Histórias de Um Colecionador: A Caixa de Discos

Histórias de Um Colecionador: A Caixa de Discos

Por Micael Machado

Uma das histórias que mais causam tristeza e arrependimento ao Eurico veio de um dos momentos mais felizes em sua vida de garimpador/colecionador de discos. Não foi um momento ruim de forma alguma, mas acompanhem a história e vocês irão entender o motivo da mágoa de nosso amigo.

Aos 23 anos de idade, Eurico conseguiu um emprego em uma grande empresa de sua cidade, com um salário bem melhor do que tinha até então, em uma área na qual já trabalhava há algum tempo e da qual julgava ter bastante conhecimento. O local onde passou a trabalhar tinha divisões bem específicas (escritório, vendas, fabricação, expedição, etc.) e o seu setor específico era dividido em três áreas, cada um com seu próprio gerente. O responsável por um dos setores era um sujeito muito mais velho e experiente que Eurico, trabalhava ali há pelo menos vinte anos, sujeito austero, fechado, temido e respeitado por todos na empresa, e tido como um dos maiores conhecedores no país do produto que vendiam. Muitos funcionários evitavam sequer dar um “bom dia” ao sujeito com medo de seu notório mau humor, mas ele era muito amigo de um dos responsáveis por um outro setor da empresa (que, acredite, não era o mesmo onde Eurico trabalhava). Acontece que, numa saída de turno, Eurico viu o tal “amigo” do gerente “malvado” com uma camiseta de banda da qual ele gostava, e, do alto da sua petulância e arrogância, se aproximou do cara dizendo que gostava daquela banda e até tinha alguns discos dela. O sujeito (também bem mais velho que o Eurico), sabe-se lá por qual motivo, deu papo para ele, e acabou descobrindo que o “moleque” não estava de brincadeira, ele gostava mesmo da banda, conhecia sua história, e ainda haviam outras bandas que os dois gostavam.

Nelson, o tal “amigo”, acabou desenvolvendo uma amizade com Eurico, lhe contou que tinha muitos discos e um bom número de CDs em sua coleção (estes ainda eram relativamente novos no país, e bem mais caros que o vinil, o que causou certa admiração no Eurico, que fazia pouco havia comprado um CD player e ainda não tinha enchido sequer um porta CDs de dez lugares com as bolachinhas). Em uma visita de trabalho ao setor do Eurico, dias depois, Nelson, do nada, falou para uma colega de nosso herói, Léia, que o moleque também era ligado em som e tinha um bom gosto musical (aos olhos dele, ao menos), e que o Eurico tinha ficado admirado ao saber do tamanho da coleção do próprio Nelson, completando a frase com a expressão “se ele conhecesse a do Jimi então…”. Jimi era o tal gerente “malvadão” que citei acima, e também o esposo de Léia. O papo serviu para aproximar Léia de Eurico, e, consequentemente, de Jimi, visto que Eurico não tinha ainda noção da “fama” do gerente entre os demais colegas (não fazia nem um mês que ele estava na empresa, e ambos trabalhavam em setores diferentes, vale lembrar).

Se Nelson tinha uma grande coleção e um enorme conhecimento musical, Jimi tinha ambos em escalas muito maiores que ele. As histórias que ele ou Léia contavam para Eurico dos shows que haviam assistido, dos “sebos” que haviam frequentado, dos artistas com quem já haviam falado, fascinavam o rapaz, que julgava que já tinha um amplo conhecimento do mundo musical, mas começava a perceber que, não importa o quanto se saiba, sempre haverá alguém que sabe e conhece mais que você. Quando os três se juntavam em um horário de almoço, ou em algum compromisso do serviço (o que não era tão frequente), Jimi e Nelson falavam de bandas que Eurico nunca tinha sequer ouvido falar, grupos que certamente não apareciam nem nas páginas da Bizz nem nas da Rock Brigade, as principais fontes de informação de nosso amigo naqueles tempos pré-internet. Jimi era mais reservado com seus discos, mas Nelson de vez em quando emprestava um vinil ou outro para Eurico, que, rapidamente, gravava os mesmos em uma fita cassete na mesma noite, devolvendo a “pérola” musical a seu dono na manhã seguinte, e depois passando dias apreciando e curtindo a “novidade” sonora que seu colega lhe havia apresentado.

