Dez Anos sem Jeff Hanneman

Dez Anos sem Jeff Hanneman

Por Luiz Carlos Freitas

Quando me arrisquei a iniciar uma pretensa “carreira” de crítico musical o fiz, basicamente, motivado por amor. Amor pela música, à arte como um todo, mas, claro, com um foco bem específico naquilo que mais me tocava. E, óbvio, hoje é perceptível o quanto o rock, em suas mais variadas formas de manifestação, tem importância para mim. É esse amor que faz com que isso seja mais que um mero passatempo para mim. Escrevo porque amo e escrevo sobre o que amo. E esse é o tipo de texto que jamais gostaria de estar escrevendo.

Em 2 de Maio de 2013, faleceu Jeff Hanneman, guitarrista e um dos fundadores do Slayer. E já me adianto ao pedir perdão aos que vieram esperando um longo resumo de sua biografia, detalhes de sua vida e coisas do tipo. Esse texto se isentará de ser meramente informativo (apesar de fazê-lo, também) sendo, acima de tudo, um relato passional de um admirador ainda inconformado, dez anos depois, com a perda de um ídolo.

jhNascido em 31 de Janeiro de 1964, em Oakland, California, Jeffrey John Hanneman foi criado em uma família de veteranos de guerra. Jeff crescera ouvindo as histórias de batalha de seu pai, combatente na Segunda Guerra, e dos dois irmãos, ambos egressos do Vietnã. Eles foram responsáveis pelo grande interesse de Jeff pelo tema que, mais tarde, viria a ser recorrente em algumas de suas composições, como “War Ensemble” e a icônica e polêmica “Angel of Death”, que narra as atrocidades praticadas pelo cientista Joseph Mengele nos campos de concentração nazista. Mas sua grande paixão sempre foi a guitarra, que começou a tocar logo cedo.

Aos 17 anos, fez sua primeira audição para tocar em uma banda. Lá conheceu Kerry King, que também estava entre os inscritos, e decidiram montar o próprio grupo, que viria a ser o Slayer que conhecemos hoje, agregando, posteriormente, Dave Lombardo na bateria e Tom Araya para os vocais.

Além de fundador, Jeff era uma das grandes forças criativas do grupo, dividindo com Kerry King praticamente toda a parte criativa dos três primeiros álbuns, até que veio a grande explosão com o Reign in Blood, álbum que firmou o Slayer definitivamente entre os grandes nomes do Thrash mundial. A faixa que abre o disco, a já citada “Angel of Death”, de autoria completa de Hanneman é, talvez, o maior êxito comercial do grupo até hoje e um dos verdadeiros hinos obrigatórios do Metal.

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Tom Araya, Jeff Hanneman, Dave Lombardo e Kerry King

Eu lembro muito bem da primeira vez que ouvi o Reign in Blood. Tinha 14 anos e voltava da escola. Seria um dia como qualquer outro, não fosse uma discussão numa casa que me chamou a atenção. Uma mulher gritava furiosa com seu filho, dizendo algo sobre “não trazer a maldição para dentro de casa” enquanto arremessava uma caixa fechada na calçada, ao lado de uma pilha de sacos de lixo. Esperei-a entrar e, morrendo de medo, peguei a tal caixa e saí correndo. Algumas quadras depois, paro para recuperar o fôlego e, extremamente curioso, abro a bendita, me deparando com algumas revistas parcialmente queimadas e pôsteres rasgados, todos de bandas de rock.

Aquilo tudo era muito estranho para mim. Eu, que fui criado em família evangélica, nunca tinha tido contato direto com nada relacionado ao rock, apenas com o que minha mãe dizia, discursos estes quase idênticos ao da furiosa mulher. Com receio, me preparava para jogar tudo fora, mas vejo lá no fundo da caixa, em meio aos picotes de um pôster que, mais tarde, eu identificaria como sendo a capa do Sabbath Bloody Sabbath, do Black Sabbath, acho um vinil. Nem pensei duas vezes ao colocá-lo embaixo do braço e sair correndo para casa.

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Jeff e James Hetfield, do Metallica

A curiosidade misturada com uma sensação de perigo me fizeram perder o apetite, largando o almoço para aproveitar que estava sozinho em casa e ouvir aquele lp. E qual foi minha surpresa ao ver as caixas de som do velho toca discos de minha avó, que até então só havia entoado cânticos gospel, quase desmontarem-se ao vibrar com os riffs iniciais de “Angel of Death”. Foi a primeira e única vez que ouvi essa música completamente estático, sem reação. Primeira e única, pois a partir da segunda faixa, já estava pulando feito louco pela sala, ritual que se repetiu por toda aquela tarde e pelas que se seguiram por um bom tempo. Tudo, claro, devidamente escondido.

Quando não estava tocando até quase furar, meu disco ficava escondido num buraco do forro do meu colchão. Com o tempo, me arrisquei a levar aquela preciosidade à escola para fazer inveja e contar do feito aos amigos. Daí, saí caçando tudo da banda que encontrava nos sebos. Contudo, não tinha dinheiro para comprar, então arrumei um serviço de meio período como empacotador em um supermercado. Sim, foi um disco do Slayer que me fez correr atrás do primeiro emprego. Primeiro salário, voltei ao sebo para torrar aqueles trocados. Chegando lá, não tinha nada do Slayer, então me contentei com um disco de “um tal de Iron Maiden” (aquele que falava “alguma coisa de uma ‘Besta’”) e “outro lá da capa toda preta com uma cobra desenhada”. O tempo passou e, creio, se faz desnecessário continuar detalhando até onde fui nessas descobertas. Quem me conhece ou apenas lê meus textos já tem noção de que a história andou tal qual à maioria de nós “headbangers”.

