Minhas 10 Favoritas de Rick Davies

Minhas 10 Favoritas de Rick Davies

Por Marcello Zapellini

Com Marcelo Freire e Micael Machado

Texto Por Mairon Machado: No último fim de semana, ficamos sabendo do falecimento de Rick Davies. O pianista, tecladista e vocalista liderou o Supertramp nos anos 70, 80 e 90, deixando um legado de inúmeros hits, milhões de discos vendidos e uma legião de fãs pelo mundo inteiro. O músico nos deixou aos 81 anos, no dia 6 de setembro de 2025, vítima de consequências de um mieloma múltiplo. Como uma forma de homenageá-lo, três consultores apresentam aqui seus comentários para 10 canções (escolhidas entre os mesmos) nas quais Davies é o centro das atenções. Em ordem alfabética, vamos à elas.


Texto por Marcello Zapelini: O Supertramp foi uma banda que eu conheci por meio do duplo ao vivo Paris, que meu irmão comprou no início dos anos 80 em LP. Mas à época não dei muita bola para o álbum, e anos depois, quando vários dos meus amigos entraram numa fase de “Supertrampmania”, decidi ouvir. E embora tivesse gostado, não chegou a me transformar em fã da banda. Até hoje é assim; gosto do Supertramp, mas não o coloco muito elevado na lista das melhores bandas, e embora considere que eles até fizeram progressivo, não são exatamente uma banda prog (embora não saiba classificá-los num nicho do rock). Entretanto, respeito bastante a banda e particularmente considero Roger Hodgson e o nosso homenageado Rick Davies dois compositores muito bons, além de excelentes instrumentistas e vocalistas. Mesmo sabendo que a banda não vinha fazendo praticamente nada nos últimos dez anos, confesso que a morte de Rick Davies me pegou meio de surpresa, até porque a última vez que tinha lido algo a respeito dele informava que estava superando seus problemas de saúde. Sobraram as músicas, e as dez selecionadas colaborativamente incluem algumas das minhas favoritas do Supertramp. Vamos, então, a elas!


Texto por MarceloFreire: Rick Davies sempre foi uma força discreta e, ao mesmo tempo, incontornável dentro do Supertramp. Sua voz grave e distinta, seu domínio sobre o piano acústico e elétrico, além de uma escrita que mesclava ironia, crítica social e lirismo, ajudaram a consolidar a identidade sonora da banda. A seguir, dez músicas que revelam sua genialidade como compositor, instrumentista e intérprete.


“Ain’t Nobody But Me” – Crisis? What Crisis? (1975)

Marcello: “Ain’t Nobody But Me” tem uma introdução meio pomposa que não combina muito com a música (embora chame bastante a atenção), e o refrão com Rick Davies e Roger Hodgson harmonizando seus vocais é muito bom, levando bem ao solo de John Anthony Helliwell. Sempre achei curioso que Roger canta solo mais músicas que Rick nesse álbum – e como prefiro a voz deste último, essa pode ser uma das razões pelas quais Crisis?… nunca foi dos meus favoritos. O final cadenciado com os três cantores e a guitarra distorcida de Roger é um dos meus trechos favoritos (sempre achei que faltava guitarras ao Supertramp, mas nessa música elas são razoavelmente proeminentes).

Marcelo: Terceira faixa de Crisis? What Crisis? (1975), “Ain’t Nobody But Me” surge como o primeiro grande momento de energia do álbum, após duas aberturas mais suaves. A voz carregada de firmeza de Rick Davies e sua linha de piano vibrante conduzem a canção, marcada por uma energia quase debochada. Davies imprime um senso de autoridade artística: ele não apenas toca, mas domina a narrativa. A música evidencia sua habilidade de unir rock direto com harmonias mais elaboradas, sem jamais soar previsível.

