45 Anos de Sentinela

45 Anos de Sentinela

Por Mairon Machado

Têm coisas que nossa memória realmente não consegue guardar, e outras que a gente guarda fácil. Em termos de música, muitos artistas me marcaram quando eu vi/ouvi pela primeira vez, e outros eu não tenho nem ideia de quando foi que ouvi/vi pela primeira vez. Tratando-se do carioca Milton Nascimento (sim, ele nasceu no Rio, em 26 de outubro de 1942, apesar de ter feito o sucesso em Minas Gerais), minha primeira lembrança que me vem à mente é de ver vinis dele na casa do meu padrinho e de minhas primas, mas lembrar da primeira vez que eu o ouvi, ah, isso eu não lembro, já que o Bituca era algo comum em trilhas e aparições de novelas e programas da Globo durante minha infância nos anos 80.

Porém, contudo, todavia, eu lembro claramente de ver uma apresentação os mineiros da Uakti num programa da TV Cultura, por volta dos meus 10 anos de idade. Naquela apresentação, fiquei impressionado como os caras conseguiam tirar música de instrumentos tão diferentes e complexos, como canos, latões, e até uma intrincada engenhoca com água que sim, criava música. Ali minha paixão a primeira vista pelo Uakti surgiu, tanto que foi um dos primeiros grupos que, quando já adulto, fazendo mestrado em Porto Alegre, fiz questão de ir assistir, e guardo as memórias daquele espetáculo belíssimo no Salão De Atos da PUC de maio de 2005, com honra de ter presenciado e vivido momentos intensos com esse verdadeiro patrimônio da Cultura nacional.

Milton ao vivo, ao lado da Uakti

Para os curiosos, o nome vem da lenda do índio Tukano Uakti. Vivendo às margens do Rio Negro, o índio era conhecido por atrair as mulheres de sua tribo através dos sons encantadores tocados pelo vento ao passar por buracos de seu corpo. Com o encantamento das mulheres, que se derretiam com aqueles sons, os homens, enciumados, mataram e enterraram Uakti. Porém, sobre seu corpo nasceram palmeiras que foram usadas pelos índios para construir instrumentos musicais, os quais reproduziam os sons do corpo de Uakti. E através dessa lenda que a Uakti é formada em 1978.

Eis que o tempo passou, meu amor por Elis Regina cresceu a partir dos anos 2000, juntamente da fixação pelo Som Imaginário, e com isso, meu interesse por conhecer as versões originais de canções de Milton Nascimento gravadas por Elis me levaram a comprar – na boa época do desapego dos vinis – Milagre dos Peixes Ao Vivo (1972, com a presença sublime do Som Imaginário) e a dupla Minas (1975) e Geraes (1976). Cara, ouvir esses discos foi aquele baque. A obra de Milton era muito mais ampla e diversificada do que eu pensava imaginar. Adorei o que ouvi, e fui buscar a discografia de Milton, que é inteiramente recheada de (muitos) altos e (incontáveis) baixos. Gosto muito dos lançamentos do Bituca entre 1969 e 1980, período este que começa com o álbum Courage e vai até justamente Sentinela, lançado em 1980, e que marca a estreia da Uakti em estúdio.

Um timaço de estrelas em 1979, durante a gravação de Essa Mulher: Mazzola, Cauby Peixoto e Elis Regina (ao fundo, de óculos, Hélio Delmiro)
Parte do encarte pôster de Sentinela

O disco mantém o padrão do que havia sido apresentado nos antecessores Milton (1977) e Journey to Dawn (1979), que é a mistura de temperos mineiros com o jazz estadunidense, e bastante experimentação de harmonias vocais, assim como o uso de instrumentos elétricos que ligam o som de Milton facilmente ao rock dos imortais Clube da Esquina. É a estreia da gravadora Ariola no Brasil, e a primeira vez que alguém produz um álbum de Milton Nascimento – que sempre se auto-produziu -, no caso o super engenheiro musical e produtor Mazzola, que amplia a sonoridade mineira dos discos anteriores. Isso por conta de sair dos tradicionais estúdios da EMI, onde os discos de Milton haviam sido gravados até então, e ir para os modernos estúdios de 24 canais da Transamérica de São Paulo e Rio de Janeiro.

