Sopro Cósmico: Por Que Ouvir?

Sopro Cósmico: Por Que Ouvir?

Por Ronaldo Rodrigues

Creio que daqui algumas décadas, estaremos nos debruçando com estranheza sob as duas primeiras décadas dos anos 2000. Se vivemos o florescer de uma torrente quase infinita de comunicações imediatas, a produção cultural explode como pequenos fragmentos, quase impossíveis de serem capturados e assimilados. Enquanto isso, aflitos passamos os dias grudados em telas digitais sem conseguir entender o que ocorre.

O que veio tomar o lugar do monopólio da indústria fonográfica? Aparentemente, um cenário de independência é alardeado. Mas será que o músico consegue usar essa independência a seu favor? consegue ao mesmo tempo pensar como artista e ter visão de “negócio”? Se a indústria não aporta mais conhecimentos importantes para difundir (“vender”) a obra, só resta ao músico catar os cacos de sua dita independência e fazer valer a direção que seu nariz aponte.

Pensar sobre isso foi induzido pela audição do disco Outono Psicodélico, do grupo Sopro Cósmico. Um trio de Porto Alegre, RS, formado à época por 3 M’s – Max Sudbrack (teclados), Marcio Kadush (bateria) e Maurício Oliveira (saxofone e flauta). Hoje, Pedro Medeiros substituiu Maurício.

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Sopro Cósmico – Outono Psicodélico (2014)

Conheci o grupo em uma apresentação no Festival Psicodália, em 2013. Com os pés fixos em meio a já tradicional lama do festival, ali vi a aparição de um grupo com uma formação unusual e uma proposta musical acachapante, em que só importasse os sons produzidos por 3 elementos humanos de postura instropectiva, totalmente plugados na execução delirante de seus instrumentos. E se pela pintura dessa cena, pode parecer ao leitor que o espetáculo era entendiante, a intensidade da música que nos chegava aos ouvidos resolvia qualquer questionamento.

Na edição seguinte do festival, em 2014, tive oportunidade de vê-los novamente, mas dessa vez em um horário mais nobre.  Em 2015, foi a feliz ocasião de adquirir o primeiro disco do conjunto, lançado no segundo semestre de 2014. A audição não deixou dúvidas quanto as minhas primeiras impressões. Estava diante de um trabalho de altíssimo nível, muito acima da média. Músicos do calibre deste trio, no Brasil, não detém a ousadia de lançar um trabalho com essa envergadura de exploração musical.

A faixa de abertura, “Crazy Factory”, já se anuncia com um ritmo estrondoso, teclados sobrepostos (em que o próprio Max Sudbrack supre a ausência de um baixista, com um teclado) e um tema conduzido pelo saxofone certeiro de Maurício Oliveira. Aos 01:43 dessa faixa, você praticamente não acredita no que está escutando – uma combinação essencialmente perfeita de virtuose e musicalidade. Harmonias sofisticadas do jazz se cruzam com reminescências de música clássica, em um fantástico cruzamento eletro-acústico.

E assim se seguem faixas com grooves essencialmente jazz-funk como na seção central de “Blues Fantasy” ou em “Fusão Cósmica”, trechos de leveza folk e instropecção na eclética “Nuvem Vegetal”, a formidável aspiração de free-music hippie em “Dziw”, até chegar ao extraordinário encerramento com a sinfonização da faixa-título do disco, que mais aproxima o disco da linguagem consensada de rock progressivo.

Todas as músicas funcionam bem porque tem o virtuosismo como ferramenta apenas para incrementar a linguagem musical e aprimorar as composições. As canções são múltiplas e intensas, compensando a ausência de outros instrumentos ou de vocais.

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Contudo, não existem apenas flores nos campos onde estes três sopram. A qualidade da gravação não é das mais apuradas tecnicamente, e por muito menos, bandas estrangeiras figuram em revistas, canais de TV, gravam vídeo-clipes em alta definição, são comentadas e tocam em festivais de diversos países. O som da bateria e de toda a gravação não tem profundidade, e alguns timbres dos teclados de Max deixam a desejar. Os graves produzidos pelos teclados também não são dos melhores. Estranhamente, o grupo embaralha a língua entre o inglês e o português no batismo de suas obras.

Mas o mais incômodo é ter de voltar a me referenciar aos primeiros parágrafos, vendo que informações sobre a trajetória do grupo são escassas (o que se reflete na ausência delas neste texto), a apresentação do CD é frágil (uma embalagem em papelão, que se amassa facilmente e sem invólucro interno para o disco), não existem fotos promocionais, e o grupo parece cultivar uma imagem um tanto errática ao fazer performances em ruas e parques. Isso não condiz com uma música tão elevada quanto a do Sopro Cósmico.

Não julgo que os grupo deveria cuidar pessoalmente de tudo. Mas devem se conscientizar do risco que correm ao produzir música tão boa.

Sopro Cósmico

Gênero: Jazz-rock, Experimental, Rock Progressivo

Origem: Porto Alegre, Brasil

Atividade: 2010 – Atualmente

Discografia:

Outono Psicodélico (2014)

Luas de Saturno (2019)

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