A Young Person’s Guide To: Robin Trower

A Young Person’s Guide To: Robin Trower

Por Marcelo Freire

Com esta postagem, realizo um sonho: o de participar do site Consultoria do Rock, que já há um bom tempo leio diariamente e que faz parte da minha formação cultural.

Ao mesmo tempo, inauguro uma nova coluna por aqui, que diz muito sobre o que o site sempre foi para mim: um guia. O título (o leitmotiv, digamos assim), veio de uma sugestão do Mairon em uma de nossas conversas no grupo do WhatsApp: A Young Person’s Guide to King Crimson foi uma coletânea de 2 LP’s lançada em fevereiro de 1976, após a separação aparentemente irrevogável da banda no ano anterior. Até aí, tudo bem – o ponto do qual parto para, a partir da sugestão do Mairon, criar a coluna e dar-lhe um conceito é o seguinte: a seleção das faixas ficou a cargo de Robert Fripp.

A belíssima capa de A Young Person’s Guide to King Crimson que, tal qual a contracapa, apresentava obras de arte do artista escocês Fergus Hall (essa chama-se The Landscape Player).

Este álbum duplo compilado por Robert Fripp reuniu uma excelente, embora um tanto idiossincrática, análise dos sete anos do grupo, com seu conteúdo variando de clássicos irrepreensíveis a raridades inimagináveis. É no termo idiossincrático que me apoio, já que a palavra “guia” é um substantivo que, etimologicamente, surge como uma forma derivada do verbo “guiar”. Este verbo, por sua vez, tem origem no latim medieval “guidare”, que se refere ao ato de conduzir, orientar ou mostrar o caminho. Em resumo, a palavra “guia” tem uma trajetória etimológica que a liga ao conceito de “orientação”, “condução e auxílio em um percurso ou jornada”. Assim, esta coluna não é um espaço de “minhas músicas favoritas de fulano de tal” (já temos essa coluna), ou mesmo de “as melhores músicas de beltrano de tal”. Aqui é um espaço em que o colunista criará o seu guia, idiossincrático e peculiar, de um artista ou banda, que pode sim conter aqueles clássicos irrepreensíveis e, por que não, aqueles inusitados lados B obscuros.

Esta coluna não tem como propósito contar a biografia (ainda que apresente alguns pontos) de ninguém, nem a história completa, muito menos abordar a discografia completa de nenhum músico. Um guia de viagem, por exemplo, pode ser abrangente em torno dos pontos turísticos clássicos, pode ser temático, intuitivo, diferentão, e por aí vai. Aqui, é fundamental que você se deixe guiar e que cumpra com as etapas propostas de quem te guia pelos percursos sonoros de um artista ou banda com uma proposta de audição, com a proposta estabelecida por seu guia. Pegaram a visão? Este nosso A Young Person’s Guide representa a nossa curadoria idiossincrática para uma coletânea imaginária do artista escolhido, tal qual Fripp fez com a sua banda e como fazíamos, no século passado, quando tínhamos apenas uma fita cassete e vários discos para escolhermos as que mais gostávamos e que coubessem ali naqueles 60 minutos, 30 de cada lado.

Trower lotando estádios nos EUA lá pelos idos de 1974 e com seu Bridge of Sighs vendendo igual água no deserto

Posto isso, após essa introdução, comecemos a ouvir Robin Trower, o único guitarrista que se aproxima de Jimi Hendrix. Em uma escala de notas, eles praticamente empatam – se por um lado, Hendrix é um guitarrista em termos de técnica e estilo nota 10 e Robin Trower é nota 9, por outro lado Trower é um compositor melhor do que Hendrix, ganhando de 10 a 9. Para o desempate, no critério genialidade, Hendrix novamente tira 10, enquanto Trower fica com 9.

Mas o que une o norte-americano Hendrix e o inglês Trower, deixando-os à frente de todos os demais guitarristas do planeta? Ambos são os únicos que não tocam guitarra, e sim a canção. Li certa vez que Ringo Starr doesn’t play the drums, he plays the song, e o mesmo cabe aos dois mestres das 6 cordas. No álbum do King Crimson há 15 músicas – fiz aqui o mesmo, considerando 14 músicas (7 de cada lado, afinal 7 é o número da perfeição) e uma faixa escondida. Todos prontos?