Mazzola levou a mixagem do álbum para os Estados Unidos, mixando junto de Humberto Gatica, famoso engenheiro chileno que havia trabalhado com nada mais nada menos que nomes como Duke Ellington, Dizzy Gillespie, Count Basie, Chicago, Tina Turner, entre outros, e que veio a gravar o mega-clássico “We Are The World”. Gatica e Mazzola aproveitaram para masterizar o disco no emblemático Sterling Sound de Nova Iorque, com seu famoso equipamento valvulado. Tudo isso amplia e amplifica a sonoridade do disco. Para finalizar, a entrada da Uakti apimenta ainda mais o som de Sentinela, que ainda conta com um timaço na parte instrumental, a saber Wagner Tiso (piano, teclados), Paulinho Carvalho e Luiz Alves (baixo), Toninho Horta (violão e guitarras) e Robertinho Silva (bateria).

Dois gigantes responsáveis pela grandiosidade de Sentinela: Mazzola (acima, ao lado de Milton) e Humberto Gatica (abaixo), ao lado de nada mais nada menos que Michael Jackson, durante as gravações de “We Are The World”

Aqui vai mais uma mão de Mazzola, que tirou a pele da frente do bumbo e colocou um paralelepípedo e um cobertor dentro dele, arte adaptada através da incrível genialidade criativa do igualmente excepcional Gatica, e que também foi empregada pela primeira vez em terras brasilis. Com 24 canais, Mazzola colocou dois microfones dentro do bumbo, e microfonou pratos, caixa e tons, outra coisa totalmente inédita. Para fechar com chave de ouro, há uma série de convidados mais do que especiais. Vamos às canções.

Vocalizações de Milton fazem a vinheta de “O Velho”, abrindo o lado intitulado UM LADO, levando então à percussão da Uakti e do violão de Tavinho Moura e Toninho Horta na caipira “Peixinhos do Mar”, a qual traz também participação do coral Falta de Couro (uma verdadeira aglomeração de quase 90 vozes diferentes, incluindo Tunai, Fernando Brant, Otávio Bretas, e muitos outros). O instrumental criado pela Uakti é brilhante, e muito inovador. A percussão da Uakti surge com flauta e camadas de sintetizadores em “Tudo”, uma faixa com um ritmo progressivo que iria agradar o Robert Fripp do início dos anos 80. A voz de Milton abrilhanta essa bela faixa, dominada pela percussão, piano elétrico, sintetizadores e muitas camadas de teclados a cargo de Wagner Tiso, além de uma bela orquestração de 16 violinos, 4 violas e 4 cellos arregimentada pelos excepcionais Paschoal Perrota e Aizik Geller, em uma mistura muito interessante musicalmente, contando também com as flautas sintetizadas de Milton e Tiso.

Tiso e Milton ao vivo (acima) e em estúdio (abaixo)
Compacto promocional de “Coração de Estudante”, lançado por Wagner Tiso

Violão e piano trazem uma das introduções mais conhecidas da carreira de Milton, com as emocionantes vocalizações da Boca Livre complementando tudo na lindíssima “Canção da América”. Lançada um ano antes pelo 14 Bis em seu álbum de estreia, mais um daqueles discos atemporais que a música brasileira criou, com um lindo arranjo vocal e a participação do Cello de Alceu de Almeida Reis, aqui ela ganha sua versão definitiva.

Que música bela, que interpretação sensacional de Milton, arrepiante, e que instrumental tocante. A mesma orquestra de “Tudo” se repete, e está fantástica aqui, e outro músico que se destaca é Robertinho Silva. O quarteto Boca Livre, formado por Maurício Maestro, Zé Renato, David Tygel e Lourenço Baeta, dão mais dramaticidade para essa faixa espetacular, e não à toa “Canção da América” se tornou um clássico atemporal, pois é realmente uma das mais belas canções da MPB. Em 1985, ela foi revisitada por Wagner Tiso, em um compacto com a versão original, lançada em Sentinela, no lado B.

Uma das principais frases de Bertold Brecht, traduzida para o espanhol, introduz “Sueño Con Serpientes”, através da voz de nada mais nada menos que Mercedes Sosa, que arrasa nessa faixa fantástica, onde novamente, a percussão da Uakti dá um toque todo especial para as vozes unidas de Mercedes e Milton, além do tocante violão de Toninho Horta e do piano de Wagner Tiso. Sensacional! A guitarra volta a ser fazer presente em “Roupa Nova”, comandada por Ricardo Silveira, faixa que poderia tranquilamente estar em Clube da Esquina, e sem a presença da Uakti, se torna uma faixa bem mais acessível e radiofônica, mas que em nada diminui a qualidade de Sentinela. A breve vinheta “Povo da Raça Brasil” possui apenas os vocais do Coral Falta de Couro, regido por Hélio Delmiro sob o orgão elétrico de Tiso, fechando o lado A.

