Cinco Músicas Para Conhecer: Porto Alegre

Por Mairon Machado
20 de setembro, data que no Rio Grande do Sul é conhecida como “Dia Farroupilha”, e que gera praticamente uma semana de muitas festas, culto ao tradicionalismo e celebrações à cultura e ao orgulho de ser gaúcho, comer churrasco, tomar chimarrão e usar a pilcha. Tudo como uma homenagem ao início da famigerada Revolução Farroupilha, a qual começou em 20 de Setembro de 1835, quando na Batalha da Azenha os farroupilhas tomam Porto Alegre, começando uma revolução que acaba criando a chamada República Rio-Grandense, e marcou um período longo de guerra entre o estado e o Império do Brasil, que culminou em algumas atrocidades que prefiro não comentar por aqui, tendo desfecho melancólico em 1 de março de 1845.

A origem desta guerra ocorreu portanto em Porto Alegre, capital da então Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, e hoje, capital do Rio Grande do Sul. De lá, surgiram muitos artistas que estouraram em todo o Brasil, e por que não no mundo, e também, se tornou rota comum para inúmeros artistas se apresentarem, tornando-se uma capital símbolo de cultura no Brasil. Diversas são as canções que homenageiam Porto Alegre, e como uma forma de trazer um lado bom da ojeriza que sinto pela comemoração da Semana Farroupilha, trago aqui cinco canções que fazem seu tributo à querida PoA.
“Menino Deus” – Noites do Norte – Ao Vivo [2001] (Caetano Veloso)
Começo justamente com um artista que compôs uma canção para Porto Alegre, o baiano Caetano Veloso. Em 1982, Caetano deu para o grupo A Cor do Som essa bela faixa, presente no disco Magia Tropical, mas foi ao completar 59 anos, no show realizado no Teatro Castro Alves em 7 de agosto de 2001, que ele registrou a mais bela versão de “Menino Deus”. Apenas com o violão em mãos, Caetano canta a canção que, segundo ele, a própria capital gaúcha lhe entregou, quando ao passear de táxi pela cidade o compositor viu uma placa indicando os bairros Menino Deus, Ipanema e Tristeza. Foi chegar no hotel e criar essa peça lindíssima, que com a voz e o violão de Caetano, faz qualquer alma sensível se derreter. Ok, não há muitas alusões para Porto Alegre além da citação ao bairro Menino Deus, a frase “um Porto Alegre é bem mais que um Seguro” e “um corpo azul-dourado“, simbolizando o Pôr do Sol no Lago Guaíba, mas só por falar “Menino Deeeeeeeeeeeeus“, pronto, PoA já está totalmente feliz!
“Deu Pra Ti” – Kleiton & Kledir [1981] (Kleiton & Kledir)
Esta faixa que abre o segundo álbum dos irmãos pelotenses Kleiton & Kledir se tornou um marco musical no Rio Grande do Sul, e criou uma das principais expressões que os gaúchos adoram dizer: “Bah, tri legal“, que significa “excelente, excepcional, sensacional“. “Deu Pra Ti” retrata Porto Alegre como uma cidade onde tudo é perfeito, onde se vai quando se está down, e como magia – seria o paralelo 30? onde a cidade está localizada – tudo se transforma. Locais tradicionais da cidade aparecem, como o bairro Bom Fim, o estádio Beira-Rio, o bar João e o Parque da Redenção, e personalidades marcantes como Fogaça (que veio a ser prefeito da cidade) e Falcão (craque do Sport Club Internacional), em um clima alegre que o porto-alegrense abraçou facilmente. Uma música simples, grudenta, e talvez o maior sucesso da dupla.
