Oops … I Did It Again: Gamma Ray – Blast from the Past [2000]

Oops … I Did It Again: Gamma Ray – Blast from the Past [2000]

Por Diogo Bizotto

Para quem não conhece esta seção, trata-se de um espaço em que analisamos o desempenho de artistas que gravaram novas versões para seus próprios trabalhos lançados anteriormente. Exemplos que já foram abordados aqui, entre outros, são o Twisted Sister, que regravou na íntegra seu mais bem sucedido álbum, Stay Hungry (1984), transformando-o em Still Hungry (2004); e o Testament, que registrou novamente, com muito mais qualidade sonora e proficiência técnica, clássicos de seus dois primeiros álbuns, The Legacy (1987) e The New Order (1988), sob a alcunha First Strike Still Deadly (2001).

O disco escolhido para hoje é Blast from the Past (2000), coletânea lançada pelo Gamma Ray após 11 anos de carreira e seis álbuns de estúdio, então já consolidado como algo muito maior do que apenas “o grupo do ex-Helloween Kai Hansen”. A princípio, coletâneas não são exatamente a coisa mais excitante do mundo para aqueles que acompanham determinado artista, mas a proposta da banda foi muito mais interessante, por duas razões. Primeira: segundo o próprio Kai, “foi dada aos fãs em todo o mundo a oportunidade de fazer as escolhas. Três músicas deveriam ser classificadas como as ‘favoritas’ de cada álbum”. Trata-se, obviamente, de uma atitude louvável, apesar da escolha popular muitas vezes pautar-se na mesmice, vide o set do recente show que o Metallica executou em São Paulo, selecionado pelos pagantes. Segunda: todas as canções que não haviam sido registradas com a formação do Gamma Ray na época – Kai, guitarra e vocal; Henjo Richter, guitarra e teclados; Dirk Schlächter, baixo; e Daniel Zimmermann, bateria -, foram completamente regravadas, oferecendo frescor à compilação e valorizando o dinheiro empregado pelos admiradores na aquisição de um produto muito mais interessante que uma coletânea habitual.

Formação que gravou Blast from the Past: Daniel Zimmermann, Dirk Schlächter, Kai Hansen e Henjo Richter
Formação que gravou Blast from the Past: Daniel Zimmermann, Dirk Schlächter, Kai Hansen e Henjo Richter

Um fator importante nas regravações é que, além das leves diferenças de arranjos, incluindo possíveis baixadas de tom, e da execução ter sido levada a cabo por outros músicos, os vocais dos três primeiros álbuns do Gamma Ray foram registrados por Ralf Scheepers (desde 1997 no Primal Fear), e não por Kai Hansen. Dono de uma voz aguda que lhe rendeu a tentativa de se juntar ao Judas Priest após a saída de Rob Halford do grupo, Ralf pode passar longe de estar entre meus vocalistas favoritos, mas marcou a primeira fase do Gamma Ray e executou um bom trabalho, tornando interessante a tarefa de analisar o desempenho de Kai em estúdio ao cantar músicas que não foram originalmente compostas para sua voz, mais limitada. É evidente, porém, o enorme amadurecimento demonstrado desde o primeiro álbum do Helloween, Walls of Jericho (1985), por ele cantado, e seu retorno definitivo ao microfone apenas dez anos depois, no quarto disco do Gamma Ray, Land of the Free (1995).