Milton e Mercedes Sosa

Então, Milton surpreende em OUTRO LADO (o famoso lado B) com os cantos gregorianos da faixa-título, e prepare-se para o que virá aqui. Essa faixa foi originalmente gravada em Milton Nascimento (1969), mas com um arranjo totalmente diferente, levada pelo dedilhado de violão. Aqui o arranjo é soberano, e muito superior do que o disco de 69. A canção foi gravada na capela do Colégio Notre Dame, na data de 9 de julho de 1980, com arranjo orquestral para 12 violinos, 4 violas e 4 cellos, novamente arregimentada por Paschoal Perrota e Aizik Geller. Os cantos gregorianos surgem de cara, para Nana Caymmi entoar um breve poema, voltando aos cantos gregorianos do coro de Beneditinos, composto por nove vozes, fazendo a melodia vocal sobre o órgão de Tiso, que preenche a casa junto dos emocionantes vocais de Nana.

Caralho, arrepio só de lembrar Nana cantando “longe longe ouço essa voz que o tempo não vai levar” sobre o órgão, trazendo então a bateria de Robertinho, o dedilhado do violão de Toninho Horta e a retumbante voz de Milton. Lágrimas já surgem de seus olhos (assim como foi em “Canção da América”), e então a orquestra entra junto, arrepiando, e “Sentinela” vai ganhando força. Piano acústico, violão, percussão e solos de guitarra vão complementando a canção, com um show vocal a parte tanto de Milton quanto de Nana, para então, a canção se transformar em um quase jazz no seu instrumental, com a dupla Milton e Nana mandando ver nos vocais. Que música, que obra-prima genial! O solo de Hélio Delmiro na guitarra, os vocais, a orquestração, as batidas firmes de Robertinho Silva com uma orquestração fantástica, levam ao encerramento dessa incrível canção com o vocal de Milton e Nana ainda mais alto, trazendo novamente os cantos gregorianos e concluindo esse espetáculo de arte em forma de música após delirantes 8 minutos, novamente com a sensacional participação do canto gregoriano.

Milton e Nana Caymmi

Daqui para diante não precisava ter mais nada, o mundo podia parar, mas Milton segue com a qualidade musical lá em cima, e com o órgão de Tiso, e mais uma sensacional orquestração, surge a emocionante “Caicó”, clássico tema folclórico com música de Villa-Lobos e letra de Teca Calazans, e que foi adaptada por Milton. Acompanhado pela orquestra de “Tudo” e “Canção da América”, temos um show vocal nos falsetes de Milton aqui. A instrumental “Bicho Homem” é bastante percussiva, com vocalizações, palmas e um saltitante piano comandando o ritmo de uma boa canção, que também poderia estar em Clube da Esquina, levando para “Itamarandiba”, uma linda homenagem à cidade mineira, localizada perto do Parque Estadual da Serra Negra, no norte de Minas, e que nessa balada, é descrita lindamente por Milton, a cidade do povo que mora no vale, cujo caminho as mulheres são morenas e os homens serão felizes como se fossem meninos, contando também com a orquestra de 16 violinos, 4 violas e 4 cellos e o encantador piano de Luiz Avellar.

Fechando este discaço, o violão e o piano elétrico introduzem “Um Cafuné Na Cabeça, Malando, Eu Quero Até De Macaco”, uma faixa tocante, onde o vocal de Milton é o grande destaque na sua primeira parte, enquanto na segunda parte, o Uakti surge com seus inventivos instrumentos, mostrando ao mundo o brilho da Oficina Instrumental, sob a voz da atriz Leila Diniz, falecida em 14 de junho de 1972 em um acidente aéreo, aos 27 anos. Ela entoa o poema que fôra cantado por Milton, para Sentinela se encerrar com um curto trecho de “Peixinho do Mar”, cantado em coro pelo Falta De Couro, com a mensagem “nós queremos é guerrear” ficando em nossa mente.