LADO A
1. “Day of the Eagle” – Robin Trower Band, Bridge of Sighs (1974)
Todo grande artista, tal qual toda grande nação ou mesmo todo grande time de futebol, tem um hino, e esse é o de Trower. Portanto, como todo bom guia, aqui vai a recomendação: se quiser ter algo do Robin Trower em sua estante, compre esse disco, o segundo álbum solo do ex-guitarrista da mítica Procol Harum. Bridge of Sights foi produzido pelo organista Matthew Fisher, ex-colega de banda de Trower no Procol Harum, e o fabuloso engenheiro de som dos Beatles, Geoff Emerick, foi o responsável pelo som dessa obra-prima. Acompanhado por James Dewar, o cantor e baixista mais subestimado e emocionante de todos os tempos, e por Reg Isidore (que também gravou com Richard Wright, Peter Green e Jimmy Witherspoon) na bateria, o que temos aqui é um registro do melhor power trio de todos os tempos – esqueça Rush, Cream, Police, o próprio Experience de Hendrix, pois basta ver qualquer vídeo deles no YouTube para entender que todos tocavam a música e não uma base para a guitarra se destacar. “Day of the Eagle” tem, condensados em seus 4 minutos e 49 segundos, tudo deste grande guitarrista que, aos 80 anos, está em atividade, produzindo e fazendo shows (tem a agenda dele no seu site, daqui a 2 semanas, por exemplo, no dia 14/5, tem show dele em Buxton, no Reino Unido – pesquise por suas apresentações neste ano e veja como o homem continua formidável): a sonoridade única de sua guitarra, reconhecível ao longo de décadas e em todos os seus discos, os excelentes músicos que só ele sabe escolher para acompanhá-lo, o suingue, o groove e a psicodelia que lhe são peculiares. Ritmo e intensidade na medida certa, essa é uma música que, se não tocar no meu enterro, eu nem vou. Ah, e tem James Dewar… Como cantava fácil esse sujeito! Recomendo que, depois de ouvi-la na versão original, busque incansavelmente as versões disponíveis no YouTube ao vivo para perceber a simbiose desse povo e a mágica dessa canção.

Dewar, Trower e Isidore: matadores ao vivo.

2. “I Can’t Wait Much Longer” – Robin Trower Band, Twice Removed from Yesterday (1973)
Essa é de seu primeiro disco solo e a melhor música para você entender os climas etéreos que somente Robin Trower sabia criar – e que com o acompanhamento dos já mencionados James Dewar e Reg Isidore tornavam-se perfeitos. Faixa de abertura do disco, estabelece o que devemos esperar do restante da obra e te apresenta com todas as credenciais o nosso artista. Ouça-a de noite e com fones de ouvidos no escuro. Batida precisa, tal qual um relógio, de Isidore e os vocais magníficos de Dewar são a cozinha perfeita para o lamento da guitarra de Trower, em um andamento mais lento tão característico que nenhum outro guitarrista conseguiu desenvolver como estilo tal qual ele. Ela é doída e angustiantemente linda – e que baixo de Dewar! Falaremos mais de sua contribuição à música de Trower adiante.

3. “Hannah” – Robin Trower Band, Twice Removed from Yesterday (1973)
Selecionei essa para deixar claro que esses climas etéreos são o auge desse artista e a sua marca inimitável. Terceira faixa do mesmo álbum da música anterior, alerta o ouvinte a desacelerar e se preparar para ouvir esse álbum com a reverência necessária. Ainda que ela tenha uma quebrada de ritmo ali por volta dos 2:20, o clima espacial deste rock hipnótico se mantém mágico. Espécie de marcha fúnebre em forma de blues, a sonoridade evoca uma tristeza contemplativa. Tudo na música é contido, repleto de solenidade, mas carregado de tristeza, em que o vocal de James Dewar e a guitarra de Robin Trower se entrelaçam. Essa é para ficar ouvindo por longos períodos.