Micael: Quando eu penso nas composições de Rick Davies para o Supertramp, é este tipo de música que me vem à mente. Dominada pelo piano do músico, um ritmo que não é nem lento nem rápido, um belo refrão (com uma ajudinha da voz de Roger Hodgson para torná-lo ainda mais belo) que se sobressai sobre uma composição que, sem ele, não seria tão memorável quanto se tornou. E ainda tem um marcante solo de saxofone do John Helliwell (que sempre agrega qualidade quando se trata da banda), além daquele final “diferentão”, que acaba chamando a atenção, de um jeito ou de outro. Desta lista, um de meus refrões preferidos, embora tenha meu pezinho atrás com relação ao restante da faixa.


“Bloody Well Right” – Crime of the Century (1974)

Marcello: Aqui a palavra-chave é variedade. Da introdução com o piano elétrico levemente jazzístico voando sobre a base do piano acústico à entrada da banda completa, com a guitarra proeminente de Roger e uma ótima bateria de Bob Siebenberg, essa música é uma das mais interessantes de Crime of the Century, na minha opinião. A música é bastante variada, sem em nenhum momento parecer desconjuntada ou uma reunião de diferentes ideias numa só composição, e quando o sax de John pontifica sobre um andamento acompanhado por palmas dos músicos, o resultado é que ela se mantém interessante a cada momento; mas acho que a versão ao vivo no duplo Paris é mais interessante do que essa aqui. Crime… é provavelmente o meu disco favorito da banda, e, apesar de “Bloody Well Right” ser muito boa, tem coisa melhor nele.

Marcelo: Da lista, é a minha favorita disparado! O piano elétrico Wurlitzer dita o ritmo com precisão, e sua voz dá vida a uma letra mordaz sobre a hipocrisia social. Lançada em Crime of the Century (1974), a faixa virou um hino inesperado, mostrando como Davies conseguia transformar observações sociais em rock radiofônico – e um baita rock! A junção de sua crítica afiada com a execução impecável no teclado tornou-se um marco da identidade do Supertramp. Quando a ouvi depois de sua morte, chorei com a certeza de que ele vai fazer muita, mas muita falta…

Micael: Esta foi uma das poucas composições de Davies no Supertramp que eu sempre curti. Gosto do ritmo “balançado” do refrão, e da guitarra) bem mais “pesada” que o normal em se tratando de Supertramp) nos versos da canção. Como todas as outras, a versão do disco ao vivo Paris é superior à de estúdio, então, se não conhecem a música, escolham esta para se iniciar.


“Brother Where You Bound” – Brother Were You Bound (1985)

Marcello: A faixa-título do primeiro disco do grupo sem Roger Hodgson; lembro de meus amigos falarem com certa apreensão do disco antes de ser lançado, pois parecia impossível conceber a banda sem o guitarrista/tecladista de voz aguda. Mas o resultado acabou sendo bom (embora me lembre bem que a maioria dos fãs que conhecia na época preferissem o primeiro LP de Roger). Mas o fato é que Rick está totalmente à vontade no comando do grupo, e essa música em particular é bem mais prog que a maioria da discografia do grupo, até pela longa duração; as guitarras de Scott Gorham (ex-Thin Lizzy) e David Gilmour (quem?) são um dos destaques da música, mas toda a banda tem chance de brilhar. O fato de a música ter mais de 16 minutos faz com que as diferentes ideias que surgiram a Davies fossem exploradas mais a fundo, em especial no interlúdio instrumental. Embora a música tenha vários momentos inegavelmente “supertrampianos”, não consigo imaginar Roger Hodgson nela, nem encaixar seus vocais.

Marcelo: A faixa-título do álbum de 1985 é uma das composições mais ambiciosas de Rick Davies. São mais de dezesseis minutos de progressivo puro, com camadas de teclados, saxofones e até a participação de David Gilmour na guitarra. A habilidade de Davies em construir uma narrativa longa, quase cinematográfica, mostra sua faceta mais ousada e sofisticada. Sua voz, grave e expressiva, guia o ouvinte por um comentário político que se mantém atual, reafirmando sua estatura como compositor de fôlego. Se fosse parceiro de Roger Waters, ela estaria em algum álbum do baixista do Pink Floyd depois do The Wall.

