Cinco Discos Para Conhecer: Noise Rock

Cinco Discos Para Conhecer: Noise Rock

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Por Alisson Caetano

Transformar o que muitos consideram incômodo sonoro e ruído em música é uma tarefa deveras complicada. Fazer com que se compreenda as reais intenções de uma música encoberta por uma muralha de feedbacks, ruídos e efeitos é tarefa tão complicada quanto.

É difícil apontar quando o gênero noise rock tomou forma, muito menos quando surgiu, mas é fácil perceber que tem sido uma constante nos submundos da música underground e alternativa nos fins dos anos 80 e — principalmente — nos anos 90 em diante, quando literalmente fervilharam projetos que abraçaram com orgulho o rótulo de noise para si.

Como sempre, incontáveis discos ficaram fora da lista, mas como o intuito é citar apenas cinco, a matemática não me permitiu colocar 10 discos aqui. Por fim, vale repetir os mesmos dizeres que fiz em minha matéria sobre drone:

Os discos citados abaixo não são de audição fácil, portanto, se você:

  1. Não gosta de heavy metal;
  2. Não gosta de música experimental, ou;
  3. Acha que tudo o que vou citar abaixo nem é música de verdade, ou até;
  4. Está esperando Metal Machine Music.

Não se dê o trabalho de prosseguir com a leitura.


white-light_white-heatThe Velvet Underground – White Light / White Heat [1968]

Goste você ou não das estranhas composições de Lou Reed a frente do Velvet Underground, há de dar o braço a torcer: surtiram influência igual — ou até maior — que os Beatles nas gerações seguintes, desde o punk, o rock avant-garde, a art-rock e, neste caso, na utilização do conceito noise no rock. A estética e sonoridade do disco é completamente atípica: ruidosa, com baixo e guitarra atravessando canais e vocais hora encobertos por toneladas de fuzz e efeitos de guitarra, hora jogados em um único canal e a volume máximo, causando um efeito realmente incômodo, mas chamativo. Está aí o espírito do estilo: incomodar, mas sempre com um propósito embutido. Talvez o principal propósito da música noise, além de causar desconforto, seja incitar o ouvinte a desvendar o que há além do caos. Ecos de rockabilly, blues, spoken word e poesias profundas sobre assuntos polêmicos, mas sempre de extrema qualidade, acabaram passando batidos por quem não teve paciência ou escopo suficiente para compreender o que estavam ouvindo. Para nossa sorte, uma geração inteira conseguiu sacar o que Lou Reed quis nos mostrar — além de barulho, claro. Seminal, e nada mais.

Lou Reed (vocal, guitarra, piano); John Cale (vocal, baixo); Sterling Morrison (vocal, guitarra, baixo); Maureen Tucker (percussão).

  1. White Light / White Heat
  2. The Gift
  3. Lady Godiva’s Operation
  4. Here She Comes Now
  5. I Hear Her Call My Name
  6. Sister Ray

bigblackBig Black – Songs About Fucking [1987]

Falar em noise rock sem ao menos citar a figura de Steve Albini seria cometer deslize semelhante ao escrever sobre rock progressivo sem falar de Pink Floyd. O Big Black na verdade é uma das várias bandas noise que Albini levou a cabo em sua carreira como músico e, mesmo com uma curtíssima carreira, viriam a ser apontados como enorme influência para futuras bandas que se consagrariam anos mais tarde. Responsável pelas vozes, guitarras e letras do grupo, Albini criou para o Big Black um som frenético e intenso, muito próximo do hardcore, tanto que Albini sempre viu o Big Black como uma banda punk. O clima industrial do disco — intensificado pelo uso de bateria eletrônica e ritmos marciais — mesclado à fúria natural do punk apenas ajudam a traçar um paralelo de semelhança com outras bandas mais conhecidas do grande público, especialmente o Ministry e o Nine Inch Nails. Em resumo, Sonds About Fucking é intenso — tal como o título sugere — e, apesar da dificultosa audição habitual do estilo, cativa rapidamente o ouvinte pelo vigor de suas canções.

Steve Albini (vocais, guitarra); Santiago Durango (guitarra); Dave Rilley (baixo)

  1. The Power of Independent Trucking
  2. The Model (cover do Kraftwerk)
  3. Bad Penny
  4. L Dopa
  5. Precious Thing
  6. Colombian Necktie
  7. Kitty Empire
  8. Ergot
  9. Kasimir S. Pulaski Day
  10. Fish Fry
  11. Pavement Saw
  12. Tiny, King of the Jews
  13. Bombastic Intro
  14. He’s a Whore (cover do Cheap Trick)

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Sonic Youth – Dirty [1992]