Robin Trower (sentado) à frente da Procol Harum, em 1968

4. “Whisky Train” – Procol Harum, Home (1970)
Não, não vou colocar em nossa coletânea a indefectível “Whiter Shade of Pale” – mas como ela é daqueles clássicos incontornáveis, trago algo saborosíssimo que se relaciona a ela. “Whisky Train” é Robin Trower puro (como você já passou por “Day of the Eagle”, está pegando o jeito da coisa). Essa composição é de autoria de Trower (música) e Keith Reid, letrista da banda Procol Harum, que morreu aos 76 anos recentemente, em março de 2023. Reid foi coautor da música “Whiter Shade of Pale”, trilha sonora da década de 1960. “Suas letras eram únicas e ajudaram a moldar a música criada pela banda. Suas palavras imaginativas, surreais e multifacetadas foram uma alegria para os fãs do Procol e sua complexidade de design foi uma adição poderosa ao catálogo do Procol Harum. Nossos pensamentos vão para sua família e amigos“, diz a nota da banda quando de sua morte. Eu concordo. No entanto, essa faixa selecionada para a nossa coletânea é Robin Trower já dando seus sinais do que tinha em mente para as próximas cinco décadas e meia de sua vida, groove e blues temperando seus rocks gostosos de ouvir. Ainda não tem seus timbres e notas que lhe tornaram característicos, e nem a química atingida em seu poderoso power trio de 1973, mas já o reconhecemos em meio ao som do Procol Harum. Como teste, ouça-a no álbum do Procol Harum (é a 1ª faixa) e siga ouvindo a segunda, “The Dead Man’s Dream”, que tem música de Gary Brooker e letra do mesmo Reid, e entenderá do que estou falando, pois essa sim é Procol Harum, enquanto a nossa escolhida é Robin Trower, basta perceber a abertura da faixa, somente com a guitarra de Trower, e a cozinha pulsante que vem logo na sequência, e me diga o que acha.

5. “Chills and Fever” – The Paramounts, The Paramounts at Abbey Road 1963-1970 (1998)
Toda boa coletânea do selo CR (Consultoria do Rock) tem suas raridades! Aqui, nesta faixa perdida nos arquivos dos estúdios Abbey Road, temos um ótimo registro de 1964, bem gravado e tocado, do The Paramounts, a primeira banda da qual Robin Trower fez parte e que é o embrião do Procol Harum, de uma versão da original composta por Robert La King e gravada por Freddie Houston (se você procurar no YouTube a versão original, não vai acreditar de que se trata da mesma música). No geral, o The Paramounts foi mais uma das centenas (centenas mesmo) de ótimas bandas de um cenário que tinha no topo Beatles e Rolling Stones. Ainda assim, ela é um rock que, depois de conhecer o repertório de toda a carreira de Trower, tem a sua marca, ainda que em um formato padrão de canção. Como curiosidade, eles têm uma versão de “Pride and Joy” do Marvin Gaye bem bacana também.

6. “Go my Way” – Robin Trower, Go my Way (2000)
Sabem de uma coisa? Robin Trower nunca decepciona. Depois de voltarmos no tempo até 1964, eis o nosso mestre da guitarra psicodélica 4 décadas depois produzindo um mantra de pouco mais de 9 minutos nesta faixa. E querem mais? Ele nunca fica sem criatividade! Neste excelente álbum de 11 faixas, Trower manda ver em uma série de performances eletrizantes, como a faixa-título, “Breathless”, “Into Dust” e “Run With The Wolves”. Aqui, ouvimos sua guitarra celestial, espacial mesmo, em um rock fino e energético, com um toque de blues, acordes inusitados, ritmos funk, belos solos psicodélicos, tudo isso em uma música bem elaborada com letra madura e espiritual numa melodia memorável – E QUE SOLO, meus amigos, os últimos 6 minutos são puro paraíso, ouça-os de joelhos e verá que esteve diante dos 9 minutos mais rápidos de todos os tempos, condensados nessa canção. Se você está ouvindo Robin Trower pela primeira vez, ou mesmo se nunca ouviu essa faixa, pode dizer que não está acreditando no que ouve e que não sabe como viveu esses 25 últimos anos sem conhece-la, eu te entenderei… Ok, Richard Watts não é James Dewar, que viria a falecer em 2002, mas o seu estilo de vocal para acompanhar a guitarra de Trower seguia como referência. No link do YouTube com essa música, um comentário me chamou a atenção (como eu o queria ter escrito, meu Deus!), de um tal Jamed Gerber, e reproduzo-o dando o crédito: “Você não precisa de uma nave espacial. Basta colocar fones de ouvido e ouvir isso.”. Boa viagem.