 

Heading for Tomorrow (1990)
Heading for Tomorrow (1990)

“Welcome”, a introdução que abre o primeiro álbum da banda, Heading for Tomorrow (1990), também inicia, em versão obviamente regravada (e mais caprichada), Blast from the Past. Da mesma maneira, ela dá lugar a “Lust for Life”, que serviu como cartão de visitas para os fãs do Helloween na época do lançamento do debut, mostrando que Kai ainda tinha muito power metal da estirpe mais tradicional para oferecer. Em sua regravação,  soa mais “cheia”, especialmente devido aos vocais de apoio bastante presentes no refrão. Sua escolha pelos fãs é mais do que justificada, assim como a seguinte, a divertida “Heaven Can Wait”, demonstrando que o Gamma Ray também era capaz de fazer uma aproximação mais natural ao hard rock, com tanta melodia quanto suas obras máximas com o Helloween, Keeper of the Seven Keys Part I (1987) e Part II (1988). A outra escolha extraída de Heading for Tomorrow é sua faixa-título, um épico de 15 minutos recheado de diferentes segmentos, cuja nova execução sobrou em qualidade. Outra escolha pertinente em relação a esse disco poderia ser “The Silence”, mas a canção será retomada mais adiante.

 

Sigh No More (1991)
Sigh No More (1991)

De Sigh No More (1991), foram selecionadas “Changes”, “One With the World” e “Dream Healer”. Dessa vez, as escolhas suscitam mais discussão, pois o segundo disco do Gamma Ray, mais experimental e menos propenso a agradar puristas acostumados com o padrão estabelecido pelo Helloween, que já vinha sendo extensamente copiado, traz uma série de faixas de destaque. A excelente “Dream Healer” é muito provavelmente a inclusão mais óbvia, enquanto “Changes”, apresentada neste caso em uma versão um pouco menos descontraída que a original, é outra justa adição. “One With the World”, no entanto, apesar de ser uma ótima música, soa um pouco mais deslocada, podendo ter cedido lugar para “Rich and Famous” ou até “Father and Son”, uma das melhores composições de Schlächter, então guitarrista. Tecnicamente, em relação a Sigh No More, é bom citar que, apesar da execução levada a cabo em 2000 ter eficiência de sobra, o toque mais técnico e classudo do baterista Uli Kusch (que futuramente integraria o Helloween), responsável pela gravação original, faz diferença na comparação com Daniel Zimmermann, correto, mas com menos “feeling”.

 

Insanity and Genius (1993)
Insanity and Genius (1993)

Em se tratando das faixas extraídas de Insanity and Genius (1993), a dificuldade em selecionar apenas três deve ter sido ainda maior. Não me entendam mal: “Tribute to the Past”, “Last Before the Storm” e “Heal Me” são fantásticas e representam o álbum maravilhosamente bem, mas outras desafiantes não ficam para trás, caso de “No Return”, a insana “Future Madhouse”, a faixa-título e o cover para a canção que dá nome à banda, do grupo alemão setentista Birth Control. A verdade é que, apesar da maioria dos fãs da banda apontarem Land of the Free(1995) como o melhor disco do Gamma Ray,Insanity and Genius é o mais interessante, pois, ao mesmo tempo que é inegavelmente heavy metal, cheio de referências tradicionais, apresenta estruturas menos convencionais e muitas peculiaridades, ainda mais tendo em vista a guinada rumo a um território mais familiar operada no registro seguinte. Sobre as regravações, além de Kai ter soado mais confortável em “Heal Me”, registrada em 1993 já com sua voz, “Tribute to the Past”, que julgo um pequeno clássico do power metal, ganhou uma pegada ainda mais urgente.

Land of the Free (1995)
Land of the Free (1995)

Apesar de já contarem originalmente com os vocais de Kai, as canções extraídas de Land of the Free também foram regravadas, pois, além de terem sido registradas com Dirk Schlächter ainda atuando como guitarrista, contam com a presença do baixista Jan Rubach e do baterista Thomas Nack, cozinha também responsável porInsanity and Genius. Tido pela maior parcela dos fãs como melhor e mais importante lançamento do grupo, o álbum trouxe à tona o mesmo tipo de musicalidade que Kai havia manifestado em seus tempos de Helloween, soando familiar e arrecadando uma quantidade espantosa de admiradores, além de se consolidar como um verdadeiro clássico do gênero nos inóspitos anos 1990. Exalando maturidade e seu aperfeiçoamento como compositor de temas cativantes, o guitarrista e vocalista apresentou uma sequência de faixas avassaladoras, entre as quais foram selecionadas, com justiça, “Rebellion in Dreamland”, “Man on a Mission” e “Land of the Free”, todas atualizadas com respeito às originais por um time de músicos mais que habituados com o estilo. Os backing vocals de Michael Kiske, ex-companheiro de Kai no Helloween, foram mantidos na faixa-título, decisão acertada.

