mas essa é uma faixa não me empolga. O restante do disco é excelente!
Mairon: Porra Fernando, esta tua lista “roubou” vários discos da minha. O Gentle Giant é um dos grandes nomes esquecidos do progressivo britânico. Apesar de ter seu reconhecimento, sempre vejo a galera os colocando abaixo de Pink Floyd, Yes, Genesis, ELP e King Crimson. Pois acho que os Cinco Grandes do Prog Britânico deveriam ter o gigante gentil entre eles (assim como o VDGG), e muito por que os caras criaram discos espetaculares como esse. Em 1975 o quinteto estava no auge de sua forma, tinham encontrado finalmente o caminho a seguir, após os excelentes Octopus, In A Glass House e The Power And The Glory, e fazem de Free Hand uma espécie de coletânea musical de tudo o que haviam feito até então. “Just the Same”, faixa que abre o disco, é uma pequena amostra do que é o som do grupo, com diversas variações, o tecladista Kerry Minnear fazendo misérias, e uma intrincação musical que qualquer estudante de arte fica enlouquecido tentando decifrar o que está acontecendo. O mesmo segue em “On Reflection”, uma complexa peça musical com um trabalho vocal exímio e perfeito, transformado instrumentalmente em algo tão complexo quanto as linhas vocais da primeira parte da canção (e que os caras reproduziam fielmente ao vivo) e “His Last Voyage”, onde Minnear nos brinda com o Vibraphone, e as nuances musicais de violão, baixo e piano, acompanhando os vocais, são lindíssimas. Curto muito o peso e os teclados da faixa-título, também presentes na ótima “Mobile”, com nuances renascentistas através do violino de Ray Shulman. Destaque especial para a instrumental “Talybont”, lindíssima e de nuances brilhantes através da repetição da melodia central em diversos instrumentos. Fantástica! Ouvir essas músicas ao vivo (bem como ver) é um teste de fôlego para quem quer entender o que era o progressivo de verdade, com músicos incríveis fazendo um trabalho incrível. Comento mais sobre este disco aqui.
Marcelo: A marca registrada do Gentle Giant está em nunca facilitar para o ouvinte — e Free Hand talvez seja um ótimo exemplo desse espírito. É um disco que exige entrega, como quem resolve decifrar um quebra-cabeça musical, em que cada peça é ao mesmo tempo barroca e progressiva, clássica e roqueira, mas, ao mesmo tempo em que se trata de um disco ambicioso, com muitas coisas acontecendo em termos sonoros em cada uma das faixas, a sua audição é agradável e flui sem que tenhamos que nos esforçar muito para isso. Ao ouvi-lo depois de tantos anos sem revisitá-lo (obrigado por isso, Fernando), me veio à mente a seguinte reflexão: e se esse disco fosse lançado hoje? Sinto muita falta dessa época na qual 1975 parece ter sido o topo da montanha, já que os anos 70 foram um renascimento para a música. A indústria não se interessava tanto por bandas padronizadas e era mais aberta à experimentação. Que época para se estar vivo, pelo menos para músicos e para apaixonados por música! Lançado em julho de 1975, é o último álbum da banda a alcançar sucesso expressivo nos EUA, e soa como se o grupo estivesse em perfeita harmonia criativa — e é impossível deixar de lado a participação de um dos músicos mais subestimados do rock, o recém-falecido baixista Ray Schulman, que às vezes soa mais como o também já falecido e grande Chris Squire do que o próprio Chris Squire. Aqui, a complexidade nunca engole a emoção: “On Reflection”, por exemplo, é quase um coral renascentista reinventado no meio do rock progressivo. Meu destaque: a faixa-título, que sintetiza a virtuosidade e a ousadia da banda em pouco mais de seis minutos.
Marcello: No final dos anos 80 consegui pela primeira vez comprar LPs do Gentle Giant (usados, é claro), e este foi adquirido junto com Interview. Discaço!! A banda vinha lançando álbuns conceituais, como Three Friends (sobre três amigos que tomam rumos diferentes na vida), The Power and the Glory (o disco político) e In a Glass House, em que a prisão se tornava uma metáfora. Mas este parece não ter nenhum fio condutor; não fez falta. A incrível musicalidade de Derek e Ray Shulman, Kerry Minear, Gary Green e John Weathers conduz sete faixas extremamente interessantes, começando com “Just the Same” e seu ritmo intrincado, até terminar em “Mobile”. Os arranjos vocais absurdamente complexos da banda atingem seu apogeu com “On Reflection”, a habilidade incomum dos músicos impera na instrumental “Tallybont” e “His Last Voyage” traz o vocal comovente de Kerry Minear numa triste história sobre um pescador que morre no mar. Ainda há a paulada da faixa-título e “Time to Kill” (a única que não chama a atenção). Um dos discos maravilhosos que essa banda subestimada gravou na década de 70, Free Hand é um testemunho de um tempo que nunca mais vai voltar. Obrigado por relembrá-lo, Fernando!