Robin Trower mandando ver no Liri Blues Festival, Itália.

7. “Bridge of Sighs” – Robin Trower Band, Bridge of Sighs (1974)
Para fechar o lado A de nosso guia, a música mais sublime da imensurável carreira de Robin Trower – se eu pudesse levar apenas uma música para uma ilha deserta, seria a Nona Sinfonia de Beethoven; se pudesse levar duas, acrescentaria essa. “Bridge of Sights” é a segunda faixa do disco, depois de “Day of the Eagle”, e seu começo é de arrepiar! E quando o James Dewar começa a cantar? Entre ficar arrepiado e com vontade de chorar, faço ambas as coisas sempre que a ouço – procure no YouTube as apresentações deles e me diga se também não vai quer fazê-lo. Dewar inicia sua carreira acompanhando a cantora escocesa Lulu Kennedy-Cairns em seu Lulu and the Luvvers e, na sequência, faz parte da banda Stone the Crows, mas o seu auge é com Robin Trower, e essa canção representa isso. Trower deve-lhe muito… Muitos críticos concordam que a técnica do escocês fez Robin Trower aprimorar a sua, e com eles faço coro (basta ver o tanto que o menciono nesta coluna…). No início da música, ouvimos uns sininhos e ao longo da música o vento sopra, acompanhando os versos quase em tom de lamúria de Dewar que nos avisam que o vento frio sopra. Tal qual em uma sinestesia, todos os elementos ligados à realidade cantada na letra (que fala de um sol que não brilha e de uma lua que não move as marés enquanto James Dewar canta Why so unforgiving and why so cold?) são sentidos ao ouvirmos essa música, graças ao poderoso embalo lento e psicodélico do trio, sobretudo na guitarra de Trower e no vocal emotivo e profundo de Dewar, que o faz ao som do vento na música, um vento frio como o frio do vento que sopra quando a ouvimos – na faixa seguinte, a também misteriosa “In this Place”, o vento sopra no início, ouça-o e sinta-o. Repito: não deixe de ouvir a faixa seguinte, irmã-gêmea do vento frio que sopra em ambas, que coloquei como faixa escondida ao fim do lado A.

LADO B
1. “The Fool and Me” – Robin Trower Band, Bridge of Sighs (1974)
Se o lado A abre com “Day of the Eagle”, o lado B vem com a igualmente poderosa “The Fool and Me”. É impossível não sair dançando ao ouvir esse petardo psicodélico, o groove mais espacial do rock dos anos 70. A guitarra sai da base rítmica e vai para o solo tão naturalmente que você mal se dá conta – tenho certeza de que vai voltar para tentar perceber isso; assim como o contrário, do solo para a base, também mal se percebe a mudança. Menos tocada em shows do que “Day of the Eagle”, ainda assim vale a pena a busca por apresentações ao vivo dela no YouTube, Trower era mestre em fazer versões com variações e deixa-las todas perfeitas. E o que dizer de Isidore e Dewar? Magistrais na química com a guitarra de Robin Trower – porém, mais uma vez, o destaque está em Dewar. Sua técnica com o baixo elevava o nível de Trower e aqui, nos vocais, temos o que 10 em cada 10 cantores de rock com estilo mais blueseiro queriam (Hughes, Coverdale, Rodgers… Aliás, quando ouvir essa faixa, descobrirá de onde o impecável vocalista do Bad Company aprimorou o seu estilo). A faixa é tão perfeita que mal perceberá que ela acabou e vai quere ouvi-la e ouvi-la e ouvi-la.