“Anoiteceu Em Porto Alegre” – O Papa É Pop [1990] (Engenheiros do Hawaii)
Esse tour de force de quase 9 minutos do EngHaw para mim é a obra definitiva sobre Porto Alegre. Humberto Gessinger narra as aventuras de alguém que perambula durante o período de 12 horas, entre às 7 da noite, com o início da Voz do Brasil, até às 7 da manhã, com o “neguinho da Zero Hora” – jornal tradicional no estado do Rio Grande do Sul – “vendendo manchetes 15 pras sete da manhã“. A personagem perambula pelas ruas de Porto Alegre, observando situações cotidianas que qualquer pessoa vivenciou na noite da capital gaúcha, como ver “a luz vermelha do walkman” (hoje com certeza é a luz do celular), a “fuga” da Hora do Brasil, enquanto anoitece em Porto Alegre. Durante a madrugada, Humberto resgata fatos comuns de alguém que realmente mergulha na noite portoalegrense, carregando consigo os estragos da noite (bebidas, mulheres, alarmes de carro …), as coisas que acontecem na cidade, e aproveita para homenagear seu time de coração, o Grêmio Football Porto Alegrense, relembrando as então maiores conquistas do tricolor gaúcho – ocorridas exatamente durante madrugadas – até chegar o amanhecer, novamente, com o cotidiano dos moradores comprando leite, pão, jornais, a movimentação das escolas, enfim. Uma letra que apesar de não citar ruas, nomes, lugares, simplesmente relata o que Porto Alegre tem de bom, que é a sua vida noturna.
“Amigo Punk” – Coisa De Louco II [1995] (Graforréia Xilarmônica)
Lançada originalmente no cobiçado cassete Com Muito Amor e Carinho (1988), “Amigo Punk” só foi realmente ser conhecida mundialmente no Rio Grande do Sul em 1995. Assim como em “Anoiteceu em Porto Alegre”, aqui o narrador que conversa com seu “Amigo Punk” traz consigo os estragos da noite, chegando em casa pela manhã, louco para sestear e revigorar as energias para mais uma noitada. O que mais chama a atenção e faz os gaúchos vibrarem com essa canção é a mistura de elementos tradicionalistas da música gauchesca com o rock – que veio depois a dar origem ao projeto Rock de Galpão – principalmente no palavreado de uma canção que entoa locais famosos de Porto Alegre, como o Parque Farroupilha e a Avenida Oswaldo Aranha. A espécie de milonga rock teve sua versão original, gravada ao vivo, e é marcada pela desafinação dos instrumentos e dos vocais, além de uma estridente guitarra que sola ao fundo, mas a ideia estava lá. Mas foi em 1995, no álbum Coisa de Louco II, que o trio conseguiu transformá-la em um hino cantado até hoje por qualquer adolescente que vivenciou as noites porto-alegrenses, e por que não, qualquer noite no Rio Grande do Sul
“Ramilonga” – Ramilonga – A Estética Do Frio [1997] (Vitor Ramil)
Enquanto os Engenheiros do Hawaii e a Graforréia celebravam as noites festivas de PoA, Vitor Ramil (irmão de Kleiton e Kledir) preferiu trazer a melancolia e as lembranças dele, que estava prestes a sair da cidade, durante o inverno rigoroso do sul do país. A solidão de um chimarrão em um dia de chuva e frio leva aos pensamentos deste adeus para a cidade. Ramil sobrevoa os bairros em despedida, passando pela Bela Vista e a Chácara das Pedras, e lembra-se das noites no Rio Branco e das tardes no Bom Fim, assim como Cidade Baixa e Alto da Bronze, as quais não irá mais presenciar. As memórias continuam com uma letra que remete ao saudosismo da Praça XV e de um lambe-lambe (máquina fotográfica que ficou marcante em pontos turísticos de Porto Alegre), ou mesmo de que a água do Guaíba é limpa ao ser vista do alto da torre. Ainda dá tempo de homenagear personalidades importantes de Porto Alegre (o compositor e professor Armando Albuquerque, que foi professor de Vitor, e o poeta Mário Quintana, um dos maiores do Brasil), e à Francisco Ferrer, anarquista espanhol que deu nome a rua na qual Vitor tem casa ainda hoje na cidade. Tchê, que lindeza, mas bah! Uma milonga de Ramil (daí a palavra Ramilonga) de quase sete minutos, e arrebatadora, ou melhor, tri-legal!