Micael: Ainda lembro de quando o Mairon apareceu com este vinil lá em casa. Ele vivia talvez o auge de sua fase “progressiva”, ouvindo muito Yes, Genesis, ELP e coisas afins. Aí chega um disco com uma suíte de quase dezessete minutos, que, por pouco, não ocupa todo um lado do LP (como toda boa suíte prog deveria fazer, ainda que existam honradas exceções), e ainda contando com a participação de David Gilmour, do Pink Floyd, na guitarra. A curiosidade para ouvir a faixa pela primeira vez foi quase do tamanho da decepção depois de escutá-la. Não parecia com o Supertramp que eu conhecia, não parecia com as suítes prog que eu adorava, não tinha o Roger Hodgson (que já havia saído da banda, mas eu, há época, não tinha conhecimento dessa informação)… lembro que achei a faixa chata, arrastada, não me agradou. Foi o que bastou para eu me convencer que o Supertramp sem Hodgson (que sempre foi meu músico preferido no grupo) não era para meus ouvidos (lembro de, depois disso, ainda ouvir o disco Free As A Bird e confirmar ainda mais esta impressão). Ouvi novamente a referida suíte para esta lista (e deve ter sido a primeira vez que o faço em uns 30 anos), e minha opinião não mudou tanto assim. Uma parte um pouco mais rápida e sombria que se repete duas vezes antes dos sete minutos (com uma linha de baixo/guitarra que me lembrou, por algum motivo obscuro, “One Of These Days”, do Pink Floyd) é até bem legal, mas aquele “blues” que começa perto dos sete minutos nem a guitarra do Gilmour (que timbre tenebroso é aquele, aliás?) consegue salvar… Sorte que este trecho é rapidinho, mas o que vem depois não ajuda em nada… um trecho que alterna silêncios com notas soltas de piano e saxofone (além de algumas percussões e o barulho de alguém correndo, talvez pra não ter de ouvir o restante da faixa), outro com um tecladinho repetitivo (e uma percussão chata e deslocada que parece vinda direto da Timbalada), até que, já além dos treze minutos, a linha de baixo que parece Pink Floyd retorna, com a música tendo poucas alterações dali para o final (além de ter outro solo da guitarra pessimamente timbrada de Gilmour). Enfim, com muitas edições e melhoras nos timbres, poderia ser algo que chegasse ao ponto de ser chamado de “épico”. Mas, do jeito que saiu, só me faz ter vontade de ouvir, mais uma vez, “Fool’s Overture”, ainda a melhor suíte que a banda já compôs (e eu já citei aqui que a versão do álbum Paris dessa faixa e das demais é melhor ainda que a de estúdio?).


Cannonball – Brother Were You Bound (1985)

Marcello: “Cannonball” abre o Brother Where You Bound; lembro-me muito bem que foi a primeira música a ser promovida, com um clip que estreou na TV brasileira num sábado à tarde – e acho que não era uma versão editada, e sim a completa com mais de 7 minutos de duração. O longo trecho instrumental ao final e o fato de não haver um refrão para você cantar junto fizeram com que a composição ficasse meio fora do radar para muita gente, mas acho que ela marcou bem o ponto de inflexão na carreira do Supertramp – afinal, era preciso mostrar que o grupo tinha futuro. Infelizmente, o sucesso comercial declinou e, após o álbum seguinte (Free as a Bird), Dougie Thompson também deixou o grupo, que só lançaria mais dois discos de estúdio.

Marcelo: Abrindo o mesmo Brother Where You Bound, “Cannonball” é um exemplo brilhante da capacidade de Davies em equilibrar complexidade e acessibilidade nessa faixa que é o puro suco dos anos 80. O riff de piano hipnótico, baseado em compassos irregulares, cria uma atmosfera de sofisticação técnica, mas a canção nunca perde o apelo popular. É um exemplo claro de como ele conseguia levar o Supertramp além do pop e do rock, introduzindo elementos jazzísticos com naturalidade.