O tempo passou, e já fazia uns seis meses que Eurico trabalhava na empresa, quando Léia lhe contou que, recentemente, ela e Jimi haviam se mudado para uma casa nova, e que transportar a coleção de Jimi para seu novo lar havia sido um verdadeiro tormento, por causa do tamanho da mesma, mas, principalmente, segundo ela, porque muitos itens Jimi tinha repetidos (ou triplicados) em diferentes edições, tanto em vinil quanto em CD, e que ela, apesar de curtir um som também e de acompanhar o marido em suas “andanças musicais” de muito bom grado, já não estava aguentando mais tantos itens, e, além do mais “o bom era mesmo trocar tudo por CD, que tem um som melhor, é mais fácil de guardar e ainda não arranha”. Eurico também não entendia por qual motivo alguém teria mais de uma cópia do mesmo disco (ah, a juventude…), mas não sabia dizer se era melhor ficar só com o CD ou não…

Naquela mesma semana, Jimi lhe encontrou em um horário de almoço, e disse que Léia estava lhe pressionando para diminuir um pouco a coleção, mas que ele não tinha a menor vontade de passá-los a um sebo qualquer por meia dúzia de trocados, e que preferia que eles ficassem com alguém que fosse dar valor aos mesmos e soubesse ouvi-los. Sendo assim, propôs ao Eurico: “porque você não vai lá em casa depois do serviço e escolhe uns discos prá você?”. Eurico argumentou que, com certeza, não poderia escolher muitos, pois certamente não conseguiria pagar, mas Jimi respondeu, meio rispidamente: “Quem falou em pagar? Eu vou te dar os discos, ora essa, melhor assim do que eles irem parar na mão de quem nem sabe direito quem são essas bandas que a gente curte! Escolhe quantos e quais você quiser, que eu te dou com o maior prazer!”. Eurico não estava acreditando! Finalmente iria conhecer a “famosa” coleção do Jimi, e, ainda por cima, poderia levar para casa alguns itens daquele cobiçado tesouro! Era bom demais para ser verdade!

Marcaram um dia, Léia passou o endereço a Eurico, e, após o serviço, lá foi ele pegar um ônibus e rodar por quase uma hora para chegar na casa do Jimi… chegando lá, não era a “mansão” que ele havia imaginado, mas uma casa muito boa, e, em uma sala específica, estantes espalhadas pelas paredes contemplavam a maior quantidade de CDs e vinis que Eurico já havia visto fora de uma loja! Orgulhoso como quem fala de um filho que ganhou algum prêmio na escola, Jimi mostrava a Eurico edições japonesas, alemãs e americanas de vinis que o rapaz só havia visto em revistas até então, e outros tantos cujos nomes ou sonoridades ele nem sabia que existiam. Após algum papo, Jimi apontou para umas caixas no canto, contendo uma boa quantidade de LPs, e disse: “Esses são alguns nacionais que a Léia viu que eu tenho importado ou em CD. Se te interessar algum, pode pegar pra você!”. Eurico tentou se conter e não ser muito “esfomeado” mas a quantidade de itens era maior do que ele podia resistir… Mesmo assim, muitas daquelas bandas ele nem fazia ideia do que se tratavam, então preferiu ficar naquelas que ele já “conhecia”, e em alguns outros que já tinha visto em sebos, mas sabia que tinham um valor considerável mesmo naqueles tempos onde o vinil andava tão desvalorizado.