Lordan, Trower e Dewar: a psicodelia e os climas etéreos expandidos

2. “It’s Only Money” – Robin Trower Band, For Earth Below (1975)
É inegável que Robin Trower estava no auge em 1975, bem como hoje sabemos que ele, a partir de 2000, continuou no auge. Quem mais criaria este blues espacial e psicodélico? James Dewar foi feito para cantar blues e eu agradeço a Deus todos os dias por ele ter feito isso ao lado de Robin Trower, pois a sua guitarra tem outros tons, outros timbres ao lado dos vocais do escocês. 9 em cada 10 bandas de rock and roll nos anos 70 dariam tudo por terem composto essa música, intensa, comovente e viajante. Se seguiu à risca este guia, aqui você já sabe que no céu é esse o som que rola e que é isso que devemos esperar de Trower, o rei dos climas etéreos. Trower substitui Isidore por Bill Lordan e, embora tenham estilos bem diferentes, ao vivo o power trio continuava uma máquina! Lordan, de qualquer modo, consegue dar uma fluidez que Isidore não alcançava, enquanto este era mais pesado que Lordan, além de mais rítmico. Trower sabia exatamente o que esperar de cada um, não à toa quando se junta a Jack Bruce, grava um disco com Bruce e Lordan e o seguinte com Bruce e Isidore. Quanto a “It’s Only Money”, se pudéssemos ter colocado essa música naquele disco de ouro que enviamos ao espaço, os alienígenas já teriam vindo nos visitar. Outra coisa que espero que já tenha percebido: os finais das músicas de Robin Trower são de matar, pois eles sempre parecem terminar cedo demais. É como se Robin estivesse apenas começando a se acostumar quando a música começa a desvanecer… Ou será que somos nós que nos envolvemos e queremos mais? Não ouça essas músicas fazendo outra coisa, concentre-se e estará pronto para a revelação – e se não for bom no inglês, acompanhe-as com uma tradução dessas de internet mesmo e verá que ele sempre tem algo a dizer.

3. “Peace of Mind” – Robin Trower ft. Sari Schorr, Joyful Sky (2023)
No ano retrasado, em outubro de 2023, aos 78 anos, Robin Trower – um artista que sempre arriscou em vez de seguir o caminho de menor resistência – recrutou a cantora de blues-rock Sari Schorr para seu álbum Joyful Sky. Schorr, que já trabalhara com Warren Haynes, Keb Mo’, Taj Mahal, Eric Burdon e Carly Simon, não pensou duas vezes e aceitou prontamente o convite ao receber, do próprio Trower, um telefonema a convidando. “Trabalhei com alguns vocalistas incríveis ao longo dos anos, mas a Sari é explosiva, simplesmente arrasadora”, disse Trower. “Este álbum realmente me desafiou, me fez compor em tons diferentes e arranjar músicas para a voz dela. Desta vez, optei mais pelo R&B, porque sabia que ela se sairia muito bem com esse estilo. Mas o blues ainda permeia tudo o que faço – e definitivamente há elementos do meu trabalho dos anos 70 neste novo álbum.”. Aqui temos um Trower mais contido, mas genialmente o nosso Trower de sempre. Poderia ter escolhido qualquer música do álbum, mas “Peace of Mind” nos dá uma das coisas que Trower tem de melhor e que muitos outros guitarristas talentosos às vezes parecem esquecer: que menos é mais. Se Dewar pudesse reencarnar em uma mulher, seria Sari, que com seus vocais rasgados arranca um timbre de guitarra de Robin Trower para todas as idades. Se gostou desse estilo mais whiskey blues de Trower, pode adquirir Joyful Sky – a faixa-título poderia ser tranquilamente uma sobra de estúdio de seus álbuns da década de 70; inclusive, foi difícil escolher qual das duas colocar aqui. Fiquemos com “Piece of Mind”, que é mais para o lado dos vocais da moça. “Você não quer usar a palavra ‘gênio’ de forma leviana, mas eu acredito que ele é um gênio. A maneira como ele sente e ouve música é tão aguçada, é como se ele tivesse poderes sobre-humanos. Eu tinha tanta é na visão dele. Você simplesmente se agarra e segura firme.”, disse Sari sobre o mestre. Te entendemos, garota, te entendemos.

