Cinco Discos Para Conhecer: O Fusion-Rock

Por Fernando Bueno
O jazz rock, jazz fusion ou simplesmente fusion é um subgênero do jazz que emergiu nos anos 1970, caracterizado pela fusão de elementos do jazz com outras influências musicais como o funk, o Rhythm & Blues e até a música clássica. Mas foi com o público do rock progressivo que ele se difundiu mesmo quando essas bandas fundiram o rock da época ao seu som. O estilo tem na experimentação sonora sua base e principal conceito e é um terreno onde os músicos de jazz utilizam as diferentes técnicas e sonoridades de outros gêneros musicais. Cada artista tinha sua abordagem característica dentro de seu gênero. Alguns são mais atmosféricos e intensos, com uma forte ênfase na complexidade rítmica e harmônica. Outros incorporam um mix de jazz e rock, mas com uma ênfase maior nas melodias e grooves mais acessíveis. E até mesmo a música eletrônica que estava começando para valer na década de 70 foi aproveitada por alguns artistas. Até técnicas de como tocar seus instrumentos começaram a ser compartilhadas. A seguir uma lista de cinco discos que vai fazer você, ouvinte, mergulhar em uma seara cheia de grandes músicos e criatividade. Já adianto ao leitor que o importantíssimo álbum do Miles Davis de 1970 Bitches Brew não entrou na lista apesar de seu pioneirismo e influência para todos os discos que estarão na lista. Apesar de eu reconhecer o álbum como um dos mais importantes dessa seara musical o critério que usei foi o de gosto pessoal e esse disco não me agrada muito. Mas fica aí a indicação para quem se interessar.
Passport – Cross-Collateral (1975)
O Passport, banda alemã liderada pelo multi-instrumentista Klaus Doldinger, apresenta um jazz fusion com forte presença de teclados e sintetizadores, algo mais experimental e atmosférico para a época. O som desse disco é bastante eclético, indo de passagens mais melódicas a seções rítmicas complexas e improvisações densas. Cross-Collateral mistura o jazz europeu com influências de rock progressivo, resultando em uma sonoridade mais sofisticada e muitas vezes introspectiva. O uso de sintetizadores é uma marca registrada desse disco, que também explora uma abordagem mais melódica e até “ambient” em alguns momentos. É um dos discos mais fáceis de se começar. Só para não deixar passar batido uma curiosidade, o Passport tem um disco de 1977 chamado Iguaçu que tem em sua capa uma imagem das famosas cataratas da divisa do Brasil com a Argentina. Contendo até músicas com nomes em português. Se gostar desse ouça também: Looking Thru (1973).
Return to Forever – Romantic Warrior (1976)
Esse é um dos discos mais emblemáticos da fusão entre o jazz e o rock progressivo. Os americanos liderado pelo tecladista Chick Corea, Romantic Warrior, combina o virtuosismo do jazz com as estruturas mais complexas do rock progressivo. A formação conta com músicos como Al Di Meola, Stanley Clarke e Lenny White, que são conhecidos pela habilidade técnica impressionante. O disco é marcado por composições elaboradas, riffs de guitarra e baixos potentes e solos improvisados cheios de virtuosismo. A fusão de jazz com elementos do rock e música clássica cria uma sonoridade dinâmica, que explora tanto momentos mais atmosféricos quanto passagens rápidas e intensas, com destaque para a complexidade das performances instrumentais. Detalhe para a capa que, junto do álbum sobre o Rei Artur do Rick Wakeman, antecipa todo o imaginário medieval que tantos headbangers adoram. Se gostar desse ouça também: Return to Forever (1972).
Weather Report – Black Market (1976)
Weather Report, liderado pelos americanos Joe Zawinul (teclados) e Wayne Shorter (saxofone), foi um dos pilares do jazz fusion. Em Black Market, o som do grupo é marcado pela fusão de elementos de jazz com o funk e a música eletrônica. A presença de Jaco Pastorius (foto principal do texto) no baixo é um dos grandes destaques, com seu estilo inovador, criando grooves inusitados e linhas de baixo mais melódicas e complexas. O álbum também possui uma forte ênfase na improvisação e na experimentação sonora. As músicas têm uma abordagem mais “espacial”, com o uso de sintetizadores e arranjos bem estruturados, criando atmosferas densas e ao mesmo tempo acessíveis. Black Market é considerado o melhor lançamento do Weather Report, apesar que sempre que busco a banda para ouvir eu vá primeiro no Heavy Weather por conta de “Birdland” e por marcar a estreia de Jaco Pastorius, um nome muito conhecido pela excelência musical e pela tragédia de sua morte. Este é um grande exemplo fusion, rock e vários estilos de músicais, todos se unindo em algo novo, algo mais interessante, agradável. A faixa título abre o disco mostrando que apesar da exuberância técnica empregada a música do álbum é para todos. Já “Cannon Ball” é quase um easy listening. No lado A do álbum as faixas mais suaves são concentradas, enquando no lado B tem algumas coisas mais “pesadas”. Se gostar desse ouça: Heavy Weather (1977).