Quando despontaram no cenário alternativo no ano de 1983 com Confusion is Sex, já chamaram a atenção pela proposta que mesclava o universo alternativo vigente com uma pegada descaradamente experimental. 9 anos e cinco discos depois, sendo três deles audição rockeira obrigatória — os seminais EVOL [1986]Daydream Nation [1988]Goo [1990] — passamos a presenciar não apenas mais uma banda no meio de uma enxurrada, mas uma banda convicta do que estava fazendo — uma banda influente, em resumo –. Dirty chama a atenção pela evolução da forma como a guitarra é encarada em seu papel na criação de arranjos, bases e solos. Tudo é impressionantemente assimétrico, mas ao mesmo tempo cativante. Reza a lenda que inúmeros utensílios foram usados para produzir sons específicos na guitarra, como baquetas e ferramentas, algo que não é de se duvidar, pois o som obtido é realmente estupendo, mesmo sendo noise. Arranjos pop que mesclam-se a melodias sombrias e guitarras dissonantes dão o tom de um disco que pode parecer estranho à princípio, mas que cresce nas audições seguintes.

Thurston Moore (vocal, guitarra); Kim Gordon (baixo, vocal, guitarra); Lee Ranaldo (guitarra, vocal); Steve Shelley (bateria)

  1. 100%
  2. Swimsuit Issue
  3. Theresa’s Sound-World
  4. Drunken Butterfly
  5. Shoot
  6. Wish Fulfillment
  7. Sugar Kane
  8. Orange Rolls, Angel’s Spit
  9. Youth Against Fascism
  10. Nic Fit
  11. On the Strip
  12. Chapel Hill
  13. JC
  14. Purr
  15. Créme Brûlèe

a3612822745_16Today is the Day – Willpower [1994]

Em se tratando de noise, o Today is the Day, norte-americanos da cidade do Tennessee, já se tornaram referências para toda e qualquer banda do estilo que viesse a surgir futuramente. O som é completamente raivoso, dissonante, provocativo e, o mais importante, imprevisível. O trabalho vocal de Steve Austin é estupendamente doentio, com vários gritos e vocais rasgados que, juntamente das guitarras agudas produzindo riffs curtos e explosivos, criam um verdadeiro caos sonoro imprevisível. O grande charme de Willpower é conseguir unir a dissonância e andamentos de math rock com trechos onde as melodias e influência de shoegaze — My Bloody Valentine, principalmente — dominam as músicas, passando de momentos de súbito peso e raiva para momentos esmagadoramente sentimentais. E isso faz todo o sentido do mundo no contexto que o disco se enquadra. Tematicamente, Willpower também não é acessível. Basicamente é um turbilhão lírico sobre desespero, depressão, suicídio e letras confessionais, tornando o panorama geral do disco ainda mais brutal.

Steve Austin (vocal, guitarra, samplers); Mike Herrell (baixo); Brad Elrod (bateria)

  1. Willpower
  2. My First Knife
  3. Nothing To Lose
  4. Golden Calf
  5. Sidewinder
  6. Many Happy Returns
  7. Simple Touch
  8. Promised Land
  9. Amazing Grace

155394Oxbow  – The Narcotic Story [2007]

Diferente dos anteriores, The Narcotic Story não é um disco que abusa de distorções de guitarras, feedbacks e efeitos que procuram preencher todos os espaços da música. Utilizando sonoridades acústicas que mesclam-se a nuances produzidas por efeitos digitais e muitas vocalizações, é certamente um dos discos mais singulares a marcar presença aqui. As influências de blues e jazz são gritantes durante toda a audição, e a banda parece deixar claro que o disco é mais referencial do que uma complexa montagem de barulhos. Algo notável e onipresente nos pouco mais de 40 minutos de duração do disco é o clima esquizofrênico das faixas, sempre muito sombrias e com vocais e vocalizações — a cargo do performático Eugene Robinson — que mais se assemelham a um usuário de drogas agonizando em estágio de abstinência — o título do mesmo não é por acaso –. Um disco tortuoso de avant-garde sobre drogas que definitivamente não tem absolutamente nada de semelhante à apologia e felicidade dos discos psicodélicos dos anos 60.

Eugene Robinson (vocais); Niko Wenner (guitarra); Greg Davis (bateria, percussão); Dan Adams (baixo). Para line-up completo, consulte o All Music.

  1. Mr. Johnson
  2. The Geometry of Business
  3. Time, Gentlemen, Time
  4. Down a Stair Backward
  5. She’s a Find
  6. Frankly Frank
  7. A Winner Every Time
  8. Frank’s Frolic
  9. It’s the Givin, Not the Taking

Um comentário em “Cinco Discos Para Conhecer: Noise Rock

  1. Aí está um estilo do qual conheço muito pouco, vou aproveitar as dicas; dos discos citados, conheço apenas o “White Light, White Heat” – que não é dos meus favoritos do Velvet Underground, para ser franco – e o “Dirty” – nunca ouvi muito do Sonic Youth, mas gosto desse disco.

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