Sari Schorr feliz ao publicar em seu Instagram oficial a marca de 1 milhão de streams no Spotify de Joyful Sky.

4. “Into Money” – Jake Bruce, Bill Lordan and Robin Trower, B.L.T. (1981)
Dewar e Trower se separaram em 1983, quando Trower foi demitido pela Chrysalis Records. A gravadora alegou que, após o lançamento do bom Back it Up (1983), o guitarrista não saíra em turnê para promovê-lo. Entendo que, tal qual inúmeros artistas oriundos dos anos 60, os anos 80 foram um terreno misterioso e duvidoso – continuar propondo o que sempre fizeram ou aderir aos “novos tempos”? Talvez Back it Up sofra desse mal, pois o disco não aprofunda no que Trower fazia de melhor e nem adere à sonoridade da época. Além disso, contou com 2 outros bateristas que não os seus escudeiros de sempre (Isidore e Lordan) e o próprio Dewar não toca baixo em todas as faixas (infelizmente, o baixista e vocalista já apresentava sinais de uma doença que o consumiria dali em diante). Quem sabe Trower não estivesse tão animado com o que vinha produzindo, ou mesmo o baque da doença de Dewar o tenha afetado, nunca saberemos, ele não costuma falar sobre isso, não falou e acredito que não falará. O fato é que, entre o Victims of Fury de 1980 e o Back it Up, Trower junta-se a Jack Bruce (Cream) e carrega consigo Bill Lordan, que já havia substituído Reg Isidore na banda de Trower (e que também tocara com Sly and the Family Stone, na The Mystics e na progressiva Gypsy) e lança em 1981 o B.L.T., o famoso disco do sanduíche na capa. “Into Money” é tudo o que um fã de Robin Trower, bem como de um bom rock funkeado, poderia esperar da vida: pulsante, vigorosa, grooveada. Lordan, diferentemente de Isidore, tinha o tom mais suingado e isso fica claro aqui. Relutei muito em colocar esta faixa no guia, pois queria focar na magia de Robin Trower… Ora, essa é uma composição dele, dialoga com o que de melhor ele fez nos anos anteriores em termos de blues rock mais para o funk, então qual seria o problema? Ouça-a e perceba que ela é produzida para destacar Jack Bruce, seu vocal e seu baixo. Pela primeira vez, vemos Trower colocado em segundo plano. Não é uma música ruim, pelo contrário, é excepcional, bem como o álbum todo, mas seria o fim de um guitarrista que sempre teve a canção acima de tudo, até mesmo de seu virtuosismo? A história provou que não, ainda bem, e por isso ela consta aqui: para você expandir a sonoridade de Trower. De todas as músicas deste guia, certamente essa será a que mais vai grudar na sua cabeça, mérito do trabalho redondinho dos 3 músicos, sem dúvidas, mas sobretudo pelo destaque do baixo de Bruce, que ele toca pensando em si mesmo e em seus vocais. Vá atrás deste disco também (com destaque para a etérea “It’s too Late” e o rockão pesado de “No Island Lost”, outras duas que cogitei colocar aqui), valerá a pena.