Micael: Várias músicas do Supertramp pós-Hodgson não me descem pelos ouvidos como os clássicos do passado. Esta é uma delas. Talvez seja a produção, os timbres datados de bateria e sopros (entregando a década em que foram gravados), talvez o ritmo mais “dançante” do que o usual em se tratando da banda… Enfim, “Cannonball” não seria uma das minhas escolhas para representar a essência do Supertramp…


“Crime of the Century” – Crime of the Century (1974)

Marcello: Nunca achei o Supertramp uma banda de rock progressivo, contrariamente a muita gente, mas essa música é uma boa defesa para quem os considera como tal. Gosto muito do desempenho de Rick no vocal (considero essa performance uma das melhores de sua carreira no quesito dos vocais), e Roger Hodgson faz bonito numa guitarra meio floydiana, para tudo explodir no final com o belo solo de saxofone de John Helliwell. Crime of the Century é, junto com Breakfast in America, o disco do grupo que mais coloca músicas nas coletâneas, e para mim essa concentração é totalmente justificada. Rick e Roger estavam inspirados como compositores e a banda funcionava à perfeição. “Crime of the Century” é, no meu ponto de vista, uma séria candidata ao posto de melhor música gravada pelo grupo, mas confesso que nunca organizei uma lista nesse sentido.

Marcelo: A faixa que encerra o álbum homônimo é, para mim, a composição mais emocionante de Rick Davies. O piano cria uma base solene, quase fúnebre, enquanto a letra reflete sobre alienação e destino coletivo: “Agora eles estão planejando o crime do século / E então, o que será? / Leia tudo sobre seus esquemas e riscos / É algo que vale a pena / Portanto curve-se e acompanhe, / Como eles estupram o universo; / Como estão cada vez piores! / Quem são estes homens de luxúria, avareza e glória? / Jogue fora as máscaras e vamos ver / Mas não é o correto—Oh não, que história é essa? / Existe você; e existo eu / Isso não pode estar certo”. Sua interpretação vocal transmite intensidade sem excessos, e o arranjo primoroso, um dos melhores da banda, cresce até uma catarse orquestral que imortalizou a canção como um dos pontos altos da discografia do grupo. É a síntese da capacidade de Davies em transformar angústia em arte atemporal. Minha segunda favorita da lista.

Micael: Meu disco preferido do Supertramp é o ao vivo em Paris, de 1979. Esta é a canção que fecha aquele disco, e, meus caros, que canção de encerramento… Ela me causa uma sensação que não sei descrever, parece que, a qualquer momento, aquela “calmaria” que o piano passa vai “explodir” em algo maior, mais “importante”, o que, de fato, acontece após o solo de guitarra (um dos melhores da carreira do grupo, arrisco a dizer), naquele trechinho solo ao piano (em uma cativante melodia que se repete até o final, com pequenas variações), seguido de um dos melhores solos do Helliwell naquele disco. Sempre acho emocionante esta parte final da canção, mesmo já a tendo escutado trocentas vezes ao longo dos anos. E aquele finalzinho remetendo à canção “School”, que abre este álbum e é uma das minhas favoritas na carreira do grupo… Nossa! A versão de estúdio, embora bastante similar, não me causa o mesmo impacto, a banda me parece mais “contida” do que na versão registrada sobre o palco no disco ao vivo. Mesmo assim, talvez seja a minha favorita dentre as escolhidas para esta lista.