Hatfield and the North – The Rotter’s Club
Fernando: Clássico do movimento de Canterbury, trazendo humor, ironia e experimentação sofisticada. Eu tinha ouvido alguma coisa da banda e depois que li o livro The Rotter’s Club do autor Jonathan Coe, em que seu protagonista é um entusiasta dessa banda, acabei criando uma relação legal com esse disco. As composições são intrincadas, mas leves, com uma atmosfera quase jazzística que torna o disco peculiar e de difícil digestão numa primeira vez.
André: Gosto bastante dessas bandas de Canterbury e esta é uma de minhas favoritas. Apenas dois discos e muito bons nesta mistura de jazz e rock progressivo com letras recheadas daquele típico humor inglês. The Rotter’s Club é indispensável para quem ama progressivo setentista e quiser curtir aquele som positivamente datado.
Daniel: De toda a lista, é o único que não tenho e nunca havia ouvido. Sendo um álbum da cena de Canterbury, não deu outra, agradou-me bastante. Progressivo com influências folk e psicodélica, as quais eu curto muito, além de toques de jazz e com longas passagens instrumentais… enfim, tudo de que eu gosto bastante
Davi: Essa é uma banda que nunca tinha ouvido falar. Tudo bem… Conheço um pouco do que o Richard Sinclair aprontou ao lado do Camel e do Caravan, mas esse projeto eu, de fato, não conhecia. A jogada dos caras era fazer um som progressivo com uma forte aproximação do jazz. A maior parte do álbum é instrumental e os arranjos ajudam a enfatizar a qualidade técnica dos músicos (indiscutivelmente, todos os músicos presentes aqui são de alto calibre), mas esse é o tipo de som que não me agrada. Independente da qualidade do material, achei o álbum um pouco cansativo. Não me fisgou.
Mairon: Desta lista do Fernando, este álbum é o que menos tive contato, até por ser um disco “mais fora do eixo” dos demais. A cena de Canterbury tem vários achados, e na obra de Richard Sinclair, a Hatfield and the North é um dos grandes momentos. Sinclair é um músico tarimbado, e que criou obras seminais em sua carreira como baixista. Seja no Caravan, seja no Camel, seja com o timaço que ele monta aqui, não tem erro. É inegável que o auge do disco e a suíte “Mumps” e suas 4 partes que ocupam todo o lado B, mostrando toda a versatilidade dos caras, e é aqui que o Hatfield and the North me ganha. A versatilidade, que vem também em faixas como “The No Yes Interlude”, com um show a parte do tecladista Dave Stewart, outra fera fantástica, ou as explorações dos sintetizadores de “Didn’t Matter Anyway”, faixa veloz e bem distinta das demais do disco. Temos também “Share It”, que me lembram um pouco o King Crimson fase Islands, mas com certas pitadas mais ousadas de experimentação instrumental. Adoro essa mistura de jazz, progressivo e folk que a cena de Canterbury entrega, e que fica sobressaliente em “Fitter Stoke Has a Bath”, e as surpresas que surgem ao longo da audição. Afinal, “Underdub” é quase um sambão feito pela galera do Azymuth, mas com todo o gingado de Canterbury. Para fechar, aprecie a brilhante guitarra de Phil Miller em “Lounging There Trying”, uma linda peça onde o (mais um) injustiçado Miller mostra como solar limpo, sem distorções, e ainda ser virtuose e monumental. Belíssima indicação!
Marcelo: Se o Gentle Giant complica, o Hatfield ironiza; se o Gentle Giant te convida para uma sessão com Haydn e Telemann, Hatfield chama Wayne Shorter e Billy Cobham. O chamado Canterbury Sound encontra nesse álbum um de seus tesouros: jazz, rock, humor e poesia em doses quase improváveis. The Rotter’s Club é o segundo e último disco da banda, e é daqueles trabalhos que parecem não se preocupar em agradar ninguém além dos próprios músicos — o que, paradoxalmente, o torna ainda mais fascinante. Dentre esses músicos, o fabuloso e também já falecido guitarrista Phil Miller, que era bom tanto para quem curte rock como para quem curte jazz. O ouvinte é convidado a se perder em improvisos, mudanças de tempo e melodias que surgem e desaparecem como nuvens; se você curte jazz, free jazz e fusion, estará em casa. Não é um disco que eu escolha para sentar e ouvi-lo inteiro com muita frequência (na verdade, raramente o ouço), mas não deixa de ser uma escolha boa. Meu destaque: “Mumps”, a suíte de quase 20 minutos que encerra o disco, uma viagem altamente influenciada pelo Yes e pelo Renaissance que sintetiza a liberdade criativa do Canterbury Sound.