Silent Miracles (1996)
Silent Miracles (1996)

O restante do track list é composto apenas de remasterizações. A primeira é “The Silence”, música lançada originalmente em Heading for Tomorrow, mas regravada no EP Silent Miracles (1996), do qual foi extraída. Inserida como uma espécie de faixa-bônus, foi mantida intacta, apesar de contar com a mesma formação que gravou Land of the Free. As últimas canções, tiradas dos álbuns Somewhere Out in Space (1997) e Powerplant (1999), refletem o encaminhamento do Gamma Ray rumo a uma sonoridade mais convencional; com qualidade e algumas excelentes composições, mas convencional, refletindo mais as influências do passado, como o Judas Priest. Exemplo capital é “Send Me a Sign”, que, apesar de ser creditada ao guitarrista Henjo Richter, parece um remake do clássico “I Want Out”, composição de Kai Hansen presente em Keeper of the Seven Keys Part II (Helloween), que por sua vez já era muito semelhante a “Out in the Fields”, do guitarrista norte-irlandês Gary Moore.

 

Somewhere Out in Space (1997)
Somewhere Out in Space (1997)

Apesar de uma dose de crítica em relação ao direcionamento menos variado, faz-se necessário frisar que os dois álbuns também são importantes e, inclusive, possuem algumas das melhores canções criadas pelo Gamma Ray, como é o caso de “Beyond the Black Hole”, presente em Blast from the Past e forte candidata a ser minha favorita do grupo. Seria interessante que, além desta, também houvesse sido incluída, deSomewhere Out in Space, “Shine On”, grande composição de Schlächter, que acabou cedendo lugar para a faixa-título e “Valley of the Kings”. De Powerplant, além de “Send Me a Sign”, foram incluídas as ótimas “Anywhere in the Galaxy” e “Armageddon”, mas que seriam substituídas sem prejuízo por outras faixas presentes no disco, como a tradicionalíssima “Razorblade Sigh” e o surpreendente cover para “It’s a Sin”, do Pet Shop Boys, que foi adaptada maravilhosamente bem.

 

Powerplant (1999)
Powerplant (1999)

No fim das contas, a avaliação de Blast from the Past não tem como ser negativa. Aproveitando-se de um formato que poderia ser maçante e não apresentar nada de novo, o Gamma Ray inseriu propostas mais criativas e mostrou que sua jornada musical estava apenas começando, oferecendo material digno de aquisição mesmo por aqueles que já colecionavam todo seu catálogo. A proposta musical do grupo pode não ser das mais criativas do mundo, mas, nesse terreno, Kai Hansen e seus colegas sempre souberam transitar como pouquíssimos, atraindo uma grande quantidade de fãs e com diversos lançamentos nas duas últimas décadas, até o retorno de Kai em definitivo para o Helloween. Mas aí é outra história.

Tracklist:

CD 1:
1. Welcome
2. Lust for Life
3. Heaven Can Wait
4. Heading for Tomorrow
5. Changes
6. One With the World
7. Dream Healer
8. Tribute to the Past
9. Last Before the Storm
10. Heal Me

CD 2:
1. Rebellion in Dreamland
2. Man on a Mission
3. Land of the Free
4. The Silence
5. Beyond the Black Hole
6. Somewhere Out in Space
7. Valley of the Kings
8. Anywhere in the Galaxy
9. Send Me a Sign
10. Armageddon

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