5. “What’s Your Name” – Robin Trower, Living Out of Time (2003)
Preste atenção: esta música tem exatos 2:47, tempo idêntico ao da faixa anterior, “Into Money”. Óbvio que eles não fizeram isso de propósito, mas eu sim. Perceba a diferença desta também swingante e funkeada canção em relação à anterior – aqui, temos uma banda, uma canção, destaque para todos, enfim, o selo Robin Trower de qualidade. Nosso guitarrista gostava de cercar-se dos bons, dos melhores (Coverdale também é assim): aqui temos um excelente Davey Pattison nos vocais (ele fez parte da maravilhosa Gamma, com Ronnie Montrose, aguardem que escreverei uma coluna sobre a discografia deles, desconhecidos de inúmeros roqueiros de carteirinha, e na Michael Schenker Group), Pete Thompson na bateria (você gosta de currículo? O sujeito tocou no Silverhead e com ninguém menos que Robert Plant, Pete Haycock, Eric Bibb, Ken Hensley e David Byron) e Dave Bronze no baixo (lembra do já mencionado Back it Up? É ele quem toca nas faixas que Dewar não empunha o baixo; além disso, é outro que já tocou com uma turma boa: Gary Brooker, The Hamsters, Eric Clapton, Belinda Carlisle, The Art of Noise, Ray Davies e com ninguém menos que Bo Diddley). Living Out of Time é, sem sombra de dúvidas, um dos melhores discos de rock do século XXI (se a categoria for blues rock, ele é um dos melhores de todos os tempos, ficando no pódio). O que temos aqui é um disco IMPERDÍVEL, daqueles que preparamos uma ocasião para ouvir; daqueles que criamos expectativas e essas são atendidas pelos nomes e elementos envolvidos. Sim, eu sei que te recomendei ter na estante o Bridge of Sighs, mas se a grana estiver curta, ignore o que eu disse antes e compre somente esse. Se der para comprar dois, leve ambos. Aqui temos, nesta canção, um rock estradeiro bem blueseiro, psicodélico e ensolarado, com o groove no qual você, agora, já é especialista, daqueles de ouvir na estrada. Assim como “Into Money”, essa você ficará assobiando por dias, principalmente o refrão, até ouvi-la novamente (porque depois que se conhece Robin Trower, tal qual um velho amigo, devemos revisitá-lo com frequência). Se adquirir o disco, “Step Into The Sun” é sua irmã-gêmea e você sempre ouvirá ambas juntas.

O gigante James Dewar (1942-2002), um dos maiores de todos os tempos.

6. “Sweet Wine of Love” – Robin Trower, In City Dreams (1977)
Neste álbum, temos outra sonoridade de Robin Trower, menos roqueira e mais densa, mais intensa e melódica. Sempre que o ouço, um sentimento de melancolia toma conta de minha audição. In City Dreams é o seu quinto álbum solo de estúdio, e nele James Dewar passou a função de baixista para Rustee Allen (que já havia tocado no Sly and the Family Stone) e se concentrou nos vocais. Aqui também temos Bill Lordan na bateria. É um disco mais viajante, mas com um pé no que anos depois seria chamado de AOR, bem como com uma leve pegada progressiva. Um disco perfeito para aquela sexta-feira depois de uma semana de trabalho duro (ouça “Smile” e “Bluebird” com uma cerveja gelada, ou um bom whisky, e depois me diga se não valeu a pena). “Sweet Wine of Love”, tal qual todo o álbum, é belíssima! Sujeitos como Kenny Loggins, Michael McDonald e Christopher Cross certamente tinham In City Dreams na sua estante e o decoraram, bem como os caras do Stely Dan, Hall & Oates, e por aí vai. Suave, macia e com um baixo diferente do que estamos acostumados, até o solo de Trower é mais cristalino. Lordan, como já mencionado, era menos pauleira do que Isidore e propício a levadas mais jazzísticas e realmente Dewar concentrou-se nos vocais por aqui. Pena que ela dura menos de 3 minutos, mas sobre Trower terminar antes de nos situarmos no planeta para o qual ele nos leva é algo de que já tratamos aqui. Uma parada suave, um doce vinho para nos prepararmos para fecharmos o nosso guia de modo absolutamente intenso…