Marcello: Ah, o prog de Canterbury… Dificilmente o povo de lá decepciona, e o Hatfield and the North não é exceção. O grupo era formado por Richard Sinclair (baixo, vocal), Dave Stewart (teclados), Phil Miller (guitarra) e Pip Pyle (bateria), e seu som era aquela mescla de jazz, erudito, psicodelia e rock típico da região. “Share It” abre (muito bem) o disco, com o sintetizador de Stewart em destaque. A instrumental “Lounging There Trying” começa jogando os refletores na guitarra do ótimo Miller, e na sequência, temos duas pequenas vinhetas com títulos bizarros. “The Yes No Interlude” traz metais de Jimmy Hastings, Lindsay Cooper e Tim Hodgskin (o primeiro um arroz-de-festa em Canterbury, os outros dois integrantes do Henry Cow), numa música que parece um pouco com King Crimson do início (inclusive pelo solo de Miller, que lembra os do Fripp), apesar dos teclados proeminentes. “Fitter Stoke Has a Bath” traz o belo vocal de Sinclair de volta, e o lado A se encerrava com “Didn’t it Matter Anyway”, em que o baixista tocou uma segunda guitarra. Outra instrumental, “Underdub”, prepara o caminho para a suíte “Mumps”, escrita por Stewart e com quatro partes que duram mais de 20 minutos numa longa viagem quase inteiramente instrumental (apenas “Lumps” tem Sinclair cantando e alguns wordless vocals femininos), com ótimo desempenho dos músicos. The Rotter’s Club é aventureiro e testa os limites. Foi muito bom ouvi-lo novamente depois de alguns anos.
Renaissance – Scheherazade And Other Stories
Fernando: Uma obra-prima do rock sinfônico, marcada pela grandiosidade orquestral e pela voz cristalina de Annie Haslam. O que canta essa mulher é uma sacanagem! O épico “Song of Scheherazade” é um dos momentos mais ambiciosos do gênero e muito representativa do progressivo sinfônico. Se você ouvir esse disco e não gostar, volte para a primeira faixa e ouça de novo, pois ouviu errado.
André: Apesar do Fernando ser conhecido por lamber os bagos da estátua de cera do Steve Harris todo dia antes de dormir, acho que ele o chifra com Michael Dunford porque está sempre enfiando discos do Renaissance para ouvirmos. Escutei pouco do Renaissance ainda, mas do que ouvi, gostei mais de Ashes Are Burning [1973] do que este. Achei este disco exageradamente produzido e artificial, preferindo as abordagens mais antigas da banda que soaram para mim mais com cara de grupo mesmo do que este apelo excessivo pela orquestra. Dá a impressão que o disco é da orquestra com Annie Haslan como convidada. Para mim, falta mais guitarra e baixo, e mesmo Annie parece só uma coadjuvante. Não entendi muito bem esta proposta, não é um som ruim, mas eu não esperava ouvir um álbum de uma banda tão conceituada se parecer mais com uma trilha sonora do que rock.
Daniel: Mais uma ótima escolha. Álbum que traz um Rock Progressivo repleto de melodias e longas passagens instrumentais introspectivas. “Song of Scheherazade” é uma suíte belíssima, com as orquestrações realmente contribuindo para engrandecer a canção. E que cantora é a Annie Haslam. Discaço!
Davi: Esse é considerado um clássico do Renaissance. Inclusive, é comum nos depararmos com vários fãs citando-o como seu favorito. De fato, o álbum é muito bonito, onde colocaria como grandes diferenciais a participação da London Symphony Orchestra, que criou uma atmosfera quase cinematográfica, e os trabalhos vocais de Annie Haslam. Muitos fãs de rock progressivo citam como ponto alto, o lado B com sua suíte de 24 minutos de duração. A faixa é realmente envolvente, mas ainda prefiro as 3 músicas presentes no lado A. Especialmente, “Ocean Gypsy” e “Trip to Fair”. Boa lembrança…
Mairon: Um dos discos mais lindos da história, e mais um que estava na minha lista. Entre 1972 e 1977, tudo o que o Renaissance tocava virava ouro, e essa pepita de 2000 quilates para mim é a obra-prima da banda. Focada em temas mais suaves, o pianista Jon Tout se revela um dos melhores músicos de sua geração (e bastante injustiçado), fazendo misérias com o piano na introdução de “Trip to the Fair” ou abrilhantando seu belíssimo solo ao piano em “Ocean Gypsy” com camadas emocionantes de sintetizadores. Mas é na Maravilhosa suíte “Song of Scheherazade” que a casa cai. Um épico de quase 25 minutos que nos trata aos conto das mil e uma noite, e que o trabalho de Tout é colocado à prova, junto com uma performance fantástica de Annie Haslam, que sempre teve uma das melhores vozes femininas do prog, e aqui estava vivendo seu auge, uma orquestraçao fabulosa, e uma música que, por que não, pode ser considerada uma das mais belas da história do progressivo. Ainda temos a descomunal “The Vultures Fly High”, talvez a canção mais rock da carreira do Renaissance, que destoa da leveza de todo o disco, mas é igualmente incrível, com destaque para o baixão Rickenbacker de de Jon Camp, outro músico bastante injustiçado. Comento mais sobre o disco aqui, forte candidato a melhor disco desta lista, e perde por pouquinho para In trance, mas em certos dias, bah, ganha com sobras.