“From Now On” – Even in the Quietest Moments (1977)

Marcello: Even in the Quietest Moments é o segundo melhor disco do Supertramp na minha opinião, e essa é uma das melhores dele; lembro bem que quando não gostava do grupo, achava “From Now On” suficientemente interessante para elogiá-la para meus amigos fãs deles. Rick faz uma bela introdução ao piano, que tem o nome “Supertramp” escrito nela, e sua voz está um pouco mais suave nesta música do que em outras, o que não é nenhum problema, e até mostra que o moço tinha mais coisas na cartola do que se pensava. O sax jazzístico de John dá um toque especial à música, e seu trecho final (mais uma vez com o saxofone em destaque) com a repetição (com poucas variações) da última estrofe da letra coloca todas as vozes deles em um belo arranjo, confirmando a maestria de Davies e Hodgson para compor músicas pop bem elaboradas e marcantes. Diferentemente de outras músicas gravadas ao vivo em Paris, essa aqui eu prefiro a versão original.

Marcelo: Presente em Even in the Quietest Moments… (1977), “From Now On” é mais uma das mais belas criações de Rick Davies. O piano maravilhoso que inicia a música conduz a melodia com delicadeza, enquanto sua voz profunda e suave dá corpo a uma reflexão sobre rotina e alienação no trabalho em uma de suas letras mais geniais: “É segunda-feira mais uma vez e, / Estou no lugar de sempre / Com os mesmos velhos rostos, sempre me observando / Quem sabe quanto tempo terei que ficar? / Poderiam ser uns 100 anos, De suor e lágrimas / Desse mesmo jeito / Às vezes eu lentamente me afasto / De toda a rotina pesada / Que está comigo todo dia / Uma fantasia virá pra mim / Diamantes são o que realmente preciso, / Penso em roubar uma loja, escapar da lei / E viver na Itália, / Ultimamente minha sorte tem sido tão ruim / Você conhece a roda da roleta, / Um negócio desonesto, / Estou arremessando tudo que tenho / Em breve, como um homem em fuga / Nunca precisando de ninguém / Brincando de pique-esconde / A semana inteira / Minha vida está repleta de utopia / Acho que sempre terei / Que viver numa fantasia, / é assim que tem que ser / De agora em diante / Pensa que sou louco, posso ver / É cada um por si / Vivendo numa fantasia, / De agora em diante”. É uma canção em que a melancolia se mistura à sofisticação harmônica, evidenciando a faceta mais humana e sensível de Davies. Um exemplo notável de como ele conseguia ser intimista sem perder a grandiosidade, e de como o Supertramp sempre foi uma grande banda!

Micael: Outra faixa que eu considero “típica” das composições de Davies. Os versos meio tristonhos cantados pelo músico levam a outro belo refrão, e um encerramento onde é quase impossível não cantar junto. Para o meu gosto, podia ser um pouquinho mais curta do que é, mas não tenho nenhum problema em colocá-la como uma das melhores desta lista. E já mencionei que a versão do disco ao vivo em Paris é bem superior que a de estúdio? Pois então…


“Gone Hollywood” – Breakfast in America (1979)

Marcello: “Gone Hollywood” abre Breakfast in America, o maior sucesso comercial do Supertramp, e um disco que escancara o fosso que se abria entre Rick e Roger – a maioria das músicas é cantada somente por um deles, com o outro contribuindo com os backing vocals. Esse disco é uma exceção na carreira deles: como mencionei anteriormente, sempre preferi a voz de Rick à de Roger, e de maneira geral sempre gostei mais das músicas em que o nosso homenageado era o vocalista principal, mas isso não ocorre em Breakfast in America, que é o show de Hodgson quase o tempo todo. “Gone Hollywood” foi uma música que só conheci quando mergulhei na discografia do Supertramp, e, embora seja boa, acho que eles fizeram coisas bem melhores, como essa lista comprova.

Marcelo: Essa faixa de Breakfast in America (1979) é outra prova da maestria de Rick Davies. A canção alterna entre momentos de intensidade e sutileza, representando musicalmente a ambivalência do sonho de sucesso. Sua interpretação vocal tem peso e ironia, transmitindo tanto fascínio quanto desencanto. Davies constrói uma crítica embalada em música de alto nível técnico, mostrando como sabia dar voz às contradições de seu tempo; e nesta altura dos comentários sobre as músicas dele, espero que já esteja claro o quão bom letrista ele era.