Cartaz promocional da turnê de Sentinela pela Argentina

No ano seguinte, a Uakti lança seu primeiro disco de estúdio, o espetacular Oficina Instrumental, enquanto Milton estoura novamente com Caçador de Mim, disco bem aquém deste aqui, e apesar da ousadia de novamente gravar em uma igreja, dessa feita o interessante Missa dos Quilombos (1982), registrado na Igreja de Nossa Senhora Mãe Dos Homens, Caraça, MG, um disco totalmente atemporal e diferente na carreira de Milton, composto junto de Pedro Casaldáliga e Pedro Tierra, e do regular Ᾰnῐmᾰ, também de 1982, tendo mais uma vez a Uakti e com ótimas canções vide “Evocação Das Montanhas (Poema Sonoro)”, “As Várias Pontas De Uma Estrela” e a linda homenagem para Elis Regina (que havia falecido pouco tempo antes do lançamento do disco) com “Essa Voz”, mas outras nem tanto, como a caipira “Coração Brasileiro”, e as puramente oitentistas “Certas Canções” e “Teia de Renda”, acho que Milton só conseguiu recuperar qualidade com Angelus (1993), trazendo diversas participações especiais. Mas isso é assunto para outras postagens. Ouçam Bituca, ouçam a Uakti, e principalmente, valorizem o som das Geraes.

Contra-capa de Sentinela

Track list

          Um Lado

  1. O Velho
  2. Peixinhos Do Mar
  3. Tudo
  4. Canção Da América
  5. Sueño Con Serpientes
  6. Roupa Nova
  7. Povo Da Raça Brasil
    Outro Lado
  8. Sentinela
  9. Cantiga (Caicó) Tema Folclórico
  10. icho Homem
  11. Itamarandiba
  12. Um Cafuné Na Cabeça, Malandro, Eu Quero Até De Macaco
  13. Peixinhos Do Mar

5 comentários sobre “45 Anos de Sentinela

  1. Você fala das lágrimas que surgem de seus olhos na faixa título, bem como diz também que chora em “Canção da América”. Falemos de lágrimas então: ler seu texto me fez chorar, sério. Excelente sua resenha, sobretudo por dar o devido destaque ao Uakti, ao Mazolla, ao Gatica, Wagner Tiso, Paulinho Carvalho, Luiz Alves, Toninho Horta, Robertinho Silva e um dos caras mais geniais deste país e que ninguém, praticamente, conhece: Hélio Delmiro. Me emociono, de verdade, quando vejo um time ser homenageado, e a tradição da crítica de arte e do jornalismo costuma ser a de focar no artista principal. Parabéns por isso, pois corrobora uma de minhas teses, que é a de, muitas vezes, acharmos que a sonoridade de uma banda ou artista é dessa banda e desse artista quando, na verdade, há verdadeiros mestres da sonoridade que não recebem os seus devidos créditos.
    Continuemos a chorar: eu me emociono de corpo e alma com “O Velho”, ancestral, remota, de tempos idos de nossas senzalas, de nossos pretos-velhos, de dores infindas de castigos e açoites, vozes de um passado das Geraes… Arrepio e choro só de pensar e de ouvir aqueles 37 segundos de algo de espírito que não consigo explicar; para mim, uma das coisas mais mágicas já feitas na música de qualquer canto do mundo, dá um nó na garganta e mais vontade de chorar.
    “Sueño con serpientes” é dessa mesma linhagem, é latina e mineira, é andina e das Geraes, é da América do Sul e de qualquer Brasil. Choro copiosamente com essa faixa, como pode tanta emoção?
    “Roupa Nova” é, categoricamente, umas das melhores músicas do Milton, dentre as suas 5 melhores, certeza – e olha que o sujeito tem umas 30 melhores músicas de todas. Emocionante, delirante, de chorar e chorar.
    “Povo da Raça Brasil” nos remete a esse Brasil que sofre um eterno apagamento histórico, de nossas tradições, de nosso folclore, de nossa gente e de nossa dor de escravidão e negritude. Lágrimas.
    “Bicho Homem” me faz crer que, naqueles batuques dos escravos, havia alguma alegria em forma de esperança, mesmo em meio a tanto chicote, tanta tortura, tanta violência sexual contra as negras, me sinto em danças circulares ancestrais e penso que Milton está certo em nos trazer essa intensa e densa ciranda. Choro.
    E “Itamarandiba”?! Uma das mais subestimadas canções de Milton Nascimento, daquelas que só ele sabe fazer: transformar uma geografia em som. Choro de caminhar por esse som no caminho dessa cidade. E sigo chorando, pois é ouvir e me lembrar dessa cidadezinha mágica, que respira história em cada canto, lá do interior de Minas Gerais. Se nunca foi, vá, ela fica no Alto Vale do Jequitinhonha, deve ter uns 30 mil habitantes no máximo, um lugar tão especial que tem Mata Atlântica de um lado e o cerrado do outro, a geografia é marcada pela Chapada e Serra do Espinhaço, ambas tombadas pela UNESCO. Se nunca foi, saiba que é o que se ouve na música. O choro, aqui, é de saudades de lá.
    Enfim, Mairon, da discografia do Milton, não é o melhor na minha opinião, mas é O QUE MAIS ME EMOCIONA. Você pegou pesado. Obrigado por registrar aqui na Consultoria essa obra-prima, tenho cada vez mais orgulho de fazer parte daqui.