Marcelo: Se há um disco em que o rock progressivo flerta sem medo com a música erudita, é esse – basta a abertura com “Trip To The Fair” para comprovar isso. Há obras de arte que parecem não ter sido feitos apenas para uma década ou para um gênero específico: são realizações que se erguem como monumentos atemporais. Scheherazade and Other Stories é exatamente isso — um daqueles álbuns que deixam a sensação de que não pertencem só ao rock progressivo, mas a uma tradição maior, na qual música popular e erudita se abraçam com naturalidade. O Renaissance já vinha amadurecendo sua estética desde o começo dos anos 70, mas aqui eles alcançam um equilíbrio quase perfeito entre a sofisticação instrumental e a emoção direta. O álbum é grandioso, quase operístico, e ao mesmo tempo de uma delicadeza rara. Annie Haslam canta como quem abre janelas para um castelo imaginário: cristalina, firme, etérea. O lado A do vinil já traz três canções dessa beleza atemporal. “Trip to the Fair”, com seus nove minutos, é uma jornada cheia de contrastes: delicadeza e tensão, mistério e encantamento. “The Vultures Fly High” é quase um interlúdio pop-progressivo, leve e contagiante. Mas é em “Ocean Gypsy” que o grupo atinge uma das expressões mais emocionantes de sua carreira: uma balada melancólica que parece atravessar mares e séculos, ainda hoje capaz de arrepiar na primeira audição e que carrega em si a melancolia mais doce que o Renaissance já gravou. A suíte “Song of Scheherazade”, que ocupa todo o lado B, é uma das experiências mais cinematográficas que o rock já produziu — você quase consegue enxergar tapetes, desertos e palácios orientais enquanto a orquestra se mistura à banda! Meu destaque: “Ocean Gypsy”, pela delicadeza sublime; mas seria injusto não dizer que a verdadeira joia está em “Song of Scheherazade”, uma das maiores peças já gravadas no progressivo, e que já foi resenhada por aqui pelo colega Mairon Machado. Melhor álbum da lista indiscutivelmente — existem poucos álbuns eternos e esse é um deles.
Marcello: O Renaissance tem cinco discos perfeitos em sua carreira, e este Scheherazade … é o penúltimo deles. Com a voz angelical de Annie Haslam, o violão econômico de Michael Dunford, os teclados virtuosos na medida certa de John Tout, o baixo impressionante de Jon Camp (um daqueles mestres subestimados no instrumento) e a bateria de Terry Sullivan, o álbum não traz tantos toques de música clássica quanto os anteriores, mas não deixa de impressionar. “Ocean Gypsy” é uma das músicas mais lindas do Renaissance, “The Vultures Fly High” tem uma letra surpreendentemente amarga para o padrão da banda (criticando os críticos) e a suíte “Scheherazade” é belíssima além de qualquer descrição, em especial a orquestração e os vocais de Camp e Haslam. A única música que não curto muito é “A Trip to the Fair”, inspirada pelo primeiro encontro entre Annie e Roy Wood, o fundador do The Move e da Electric Light Orchestra – curiosamente, o que me impede de gostar mais da música é justamente o vocal de Annie, que não funcionou para mim nessa música. Meus discos favoritos do Renaissance são Ashes are Burning e Turn of the Cards, mas não me espanto quando alguém defende Scheherazade … como a obra-prima da banda.
Scorpions – In Trance
Fernando: Álbum de transição que consolidou a sonoridade clássica da banda, misturando baladas melódicas e peso hard rock. Os dois primeiros discos, a meu ver, são apenas aperitivos e em In Trance é onde o Scorpions mostrou a que veio. É o disco que começa a projetar os Scorpions para a cena internacional.
André: Eles melhorariam ainda mais com o tempo, mas este Scorpions deixando de lado o psicodélico para afundar de vez no hard rock é ótimo. Por mais que eu também goste dos vários outros ótimos guitarristas que passaram pela banda, os alemães com o Uli Jon Roth eram diferenciados em seus solos e melodias. Você reconhece o dedilhado dele. Scorpions setentista e oitentista não tem erro. Só coisa boa.
Daniel: Fazia muitos (e bota muitos nisso) anos que eu não ouvia este disco e já nem me lembrava da maioria das canções, devo confessar. A experiência foi bastante revigorante, especialmente por me recordar de músicas como “Life’s Like a River”, “Living and Dying”, “Sun in My Hand” e a faixa-título. O Scorpions da fase Uli Jon Roth é mais sombrio e mais pesado, com ótimos riffs e solos. Obrigado por me fazer recordar deste disco, Fernando!