Micael: Esta é uma faixa que não está tão marcada assim em minha memória afetiva, certamente por não constar do disco gravado em Paris. Uma das canções cantada em dueto entre Roger e Rick (pelo menos na primeira parte), depois tem aquele trecho mais repetitivo no meio que nunca me atraiu muito, voltando depois para o ritmo mais “alegre” do início, apresentando até uma guitarra “pesada”, bem diferente do usual do Supertramp. Talvez pudesse ser incluída na seção de “músicas injustiçadas” da banda, pois é uma que deveria ser mais lembrada do que costuma ser…


“Goodbye Stranger” – Breakfast in America (1979)

Marcello: Embora as músicas mais conhecidas de Breakfast in America sejam aquelas que Roger Hodgson cantou, essa aqui sempre foi a que mais gostei no disco (sim, prefiro-a à muito mais famosa “The Logical Song”). A composição é relativamente simples, sem grandes ousadias nem na melodia nem no arranjo, mas funciona perfeitamente. Não sou muito fã de vocal em falsete, mas confesso que gosto do truque no refrão; um aspecto que sempre achei interessante é a guitarra de Roger que se mantém no fundo, tentando brilhar em vários momentos, mas só explode mesmo no final. “Goodbye Stranger” é uma daquelas músicas que você escuta e fica torcendo para que sejam mais longas do que efetivamente são, mas, no final das contas, passa muito bem seu recado em seis minutos.

Marcelo: Também de Breakfast in America (1979), esse é um dos maiores clássicos do Supertramp e que traz a voz inconfundível de Rick Davies em contraste perfeito com arranjos de guitarra e teclados luminosos. A leveza da melodia não esconde a profundidade lírica, que fala sobre relações passageiras e a liberdade individual. Seu piano dá o contorno essencial à faixa, e o equilíbrio entre sofisticação e fluidez pop mostra como Davies podia soar universal sem perder a autenticidade.

Micael: O maior hit desta lista, e forte concorrente a melhor dela, junto à “Crime of the Century”. Quase todas as minhas músicas preferidas do Supertramp foram compostas por Roger Hodgson, mas esta é uma das raras exceções. Outra faixa típica das composições de Davies, conduzida por seu piano, mas com espaço para o trabalho dos outros músicos se sobressair. O refrão (novamente com ajuda de Roger para ficar ainda mais marcante) é espetacular, e ainda tem a polêmica de quem seriam as personagens “Mary” e “Jane” da letra, com muitos às associando à famosa “Maria Joana”, se é que me entendem… Enfim, esta é daquelas que todo mundo já escutou ao menos uma vez na vida, mesmo que não saiba quem é a banda que a executa. Uma das poucas faixas compostas por Rick na banda que, realmente e com todo o merecimento, merece ser chamada de “clássico”, ao menos para mim.


“My Kind of Lady” – … Famous Last Words (1982)

Marcello: A simpática paródia de rock’n’roll cinquentista sempre ficará marcada para mim pelo belo clip em preto-e-branco, com Rick à frente da banda com o cabelo cheio de brilhantina (e a garota com a saia girando como um LP ao som do excelente sax de John ao final). Mais uma vez, o falsete é usado nos vocais com grande efeito, ajudando a dar variedade à música. O belo arranjo de vocais também contribui bastante para o efeito final dessa música divertida e simples, quase inconsequente, que brilha num disco que até hoje deve ser difícil de ouvir por parte dos fãs do Supertramp, pois marcou o fim da formação clássica do grupo; … Famous Last Words é provavelmente o disco mais fraco dentre os cinco que Rick, Roger, John, Bob e Dougie Thompson gravaram, mas tem seus bons momentos e essa música é possivelmente o melhor deles.