Hanneman e King
Hanneman e King

Mas o que isso tem a ver com o texto inicial, afinal?

Longe de declarar uma pretensa superioridade, nós, os ditos “headbangers”, somos até motivo de piada por alardearmos que não apenas ouvimos o Metal, mas que, de certa forma, o “sentimos”. É algo que faz parte da nossa vida e é impossível dissociar. O som, uma vez que entra em nossas vidas, vira trilha obrigatória em todos os momentos. Mesmo quando minha mãe queimou meus primeiros discos numa van tentativa de “purificação espiritual”, nada mudou. O estrago já havia sido feito. E, para mim, tudo começou com o Slayer.

Jeff Hanneman, como dito acima, foi mais que um dos fundadores. Ele era grande parte da alma do grupo. E não digo isso por “conveniência” de sua morte. Ele realmente se destacou, para mim, tanto nas composições como nos solos de sua guitarra, que conseguiam soar além das distorções de Kerry King. Seus solos, juntos aos do Randy Rhoads, me fizeram querer aprender a tocar guitarra. Fracassei como aluno, mas não me arrependo de ter seguido à bateria (o Slayer me proporcionou Dave Lombardo, outro excelente “professor”). Certa vez, em uma entrevista, Jeff declarou que não suportava “músicas alegres e felizes”, algo de certo coerente a quem incorporou à técnica para tocar toda a fúria com qual também compunha. Foi com essa mesma fúria que ele resistiu ao longo e doloroso tratamento médico a que foi submetido nos últimos dois anos.

Em Janeiro de 2011, enquanto descansava tomando uma cerveja na sua banheira de hidromassagem, Jeff foi picado no braço por uma aranha. Inicialmente, ignorou o fato, mas pouco mais de uma hora depois, sentiu-se mal, ficando tonto e com fortes dores no braço (que estava vermelho e inchado). Posteriormente, foi diagnosticado com Fasciite Necrosante, uma espécie de doença degenerativa causada por bactérias cuja contaminação foi, provavelmente, decorrente da picada do animal. O mesmo declarou que os médicos chegaram a apresentar a amputação do membro como solução mais viável para salvá-lo, tendo sido recusada pois isso o impediria de tocar e, por certo, seria uma forma talvez mais cruel de ceifar sua vida. Daí, iniciou um longo e doloroso tratamento para conter o avanço da doença, com inúmeras cirurgias para aplicação de enxertos de pele e fisioterapia para recuperar os movimentos do braço. Tudo para não parar de tocar sua guitarra.

Sua última apresentação com o grupo se deu em 23 de Abril de 2011, curiosamente quase dois anos exatos antes de sua morte. Jeff, ainda em recuperação, subiu ao palco ao fim do show, para o ‘bis’, e tocou “Angel of Death” e “South of Heaven” ao lado de seus companheiros de banda (que já seguiam com Gary Holt, do Exodus, como substituto provisório de Hanneman). Alguns sites de notícias veicularam que o mesmo disse no camarim, após o show, que era “o homem mais feliz do mundo”. Disso, certamente, não podemos discordar.

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O Slayer seguiu seus rumos com Holt no lugar de Hanneman, Bostaph voltando para a bateria e gravando o ótimo Repentless em 2015. Mas é fato que o Slayer que seguiu pós-Hanneman não era mais o mesmo, e hoje, o grupo está em um limbo, com um provável não retorno. Não desmerecendo King e Araya, igualmente responsáveis pela força do grupo, mas a força criativa e a energia transmitida em palco por Hanneman foram uma perda incalculável e, infelizmente, irremediável. Mais que um guitarrista genial, perdeu-se parte da identidade do Slayer que conhecemos e que influenciou um sem número de bandas e jovens artistas (e os não tão jovens também) que se seguiram.

Todavia, o legado deixado por Dave, King, Araya e Hanneman permanecerá irretocável, sendo perpetuado por cada um dos que bateram cabeça embalados por seus solos e riffs. Digo isso como um assumido “metaleiro” iniciado por “Angel of Death” e que, dentro de quatro meses, será pai de um pequeno que já é “headbanger” desde o útero (coincidência ou não, coloco o mesmo Reign in Blood para tocar e as pontadas e chutes na barriga já começam). Esteja onde estiver, Hanneman, permaneça fazendo muito, muito barulho.

4 comentários sobre “Dez Anos sem Jeff Hanneman

  1. Belas memórias e bela homenagem ao mestre Hanemann. Não sou fã do Slayer, mas sempre admirei o bom trabalho de guitarras do grupo. E Jeff Hanemann é o grande arquiteto desse trabalho. Dizer que se passaram dez anos… fez-me lembrar que faz 35 que comprei um álbum do grupo pela primeira vez!

  2. Saudoso Hannemann. O Repentless é um baita disco, mas a falta que o Hannemann faz para o Thrash é insuperável. Lembro até hoje do falecimento dele, e como o show do RIR de 2013 foi marcante em homenagear o cara. Bela lembrança Luiz

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