  2. Puxa Marcelo, muito obrigado por complementar tão bem este modesto texto. Tuas palavras me deixaram comovido aqui. Obrigado, de coração. Uma retribuição dessas vale muito fazer o que fazemos no site.

    Vamos lá:, alguns breves comentários sobre seu retorno:
    ” muitas vezes, acharmos que a sonoridade de uma banda ou artista é dessa banda e desse artista quando, na verdade, há verdadeiros mestres da sonoridade que não recebem os seus devidos créditos.”

    Então, concordo fortemente. Um belo exemplo foi quando ouvi o álbum Estrela, Estrela, do Vitor Ramil, pela primeira vez. Ao longo da audição, encontrava muita semelhança com sons das Geraes e também da Azymuth. E não é que quando fui ver os músicos, era a mesma galera que acompanhava Milton e também a trupe de José Roberto Bertami??? Então, estava certo minha ideia de que o som eram os caras que o criaram, mesmo não sendo Milton quem cantava.

    “eterno apagamento histórico, de nossas tradições, de nosso folclore, de nossa gente e de nossa dor de escravidão e negritude”. Fica aqui a questão de como Milton quis levar adiante o projeto Missa dos Quilombos, e que bom que foi gravado e apresentado. Ao mesmo tempo, gostaria de saber como foi o impacto na época de seu lançamento.

    Por fim: ” não é o melhor na minha opinião, mas é O QUE MAIS ME EMOCIONA. Você pegou pesado”
    Difícil dizer qual o melhor, diria que é Milagre dos Peixes, mas olha, realmente, Sentinela é emocionante demais. E pegar pesado é o mínimo para um peso pesado como Milton.

    Abraços e muito obrigado

  3. Dentro da discografia do Milton Nascimento, para mim, fã de longa data, “Sentinela” foi o seu último sopro de genialidade. Depois, foi um requentar de fórmula, com alguma coisa brilhante aqui e ali. O único álbum que, depois de “Sentinela”, conseguiu restaurar em parte a dignidade da obra do Bituca foi “Nascimento”, de 1997. Apesar de reconhecer a grandeza do arranjo dessa versão de “Sentinela”, com Nana Caymmi arrasando, ainda prefiro a original de 1969, com orquestração de Luiz Eça, por ser mais pé no chão (a propósito, tem uma versão de 1969, no Lp “Andança”, de Beth Carvalho, com o violão do Milton e os backing vocais dos Golden Boys). No álbum que completa 45 anos, há duas maravilhas do grande Bituca: “Tudo” e, principalmente, “Itamarandiba”. Tinha onze anos, quando o meu irmão comprou esse disco. Nessa idade, eu não tinha noção do que é um arranjo, mas o fascínio me preencheu. Aliás, o cara não precisa ser católico para apreciar a beleza de uma catedral, certo? Milton é isso: catedrais fincadas no meio das Minas Gerais, fascinantes, simples, espirituais. “Os homens serão felizes como se fossem meninos”. “Barco é só um nome, e é tudo de você, é chamada, é vinda, é o fundo, é se ver”. “Homem que é homem não perde a esperança não”. “Amigo é coisa para se guardar no lado esquerdo do peito, mesmo que o tempo e a distância, digam não, mesmo esquecendo a canção”. São orações como essa que ouvi, mesmo sem entender, na catedral erguida por Milton Nascimento e seus amigos nesse álbum. Hoje elas fazem sentido, pois, de certo modo, ajudaram a construir o homem que hoje sou.

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