Dentre vários Black Sabbaths da era Ozzy, Deep Purples com Tommy Bolin ou não, Peter Gabriels dentro ou fora do Genesis, alguns King Crimsons e Emerson, Lake and Palmers, muitos Iron Maidens e Jethro Tulls e alguns Pink Floyds, Rushs e Marillions, Eurico separou uns 50 Lps que julgava saber do que se tratava (o que quase dobrou, automaticamente, o tamanho da sua coleção) e deixou para trás muita coisa que até hoje ele não sabe contar. Quando o rapaz disse para Jimi selecionar quais daqueles ele poderia levar, Jimi quase gargalhou, e disse que no dia seguinte levava a pilha toda para Eurico no serviço, e de lá ele desse um jeito de levar para casa. Assim foi: no dia seguinte, Jimi e Leia apareceram no escritório cada um com uma caixa cheia de vinis (até mesmo alguns que Eurico não tinha escolhido, mas que Jimi garantiu que ele iria curtir, com toda a certeza), e nosso amigo arrumou um local por ali para deixá-los guardados por uns dias, enquanto ia, aos poucos, levando-os para sua nova morada…

O tempo passou, e posso lhes garantir que, mesmo tantos anos depois, tanto os discos quando as caixas ainda se encontram na coleção do Eurico, que, com certeza, os escutou e curtiu bastante desde então. Uns dois anos depois, nosso amigo acabou trocando de emprego, e só encontrou o casal Jimi e Léia mais uma vez, ao acaso, em um show anos depois. Nelson sumiu de vez, mas a lembrança daqueles amigos ainda está presente em sua memória… o que sumiu de vez da lembrança de Eurico foram quais discos ele deixou para trás por não conhecê-los à época, e até hoje ele imagina quantas pérolas de tantos grupos clássicos que ele só viria a conhecer anos depois não estavam disponíveis ali naquelas caixas do Jimi, e que destino teriam eles tomado depois de serem “desprezados” pelo então jovem e inocente rapaz… Isso ele nunca irá saber, por isso o arrependimento e a tristeza de ter pisado em um verdadeiro “paraíso” musical e não ter discernimento ou conhecimento suficientes para aproveitar a oportunidade…

E você, já perdeu alguma raridade por não saber do que se tratava, e anos depois ainda lamenta não ter pegado aquela “pérola” quando teve a oportunidade? Deixe aqui nos comentários, e até a próxima aventura de nosso amigo Eurico!

5 comentários sobre “Histórias de Um Colecionador: A Caixa de Discos

  1. LEndo o texto que fiquei com um puta medo de que o desfecho fosse que o “Eurico” tivesse perdido ou acontecido alguma coisa com a caixa dos LPs…
    Que bom que deu certo. Eu também tive uma situação parecida. Um cara que era casado com um tia tinha muito discos. Nada fora do comum, mas era muita coisa e tudo edição japonesa (o cara é oriental). Um dia fui fazer uma visita à eles e ele me mostrou umas caixas de LPs tudo guardado no sótão da casa e me falou a mesma coisa: “escolhe uns discos aí e pode levar”. Como eu estava morrendo de vergonha peguei alguns, cerca de 5 ou 6. Passando um mês eu pensei comigo. Se ele queria me dar e eu fiquei com vergonha e se eu oferecer para ele uma grana e levar tudo? Falei para minha mãe da ideia e ela falou com ele. Ele mandou tudo lá para a casa dela, separei uns 100 discos. Pois muito outros era de coisa que eu não gostava. Aí ofereci 1000 reais em tudo (isso aconteceu há uns 6-7 anos, então esse valor eu achei muito razoável, pois não vivíamos na era da “volta do vinil”). Aí o cara falou que era muito pouco e fechou negociações de maneira até brusca. Aí eu fiquei sem entender…ele tinha me oferecido em DAR os discos, fiquei com vergonha de pegar muita coisa, aí quando eu ofereci uma grana ele deve ter se sentido ofendido…Sei lá…

  2. Essa de que achamos q conhecemos, e sempre tem alguém q conhece mais, eh uma grande verdade, e será o tema da próxima história do Eurico, certeza

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