Davi: Aqui, o Scorpions começava a encontrar sua cara. In Trance marca a chegada do famoso logo e também já começa a dar seus primeiros passos para a sonoridade clássica do grupo. É verdade que as faixas ainda não tinham aquele apelo mais comercial que chegaria com força nos álbuns que os músicos lançaram nos anos 80, mas já chegavam com força no hard rock. Diria que é um trabalho de transição. Nesse LP, o grande destaque são as guitarras de Uli Jon Roth. Embora conte com uma faixa instrumental (“Night Lights”), onde ele me chama mais atenção é em “Evening Wind”. Solo, simplesmente, esplendoroso. O guitarrista também se arrisca nos vocais em “Sun In My Hand”, além da ótima “Dark Lady”, onde divide a frente com Klaus Meine. Seus vocais não incomodam, mas em se tratando de Scorpions é realmente a voz de Klaus que se destaca. Vamos combinar que o baixinho sempre teve um timbre bem característico. O lado A considero mais forte do que o lado B e é nele que estão meus momentos favoritos do disco: a faixa título, “Top of The Bill”, além da já citada “Dark Lady”.
Mairon: Um discaço do início ao fim. Uli Roth estava soberano aqui. Seus riffs e solos são lindos, com fortes inspirações em Hendrix, mas com um sotaque todo alemão em faixas hardeiras como “Longing For Fire”, “Robot Lady” e “Top of the Bill”, mas principalmente nas melódicas “Evening Wild” , nas quais o alemão faz sua guitarra literalmente gemer sem sentir dor. O solo dele em “In Trance” é de chorar, que baita música. Minhas preferidas são o blues animado de “Sun In My Hand”, com o baixão estourando as caixas de som, e a emocionante instrumental “Night Lights”. Para fechar, o cara manda ver nos vocais de “Dark Lady”. Um destaque extra vai para a participação dos teclados, que mesmo apenas fazendo camadas sonoras, abrilhantam o trabalho fenomenal de Uli em faixas como “Life’s Like a River” e “Living and Dying”. Sobre o Scorpions, sem Uli é outra banda, e In Trance é uma das grandes provas disso (assim como todos os demais álbuns dessa fase). Baita indicação, que estaria certa nas minhas. Comento mais sobre esse obra-prima aqui.
Marcelo: Antes de se tornarem campeões de baladas radiofônicas nos anos 80, os Scorpions já eram uma banda poderosa, com riffs cortantes e climas sombrios. Aliás, por falar em baladas, o álbum tem três das mais memoráveis: “In Trance”, “Living and Dyin” e “Life’s Like a River”. In Trance é o disco em que eles encontram sua identidade definitiva: mais pesado (“Dark Lady”), mais sombrio (“Evening Wind”) e mais direto (“Robot Man”) do que os anteriores. A capa — polêmica e censurada em alguns países — já anunciava a intenção de chocar, mas é na música que o grupo se impõe, e aqui Uli Jon Roth mostra por que foi um dos guitarristas mais inventivos da década. O álbum só tem pedrada, uma atrás da outra, é um discaço. Meu destaque: a faixa-título, ode deliciosa ao alcoolismo, que é praticamente um hino gótico disfarçado de hard rock e que é umas das minhas músicas favoritas da banda, com um dos solos mais lindos da década de 70.
Marcello: Este álbum tem três palavrinhas mágicas que definem sua qualidade: Uli Jon Roth. O que o alemão fã de Hendrix toca é algo que não se encontra em muitos lugares por aí. Klaus Meine, Rudolph Schenker, Francis Buchholz e Rudy Lenners se esforçam, mas é a guitarra-solo que reina soberana de “Dark Lady” a “Nights Lights”. A faixa-título é uma das melhores músicas da banda, na minha opinião (a versão ao vivo em Tokyo Tapes é ainda melhor), com desempenho vocal excelente de Klaus e a classe do grande Uli Jon. As baladas “Life’s Like a River” e “Living and Dying” não se destacam muito, apesar do ótimo trabalho de guitarras, mas “Top of the Bill” e “Robot Man” (outras duas músicas que aparecem muito bem em Tokyo Tapes) recolocam o disco nos eixos. “Evening Wind” e “Sun in my Hand”, composições de Roth, e “Longing for Fire” (de Roth e Schenker, uma das melhores músicas do disco para mim) dão sequência ao bom lado B, que se encerra com a instrumental “Night Lights” (também de Uli Jon Roth), outro show do guitarrista. Scorpions é uma boa banda que não chega a figurar na minha lista de favoritas, mas os discos que vão de In Trance a Tokyo Tapes são essenciais para quem gosta de uma guitarra (muito) bem tocada.