7. “I Want To Take You With Me” – Robin Trower, Living Out of Time (2003)
Volte lá na faixa 5 deste lado B e releia o que escrevi: esta canção é daquelas para as quais nos preparamos para ouvir. Se você nunca se preparou para ouvir uma música, comece a sua iniciação com “I Want To Take You With Me”, pois estamos diante da música mais bonita de Robin Trower. Ouvir Pattison cantando a letra dolorida é de arrepiar e agradecer de joelhos por estarmos vivos e podermos ouvir esse mantra hipnótico e absurdamente psicodélico – duvido não queira chorar quando ele canta “I found comfort in the shadows”… Só quem já sofreu muito na vida sabe ver beleza na dor. Aos 4:30, inicia-se o solo mais sublime desse guitarrista supremo, digno de competir com o solo de Gilmour em “Confortably Numb” como uma das coisas mais belas já feitas com as 6 cordas de uma guitarra – ainda que eu prefira o do Trower. Guitarra, bateria, baixo e vocal aqui são uma coisa só. Essa canção tem 10 minutos e 40 segundos e você vai amaldiçoar Trower por não tê-la feito com o dobro de tempo! Que solo, meu Deus… Que solo! São os 6 minutos de guitarra mais intensos que eu já ouvi, de tanta intensidade que parece que a força vital se esvai no término dele (que também é o término da canção). Aí, depois de sua 1ª audição dessa obra-prima, você vai querer voltar e ouvi-la novamente; sugiro que atente à letra, que sofra juntos nos versos “My love for you is my religion / Your happiness, my only creed.”. Termine esse guia lembrando-se de James Dewar na voz de Pattison, de Lordan e Isidore na bateria de Thompson, do próprio baixo de Dewar no de Dave Bronze e confirme que Robin Trower é único, com seus timbres, afinações, efeitos e o quão um artista pode ser fiel às suas convicções estéticas. Ah, já mencionei a dor da letra? “But her heart I only borrow / ‘Cause I’m not sure it’s mine to take.”. Você já sofreu por amor? Se sim, agora tem uma música oficial para as suas lembranças.

Robin Trower, o maior de todos.

4 comentários sobre “A Young Person’s Guide To: Robin Trower

  1. Bela estreia do Marcelo nos artigos da Consultoria, e uma mais bela ainda homenagem a um dos maiores gênios da guitarra britânica, Robin Trower. Muito legal ter destacado músicas mais recentes, que atestam que o velhinho continua preciso e elegante na sua velha Stratocaster. E muito mais legal ter dado o devido crédito ao fantástico Jimmy Dewar, uma das melhores vozes da história do rock (e ainda por cima um baixista extremamente habilidoso) e aos bateristas Reg Isidore e Bill Lordan. E o formato em cassete de 60 minutos foi uma sacada genial.

    1. Meu querido Marcello, ganhei meu dia com seu comentário! Saiba que fui selecionando música a música pensando naquelas fitas cassetes que gravávamos para os amigos dos nossos discos! E repito o que escrevi na coluna: como cantava fácil esse Janes Dewar, hein?!

  2. Eu nunca tinha parado pra sacar a história dele e, quando você fez o comparativo entre ele e o Hendrix, fiquei curioso e caramba, que monstro. Uma coisa que me chama a atenção (e são poucos os músicos que fazem isso) é quando você cita que “Ambos são os únicos que não tocam guitarra, e sim a canção” (Ringo Starr rules). Que discografia foda, que cara foda. Arrisco-me a dizer (se é que posso, claro), que tanto Gary Moore quanto Joe Bonamassa são influenciados master por Robin Trower. Aguardando ansiosamente as próximas. Abraços!

    1. Muito obrigado, Luis, por seu comentário, fico feliz que o guia tenha sido útil para lhe “apresentar” um dos últimos gigantes que ainda caminham pela Terra. Também fiquei feliz em perceber que seguiu as dicas de adentrar na discografia dele!
      Quanto ao que você afirma em relação ao Gary Moore e ao Joe Bonamassa, eu concordo, sobretudo no caso do Gary Moore, os climas, os timbres, as músicas mais lentas…
      Quanto aos próximos guias, pelo seu comentário eu ouso dizer que também apreciará o próximo artista (ou banda, quem sabe, mantenhamos a surpresa) a ser esmiuçado para que possamos viajar em sua música.
      Um abraço!

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