Jean-Luc Ponty – Cosmic Messenger (1978)
Jean-Luc Ponty, violinista francês, foi um dos principais nomes do jazz fusion na década de 1970. Cosmic Messenger apresenta uma combinação de jazz com a música eletrônica e elementos de rock progressivo. Ponty mistura o violino com sintetizadores, criando texturas sonoras que são tanto melódicas quanto experimentais. O álbum tem uma forte influência de música eletrônica, com base no que era feito na época, especialmente no uso de sintetizadores, criando uma sonoridade futurista e psicodélica. As composições são complexas, mas com um toque acessível, com solos de violino que flertam com a improvisação jazzística, mas também têm um forte apelo melódico. “The Art of Happiness” tem uma melodia que de cara é assimilada dando aquela sensação de ‘já ouvi isso antes’. Destaque é o solo de guitarra para essa música o que mostra que Jean-Luc não tem um ego inflado. E quem pudesse esperar que um disco guiado por um violinista seria mais direto e meio paradão pode se surpreender com o groove que as músicas têm. Não sou especialista na carreira do francês, mas tudo o que eu ouvi eu gostei e acho que se o leitor se interessa pode pegar qualquer um dos álbuns de Enigmatic Ocean até o Civilized Evil (1980) e não se decepcionará. Outro destaque que deve ser mencionado é que apesar de ser um disco de fusion a música não é complexa e desafiadora como é o álbum já descrito acima do Return to Forever, aqui as composições se sobressaem. Se gostar desse ouça: Enigmatic Ocean (1977).
Mahavishnu Orchestra – Birds of Fire (1973)
Talvez o mais desafiador dessa lista e é um dos maiores marcos do jazz fusion. Se tivesse uma escala que medisse do rock até o jazz esse certamente estaria mais para o lado do jazz e mais longe do rock em si. Em muitas passagens aquele estereótipo comumente falado sobre o jazz, o de que ‘parece que cada instrumento está tocando uma música’ é real. Curioso o nome da faixa “Miles Beyond” pois parece que a banda faz referência à distância, mas eu entendo que eles quiseram dar a entender que estão levando o que o Miles Davis fez adiante. A música é densa, com seções rítmicas muito complexas, e a interação entre guitarra, teclados, baixo e bateria cria uma sonoridade revolucionária para a época “One Country Joy” me faz lembrar “Free Bird” do Lynyrd Skynyrd e é a faixa mais acessível do disco. A influência do Oriente (principalmente da música indiana) também é evidente, com passagens que utilizam escalas e ritmos exóticos. O líder aqui, John McLaughlin, guitarrista comanda vários músicos de alto gabarito, incluindo o fantástico baterista Billy Cobham, e o nível é tão alto que eu já vi dizerem que o Mahavishnu Orchestra faz o Emerson Lake and Palmer parecerem os Ramones, ou que McLaughlin é uma das únicas pessoas no mundo a fazerem o Hendrix parecer patético. Exageros à parte sugiro o leitor que não é adepto ao estilo começar lá do início da lista e depois ir descendo, por isso deixei o disco que foi lançado antes dos outros para o fim. Quando chegar aqui você vai estar tão afiado quanto os arpejos de McLaughlin. Uma curiosidade, depois desse disco o violinista Jean-Luc Ponty entrou para a orquestra de McLaughlin. Se gostar desse ouça: The Inner Mountain Flame (1971).
Escolhas muito legais, em especial a do Weather Report, que a partir desse disco “Black Market” realmente disse a que veio (os discos anteriores podem ser mais experimentais, mas faltam-lhes melodia, algo que sobra neste e no comentado “Heavy Weather”). Só um reparo: Joe Zawinul é austríaco de nascimento, não sei se ele chegou a se naturalizar norte-americano. Ótimas escolhas também para o Mahavishnu e o Return to Forever, ambos discos magistrais.
É claro que todo mundo que comenta uma seção desse tipo tem suas sugestões a fazer, e eu não fujo à regra, hehehe. Um álbum que acho que é essencial para a formação do jazz rock é “Elastic Rock”, do Nucleus (aquele da lava vulcânica), e penso que a pioneira no estilo não deixa de ser a Graham Bond Organization, em especial com o LP “There’s a Bond Between Us”, menos blueseiro do que “The Sound of ’65”. E depois, com o gênero já consolidado, “Unorthodox Behaviour”, do Brand-X, que muita gente (inclusive eu) só conheceu porque o Phil Collins tocava bateria com eles, mas é um disco excelente e a banda só tem feras. Mas é coisa de gosto mesmo, porque os cinco discos apontados aqui são muito bons – até o do Ponty, que eu nunca curti muito, mas é um ótimo disco.
Marcelo
A intenção é justamente essa. A matéria nem de longe tem o objetivo de esgotar o assunto e é apenas um motivo ou um ponta pé para debate. A nacionalidade do Joe Zawinul foi erro meu mesmo, confesso. Procurei o país da banda e quando vi ‘Estados Unidos’ não tive dúvida. Eu tinha a intenção mesmo de colocar um disco do Brand-X pois muita gente não sabe que o Phil Collins também teve uma carreira como baterista fora do Genesis e justamente o disco que ficaria fora era o do Jean-Luc Ponty. Porém acabei escolhendo esse mesmo pois foi justamente esse que me fez ter a ideia da matéria.
Obrigado pelo comentário
Ainda bem que manteve o Jean-Luc Ponty, pois, da lista, é o meu favorito!
Ótimas escolhas. Claro que eu tenho algumas divergências, principalmente na escolha do Weather Report, já que Heavy Weather é um disco excepcional! Mas ok, entendo a escolha do Bueno. Teria colocado o The Eleventh House – Introducing The Eleventh House no lugar do Jean Luc Ponty, e o meu favorito do return to forever é o No Mystery, mas no geral, gostei bastante das escolhas Fernando. Baita tema
Como um adicional, o primeiro disco do Azymuth entraria nessa lista? Na minha opinião, siiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiim
Nem pensei de colocar algum representante brasileiro na lista. Mas podemos sim… Talvez uma segunda edição…
Para quem curte o gênero, acrescento o trabalho do Isotope, capitaneado pelo guitarrista Gary Boyle.