Tommy Bolin – Teaser
Fernando: Estreia solo que mostra a versatilidade de Bolin como guitarrista e compositor, explorando hard rock, funk, jazz e baladas. Um trabalho ousado que revela o talento interrompido cedo demais. Jon Lord participa com seus teclados inconfundíveis em um período em que Tommy estava ainda em turnê com o Deep Purple. Por conta disso não conseguiu promover de forma adequada esse disco e acabou sendo um fracasso de vendas. Conheci esse disco depois de procurar pela versão original de uma regravação da faixa título feita pelo Mötley Crue.
André: Com muita vergonha, confesso que não conhecia este disco. Inacreditável que eu passei 39 anos da minha vida sem ter ouvido este diamante. É o típico álbum com instrumentais que eu admiro. Aquela guitarra sinistra, ousada, mesclando abordagens diferentes dentro do funk, hard rock e fusion fazendo chover em riffs incríveis. Bolin não brilha muito cantando, mas nem precisava. Discaço fodaço!
Daniel: Excelente álbum de um guitarrista que infelizmente morreu cedo demais. Adoro os trabalhos solos de Bolin, nos quais ele explora todas as suas influências: hard rock, blues rock, jazz, reggae, entre outras, muitas vezes em uma mesma canção. É claro, todo o feeling de Tommy Bolin é o grande destaque e faixas como “Teaser”, “Homeward Strut” e “Lotus” estão entre minhas preferidas. Belíssima lembrança.
Davi: Sempre gostei muito do Tommy Bolin. Descobri o músico muitos anos atrás por conta do trabalho que realizou no ótimo Come Taste The Band e não demorou para que quisesse conhecer mais de seu trabalho. Esse primeiro álbum solo, aposta em um material bem variado buscando referências no hard rock, no funk, no reggae… “The Grind” abre bem o trabalho, trazendo um pouco da veia funky, e mostrando que Bolin era um compositor de bom gosto, um cantor correto, além do brilhante guitarrista que já sabíamos. Para quem quer ouvi-lo brilhar no instrumento, uma boa dica é a instrumental “Marching Prowder”. Contudo, meus momentos favoritos ficam com a divertida faixa-título (que recebeu uma competente regravação do Motley Crue no final dos anos 80), com a bela balada “Dreamer” (que conta com a participação do Glenn Hughes. E, sim, conforme o previsto, the voice of rock rouba a cena, embora ainda ache que sua participação poderia ter sido maior), além de “Wild Dogs”. Outro momento curioso é “Savannah Woman”, com sua vibe meio Santana e com uma letra trazendo citações ao Brasil. Bom disco.
Mairon: Mais um que estava na minha lista e o Fernando “roubou”. Essa fabulosa estreia do jovem Bolin mostra que mesmo com apenas 22 anos, a experiência do guri era enorme. Tendo passado pelas guitarras de Zephyr, James Gang e Moxy, além de ser peça fundamental em Spectrum (de Billy Cobham), Bolin aqui colocou para o fã todo o seu aprendizado ao longo de 6 anos de carreira. Assim, das misturas de jazz fusion e rock de Spectrum surgem as pauladas “Homeward Strut” e “Marching Powder”, fácil candidata a melhor canção de Teaser. Das baladas bluesy da James Gang vêm as lindas “Dreamer”, com um show vocal de Glenn Hughes ao final, e a incrível capacidade de derreter velas na mais que comovente “Lotus”. Das raízes hards de Zephyr e Moxy, pérolas do porte de “Teaser”, na qual Bolin manda ver no slide e com um riff que me remete fácil a “At War With Satan” do Venom. E ainda cria novidades, como a dançante e santaniana “Savannah Woman”, sensualíssima, ou o pseudo reggae de “People, People”. Destaque também para os ótimos músicos convidados, em especial David Foster (piano e sintetizadores) e os bateras Michael Walden e Stanley Sheldon, que fazem uma exímia cozinha para Bolin nos abrilhantar com solos, riffs e efeitos que ele adorava trazer para seu som. Bolin era tão foda que foi capaz de colocar uma faixa deste disco, no caso “Wild Dogs” (linda, por sinal”), no set list da tour de Come Taste the Band. Bota ticudão! Comento mais sobre esse disco aqui, e lamento que Bolin tenha ido tão cedo e passado seu legado como o cara que substituiu Ritchie Blackmore no Deep Purple. Há muito mais na carreira dele, e esse disco é mais uma prova de que a ponta do iceberg esconde muita coisa por debaixo. Um gênio eterno!
