Neil & the Horse – Fu##in’ Up [2024]
Por Micael Machado
Se fizessem um ranking apenas dos álbuns gravados por Neil Young de 1980 até hoje, Ragged Glory certamente estaria, na minha opinião, no Top 5 desta hipotética lista. Lançado em 1990, na esteira do sucesso comercial de seu antecessor, Freedom, do ano anterior, o disco mostra o bardo canadense e seus fiéis escudeiros em músicas mais focadas nas guitarras de Neil e Poncho, como poucos discos anteriores em sua carreira haviam feito até então, trazendo faixas que perdurariam com destaque em suas turnês posteriores (como “Country Home”, “Over and Over”, “Love to Burn” e, especialmente, “Love and Only Love”, que chegou a ter uma versão que ultrapassa os vinte e oito minutos registrada no disco ao vivo Earth, de 2016), e legando pelo menos um grande clássico para a carreira de Young, na forma de “F*!#in’ Up”, a qual, pela versão registrada pelo Pearl Jam no álbum ao vivo Live on Two Legs, posso dizer que foi a minha “porta de entrada” para o mundo musical de Neil Young. A turnê de promoção para Ragged Glory rendeu pelo menos dois registros ao vivo (Weld, de 1991, e Way Down in the Rust Bucket, tirado dos “arquivos” do canadense e colocado no mercado em 2021), onde quase todas as faixas do álbum original ganharam sua versão “on stage”, sendo que as duas únicas que não constam nestes dois discos podem ser conferidas “ao vivo” no já citado Earth (no caso de “Mother Earth (Natural Anthem)”) ou no acústico Songs For Judy (no caso de “White Line”, que no disco citado, aparece em registro de 1976, embora o álbum, mais um dos muitos registros resgatados “dos arquivos” de Neil, só tenha sido lançado em 2018).
Por tudo isto, foi com certa surpresa que li, no começo deste ano, que Young iria lançar uma versão “regravada” de Ragged Glory, ao lado do Crazy Horse atual (os “velhos companheiros” Billy Talbot no baixo e Ralph Molina na bateria, além de Nils Lofgren nas guitarras e piano, substituindo o hoje aposentado Frank “Poncho” Sampedro), e com a adição “especial” do guitarrista e tecladista Micah Nelson, filho da lenda do Country Willie Nelson, e que já havia tocado por anos ao lado do canadense como parte do Promise of the Real, grupo que acompanhou Neil entre 2014 e 2019. Como praticamente toda a participação da audiência foi retirada da mixagem final (assim como os intervalos entre as faixas e as interações entre banda e plateia), nem uma primeira audição desta “regravação”, nem o pouco informativo encarte (que contém algumas ilustrações que remetem à arte original do álbum Zuma, como você pode conferir na imagem que abre este texto) me deixaram perceber que o “novo” Ragged Glory, agora chamado de Fu##in’ Up (e disponibilizado no mercado em abril deste 2024, nos formatos CD e vinil duplo, além das plataformas digitais) era, na verdade, a execução ao vivo quase que integral do álbum original (apenas “Mother Earth (Natural Anthem)” acabou excluída), com as faixas seguindo a ordem do registro de estúdio, e gravadas, com pude descobrir depois graças a alguns artigos na internet, em uma única noite (4 de novembro de 2023) no pequeno clube The Rivoli, na cidade de Toronto, no Canadá, em um show “secreto” feito em uma festa privada de aniversário para um bilionário local chamado Dani Reiss (do qual, confesso, eu nunca havia ouvido falar). Uma publicação no blog norte-americano “Thrasher’s Wheat”, feita por um fã de Young identificado apenas como Stu, relatou que o autor do texto conseguiu ouvir boa parte do show mesmo estando do lado de fora do clube, e que os convidados da festa com quem ele havia tido contato após a apresentação não eram tão “familiarizados” assim com a carreira do canadense, mas estavam todos “em êxtase” após a performance do grupo.
Performance esta que, pelo que se pode ouvir no registro lançado oficialmente, foi realmente empolgante. Não sei se foi decisão da banda ou um pedido do aniversariante a execução quase integral deste álbum em específico, mas a escolha foi super acertada. Todas as músicas soam mais “cruas” aqui do que a versão de estúdio original (e mesmo em comparação a outras versões ao vivo já lançadas) e a adição de Micah traz um ganho enorme aos arranjos, que, embora não tão diferentes assim em relação aos originais, ganham aqui duelos de guitarra entre o jovem Nelson e Young, além da presença do piano (ao qual se revezam Micah e Nils, sem que o encarte especifique quem toca o quê em qual faixa) trazer um sabor “novo” a faixas como “Over and Over” ou “Mansion On The Hill”. Algumas faixas ganharam solos estendidos, o que aumentou sua duração em relação às faixas originais, como é o caso da própria “Mansion On The Hill”, com dois minutos a mais que a versão de estúdio, de “Love to Burn”, que “ganhou” quase três minutos, e de “Love and Only Love”, com quase cinco minutos de acréscimos.
Infelizmente, as quatro faixas “extras” lançadas em 2023 no EP que leva o título Smell the Horse (parte do box Official Release Series Vol. 5) não foram interpretadas neste show, e o bis executado na festa (constando, segundo Stu no artigo citado acima, das clássicas “Cinamon Girl” e “Rockin’ in the Free World”) acabou ficando de fora deste lançamento, o qual, seguindo a ideia de “segredo” dedicada à apresentação original, teve todos os nomes das faixas alterados, com os novos títulos se utilizando de frases das letras originais (a única exceção foi a cover para “Farmer John”, do duo Don and Dewey, que manteve seu título original), e que pode até não interessar muito àqueles não tão dedicados assim à obra de Neil Young, mas que será uma bela adição à discografia de seus seguidores, especialmente aos fãs do disco original, que, apesar de já terem todas estas faixas disponíveis em outros discos ao vivo, podem encontrá-las aqui em versões “renovadas”, e reunidas, pela primeira vez, em versões “live” na sequência original, sem interrupções para aplausos ou “falatórios” por parte dos músicos, como já citado acima. Se você , assim como eu, for um admirador de Ragged Glory, pode conferir sem medo esta “nova versão”, e boa diversão.
Track List:
1. City Life [Country Home]
2. Feels Like A Railroad (River Of Pride) [White Line]
3. Heart Of Steel [F*!#in’ Up]
4. Broken Circle [Over And Over]
5 Valley Of Hearts [Love To Burn]
6. Farmer John
7. Walkin’ In My Place (Road Of Tears) [Mansion On The Hill]
8. To Follow One’s Own Dream [Days That Used To Be]
9. A Chance On Love [Love And Only Love]
“Ragged Glory” foi um disco que não teve muito aplauso da crítica quando foi lançado, mas cresceu muito em apreciação ao longo do tempo. Infelizmente só ouvi a versão online, mas confesso que sinto vontade de comprar o disquinho… Muito legal a resenha. Alguma informação sobre as razões de mudar os títulos das músicas?
Valeu pelo elogio, Marcello!
Sobre os títulos das músicas, pelo que li na internet, foi uma espécie de “brincadeira” ou algo do tipo, para manter o “espírito” do show “secreto” que a banda fez (no sentido de ser um show só para convidados, em lugar fechado, sem venda de ingressos), onde Neil e o Crazy Horse sequer foram anunciados… então, se o show foi “secreto”, o set list também seria “secreto”, por isso a mudança… meio “bobo” e infantil (e bem inútil, convenhamos), mas uma “brincadeira” que me soou divertida e inofensiva…