Marcelo: Lançada em … Famous Last Words… (1982), essa balada pop revela o lado romântico de Rick Davies. Seu piano é elegante e sua voz, mais suave, transmite ternura e sinceridade. A canção mostra que, além da ironia e da crítica, ele também sabia criar momentos de delicadeza. É um registro de sua versatilidade como compositor, capaz de ir do progressivo grandioso à simplicidade emocional de uma balada sem soar deslocado.

Micael: Quando decidimos fazer esta lista, fui buscar o clipe desta faixa no youtube, e, nele, a banda age como se estivesse naqueles programas musicais de auditório dos anos 1950 ou começo dos 1960. E parece que é de lá que esta balada veio, apesar dela ser de 1982. Ritmo, timbres, até o solo de Helliwell no finalzinho da faixa parecem ter sido gravados pelo menos trinta anos antes do que realmente foram. Como já falei aqui sobre outras composições de Rick para o Supertramp, é outra faixa com um belo refrão, tendo o piano como destaque, e onde os vocais de Roger acabam fazendo a diferença. Mas não é das que mais me chamam a atenção na carreira da banda, embora, nesta lista aqui, acabe sendo um dos destaques.


“Rudy” – Crime of the Century (1974)

Marcello: Um dos “mini-épicos” que fazem com que o Supertramp seja considerado (erroneamente, na minha opinião) um grupo prog, “Rudy” é uma música que eu gostava sem nunca ter descoberto o título. O piano de Roger é provavelmente o grande destaque da música, mas o interlúdio instrumental que começa aproximadamente na metade dela mostra que a banda como um todo estava bem afiada, e quando Roger e Rick “duelam” cantando solo, a gente percebe o quanto os dois vocalistas se completavam bem. O acompanhamento de cordas em alguns momentos da música é um detalhe a mais, sem jamais ser intrusivo, embelezando a melodia sem nunca se tornar um foco de atenção. Tudo considerado, “Rudy” é mais uma das ótimas composições de Crime of the Century que poderiam estar no topo da lista d:as minhas favoritas do grupo.

Marcelo: Presente em Crime of the Century (1974), “Rudy” é uma das composições mais elaboradas de Davies. Com quase oito minutos, a faixa é um retrato de solidão e desajuste social. O piano guia uma narrativa que se expande em arranjos complexos, alternando entre introspecção e explosões instrumentais. A interpretação vocal é carregada de empatia, fazendo de “Rudy” um dos personagens mais memoráveis do universo do Supertramp. Aqui, Davies prova como era capaz de unir técnica refinada, emoção e narrativa em uma só peça.

Micael: Mais uma faixa que faz parte do disco ao vivo em Paris, mas, neste caso, é uma das que nunca me chamou muito a atenção. Não a acho tão cativante quanto outras faixas daquele disco (embora curta bastante aquele trecho mais rápido na parte final), e, a meu ver, é uma das que poderiam ter sido trocadas por músicas como “Sister Moonshine”, “Lady” ou “Give a Little Bit” (esta, para mim, a maior ausência no track list daquele álbum) na hora de “montarem” o disco ao vivo em Paris.

2 comentários sobre “Minhas 10 Favoritas de Rick Davies

  1. Eu tenho muito orgulho em fazer parte deste site e ter meus colegas como parceiros para todo momento: essa lista surgiu de uma sugestão do Marcello em meio aos nossos pesares sobre a morte de Rick Davies e, assim como foi com o Ozzy, tenho a certeza de que fizemos uma bela homenagem, todos os textos estão excelentes.

  2. Para um texto que surgiu quase que de improviso em um papo casual entre nós, esta homenagem a Rick Davies até que se saiu muito bem (embora as maiores críticas tenham sido da minha parte, que, como confessei, sempre fui mais fã de Hodgson do que do homenageado). Fico no aguardo das opiniões dos outros consultores, pois sei que vários deles também curtem o Supertramp, embora não tenham participado deste texto, até pela “correria” que fizemos para organizar tudo!

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