Marcelo: Tommy Bolin parecia estar sempre a um passo da consagração definitiva — e Teaser, seu primeiro álbum solo, mostra o porquê. Bolin grava aqui um trabalho plural: jazz-rock, funk, hard rock e baladas, tudo convivendo sem esforço. É como se ele tivesse pressa em mostrar tudo o que podia fazer, pois mesmo sendo novo sentia que seu tempo estava acabando, como dá a entender cantando sobre o que já passou na faixa de abertura do disco “The Grind”: “Andei o dia todo tentando arranjar um trampo, / Devo ter batido em umas cem portas. / Engoliria meu orgulho por um pouco de grana, / E ficaria feliz varrendo os pisos. /// Passei a noite passada dormindo em um banco de praça, / Até que um policial veio e me mandou embora. / Disse a ele que não estava incomodando ninguém, / Sim, ele me mandou vazar. // Em todo lugar, recebo a mesma resposta, / Agora não ou talvez depois. / Bem, meu tempo está acabando, meu povo, sim, meu povo. / Se você tá na pior e sem um amigo”. O disco foi lançado em 17 de novembro de 1975. Infelizmente, o guitarrista morreria no ano seguinte, em 4 de dezembro de 1976, com apenas 25 anos, deixando esse disco como testemunho de um talento que o tempo não conseguiu apagar. Em seu último show, ele abriu para Jeff Beck em 3 de dezembro de 1976 em Miami. Jon Marlowe, jornalista do The Miami News, que o entrevistou após o show para escrever a resenha que sairia no jornal e na revista Rolling Stone, após a entrevista com o guitarrista, disse a ele “Cuide-se”, ao que Bolin respondeu: “Tenho cuidado de mim mesmo a vida toda. Não se preocupe comigo. Vou ficar por aqui por muito tempo”. Horas depois, ele morreria de overdose de heroína e outras substâncias, incluindo álcool, cocaína e barbitúricos. Meu destaque: “Savannah Woman”, com um leve sotaque latino, em que sua guitarra soa como uma conversa íntima e que deixaria Santana orgulhoso se um dia ambos a gravassem juntos.
Marcello: O primeiro álbum-solo de Tommy Bolin não é seu melhor desempenho em disco (acho que nada bate o disco com Billy Cobham), mas mostra toda a sua versatilidade. A funky “The Grind” abre bem os trabalhos dando o tom do disco, mas quem pegou o disco por causa trabalho magistral de guitarra de Bolin precisa ir direto para a segunda música, “Homeward Strut”, que o Deep Purple apresentou em alguns shows da turnê do Come Taste the Band; nessa música, Bolin tira sons fora do comum das várias guitarras que gravou, e a música termina cedo demais. Gosto muito das baladas “Dreamer” (com participação de Glenn Hughes) e “Wild Dogs” (também apresentada nos shows do Purple – o solo no disco ao vivo no Japão é uma das melhores coisas que Tommy fez, na minha opinião), de “Marching Powder” e da faixa-título (que o Mötley Crue eventualmente regravaria), com todos os seus efeitos de guitarra, mas não é exagero dizer que o álbum é quase inteiramente bom (OK, “People People” eu não consigo engolir, o resto é ótimo). Bolin compunha bem, tinha uma voz agradável e era um guitarrista brilhante. É uma pena que o disco não fez sucesso, e sua morte precoce foi uma tragédia; quem sabe o que ele teria feito se tivesse sobrevivido? Teaser é daqueles discos que quando terminam a gente tem vontade de ouvir novamente!
Kiss – Alive!
Fernando: Preferi escolher um disco ao vivo ao invés de um nacional para essa lista. Registro essencial do hard rock setentista, responsável por transformar o Kiss em fenômeno mundial. Com energia crua e atmosfera de espetáculo, redefiniu o conceito de álbum ao vivo e tornou várias das músicas aqui presente em suas versões definitivas. Já que apesar de serem muito bons os três primeiros discos não tinham chamado atenção do público até então.
André: Em relação a este disco, você precisa esquecer de seu histórico e permanecer na ignorância quanto aos numerosos retoques de estúdio que recebeu. Ignorando tudo, você vai considerar um Kiss pesado, enérgico, cheio de veneno e com gana de vencer em apresentações insanas. Se o que importa é o que sai das caixas, fizeram um excelente trabalho. Já se você preferir a verdade, vai achar o disco um embuste todo editado. Já estou quase na meia idade, então eu nem ligo mais para isso e ouço de boa esta excelente seleção de faixas tocadas “semi ao vivo”.
Daniel: Eu não sou o maior fã de álbuns ao vivo, mas este aqui é um grande clássico. O álbum responsável por lançar o Kiss ao estrelato, transformando-o não apenas em uma grande banda, mas também em ícones da cultura pop. Para mim, o maior mérito de Alive! é conseguir transportar a energia de um show do Kiss para dentro dos lares dos ouvintes. Imperdível.
Davi: Sempre tive o Kiss como minha banda favorita. Logo, esse é um álbum de cabeceira para mim. Já perdi as contas de quantas vezes ouvi esse disco. Sim, é verdade, existem muitas polêmicas em relação às gravações. Vamos ver se conseguimos sanar as dúvidas quando sair o box de 50 anos que está para ser lançado. Agora… Independente de qualquer coisa, é um álbum que tenho em alta. Acho o resultado final muito bom. O disco te faz sentir como se estivesse em um show do Kiss, a banda soa com uma energia incrível, sem contar que Ace Frehley estava em um ótimo momento e nos entrega um dos melhores trabalhos de guitarra de toda sua carreira. Para deixar tudo ainda mais interessante, considero as versões de “Deuce”, “She”, “Cold Gin”, “Rock n Roll All Nite” e “Let Me Go Rock n Roll” definitivas. Para mim, um clássico!!
Mairon: Não vou entrar nos detalhes das gravações deste disco. Independente de se é ao vivo ou não, é um dos álbuns que mais ouvi em minha vida, principalmente nas vésperas da vinda do Kiss em 99. E cara, tudo isso por conta das guitarras de Ace Frehley. Assim como Uli no disco do Scorpions, quem manda aqui é Ace, e são os seus solos em “Cold Gin”, “Deuce”, “Strutter”, e essencialmente “She” e “100.000 Thousand Years”, que me fizeram fã de Kiss. É aquele solo energético, tipo o que o Page faz, sem seguir uma linha de escalas treinadas, mas apenas sentindo o feeling da música. Quer um bom exemplo, pega “Black Diamond” e coloca o som no talo. O solo de Ace (sempre feito de joelhos) é de arrepiar. Clássicos gigantes da carreira da banda se tornaram isso por conta deste disco, e não adianta Gene e Paul cagarem regra de que o Ace é um mala etc etc, podem dizer o que quiserem, mas a alma dos mascarados era o Space Ace. De que vale um Ace da Shopee (me perdoa Tommy Thayer) no lugar? Kiss acabou quando o Ace saiu. Depois é outra banda. Comentei mais sobre o disco aqui, e encerro dizendo que é essencial em qualquer coleção de rock que se preste!
Marcelo: Aqui o Fernando jogou para a torcida e se aproveitou de uma brecha, pois acredito que, se nas regras para a lista oficial de melhores de 1975 pudesse ser escolhido um disco ao vivo, esse entraria. Se há um álbum que prova que o rock não é só música, mas espetáculo, é este. Alive! não apenas consolidou o Kiss como gigantes do rock, mas também redefiniu o sentido de álbum ao vivo: mais do que registrar um show, ele cria um mito. Claro, há controvérsias sobre overdubs e retoques de estúdio, mas nada disso importa quando você sente a energia transbordando das faixas. É um disco que captura o espírito do rock como celebração coletiva, com direito a guitarras flamejantes, refrões que pedem coro e aquela sensação de que a vida é um palco. Meu destaque: quem me acompanha aqui na Consultoria sabe que defendo a tese de que toda grande banda de rock possui um hino e o do Kiss é “Rock and Roll All Nite”, talvez a declaração definitiva de intenções de uma banda inteira.
Marcello: Já comentei esse disco nos álbuns ao vivo de 1975, e para mim basta lembrar que não sou fã do Kiss e coloco Alive! na lista dos melhores live de todos os tempos. A banda ainda não tinha atingido seu auge, mas o álbum traz o que o grupo tinha feito de melhor até então em performances excepcionais, com uma energia avassaladora e um clima contagiante de festa. O que Paul, Gene, Ace e Peter fizeram nesse disco poucas bandas conseguiram, portanto, se você não conhece, vá atrás; se conhece, ouça novamente; e se não gosta, dê mais uma chance. Alive é um desfile de rock despreocupado e divertido, feito para curtir com uma cerveja na mão; durante boa parte do tempo, quem precisa de outra coisa?
A lista do Fernando Bueno também me tirou alguns álbuns da minha própria, mas não adianta reclamar (se você fica na rabeira quando é sorteado, não adianta chorar as pitangas). Tive a oportunidade de ouvir novamente alguns discos que não ouvia faz bastante tempo e isso é sempre bem-vindo. Interessante observar que na maior parte dos comentários o trabalho dos guitarristas é destacado pelos consultores (à exceção do Gentle Giant, que nunca deu grande destaque para a guitarra, e do Renaissance – acho que nunca vi Michael Dunford com uma guitarra no lugar do violão). Só para causar um pouco: de todos os monstros guitarrísticos que apareceram aqui, o melhor é o Uli Jon Roth. Será que alguém discorda?
É uma disputa boa. Eu votaria nele também sem ficar avaliando muito por questões de afinidade. A disputa fica brava até pq esses estilos mais complexos sempre exigem que seus guitarristas sejam de alto nível.
Sobre o Hatfield and the North eu achava que mais alguém citaria o livro do Jonathan Coe.
André…
Espere o contato dos meus advogados!!