Tralhas do Porão: Juicy Lucy

Tralhas do Porão: Juicy Lucy

Por Ronaldo Rodrigues

O Juicy Lucy é um daqueles grupos que lambiscaram um naco de fama, tiveram a chance de conseguir algo a mais, mas acabaram morrendo cedo e ficando esquecidos ao longo dos anos (e décadas seguintes). A banda foi formada na Inglaterra e teve muitas formações distintas em seus 3 anos de atividade. Mas sua história começa nos EUA.

O famoso DJ da rádio BBC de Londres, John Peel, estava nos EUA desde 1960 e ali permanecera por cerca de 7 anos. Nessa época, ele fazia um pouco de tudo; conseguiu sua primeira inserção no universo do rádio no Texas e depois foi galgando posições em outras rádios até se estabelecer na Califórnia. Lá, ele já tinha uma certa reputação e estava bastante antenado com a cena do rock local, sacudida pela passagem da British Invasion. Uma banda que ele viu ao vivo o impressionou de forma indelével – The Misundertood. O grupo era da cidade de Riverside, liderado por um jovem e prodigioso guitarrista de San Diego, chamado Glen Ross Campbell. John Peel nunca deixou de mencionar o quanto o Misundertood era incrível ao longo de sua carreira, dizendo que a banda era capaz de engolir os Yardbirds e que o show que eles deram em uma casa noturna de Holywood, em 66, foi um dos melhores shows que ele assistiu em toda sua vida. John Peel se tornou empresário da banda e fez o possível para que a banda se tornasse tão grande e famosa quanto ele imaginava que eles poderiam ser.

O que acabou acontecendo foi que no começo de 1967, John Peel retornou para a Inglaterra e quis levar o Misundertood junto. O grupo foi, mas em pouco tempo a formação americana do grupo se desfez, mantendo apenas Glen Campbell como cabeça. Em Londres, vários músicos que viriam a obter um certo grau de reconhecimento passaram pelo Misundertood  – Guy Evans e Nic Porter, do Van der Graaf Generator; Dave O’ List, do Nice; Tony Hill, do High Tide, e o saxofonista Chris Mercer, que tocou com muita gente na área. O Misundertood lançou apenas compactos, entre 1966 e 1969, que sacudiram a área tanto quanto possível naquele cenário concorrido, sendo considerado por muitos críticos como um dos pioneiros do acid-rock/rock psicodélico. Mas para decepção de John Peel, o grupo se desfez sem ter sido o sucesso que poderia ter. A história do grupo é muito curiosa e merece ser revisitada em outro texto.

 

Glen Campbell era um americano muito bem resolvido em solo inglês. Seu jeito descolado e bem humorado lhe garantia muitas amizades e bons contatos, e destoava dos puristas do blues, que pareciam querer cultivar a tristeza e decepção para melhor interpretar o blues com suas bandas. Campbell era exímio guitarrista e conhecia muito bem as raízes da música de seu país. Passou a ser bastante admirado no quesito musical. Com uma certa facilidade, conseguiu montar um novo time para embarcar na onda do blues eletrificado londrino, em outubro de 1969. Junto o vocalista Ray Owen, o saxofonista Chris Mercer, o segundo guitarrista Neil Hubbard, o baixista Keith Ellis e o baterista Pete Dobson, estava montado o Juicy Lucy. Ray Owen e Chris Mercer já estavam com Campbell no Misunderstood; Neil Hubbard era do Bluesology (banda pela qual passou Elton John) e Keith Ellis era do grupo mod The Koobas. Com todos já rodados no circuito, em pouco o tempo o novo grupo tinha nome (inspirado no personagem de uma história em quadrinhos), repertório, um manager (Nigel Thomas, também empresário de Joe Cocker) e um contrato assinado com a Vertigo, emergente estampa do underground londrino.

O primeiro disco saiu ainda em 1969 e já emplacou um sucesso nas paradas, com a releitura explosiva de “Who do You Love” do guitarrista americano Bo Diddley.  A capa também era bastante marcante, trazendo a dançarina Zelda Plum nua, coberta apenas com frutas. O que mais complicou a vida do Juicy Lucy foi o constante entra-e-sai de músicos. O vocalista Ray Owen foi dispensado do grupo alguns meses do lançamento do primeiro álbum e para o seu lugar veio Paul Williams (que tinha tocado baixo com John Mayall & Bluesbreakers e futuramente tocaria e cantaria no Tempest). Owen foi para outro grupo de blues-rock da época, o Killing Floor, e pouco tempo formaria sua própria banda, chamada Moon, que lançou apenas um único (e bom) disco em 1972. O guitarrista Neil Hubbard e o baterista Pete Dobson também durariam pouco na banda – foram substituídos por Mick Moody (que muitos anos depois estaria na primeira formação do Whitesnake) e por Rod Coombes (que havia tocado na primeira formação do Jeff Beck Group e depois passaria pelo Stealers Wheel e iria para o Strawbs).

Tudo acontecia muito rápido com a banda; o segundo disco veio em 1970 pela Vertigo, batizado de Lie Back and Enjoy It. O álbum também teve um sucesso nas rádios – a faixa “Pretty Woman”. O grupo tocava frequentemente no circuito de clubes e excursionava intensamente pela Alemanha. Contudo, galgar degraus mais altos de reconhecimento parecia inacessível. O próprio John Peel, amigo de Campbell, nunca deu bola para o Juicy Lucy mesmo já desfrutando de grande reconhecimento e influência na BBC. De forma geral, o álbum foi bem recebido pela crítica (a New Musical Express havia citado o Juicy Lucy como uma das melhores bandas ao vivo do período) e atingiu uma expressiva marca também na parada dos álbuns. Assim como o primeiro álbum, trazia um blues-rock muito musical, irreverente e capaz de agradar diversas matizes de roqueiros.

No começo de 1971 um novo álbum estava no forno, mas Glen Campbell estava cansado e um pouco abatido pelo sucesso limitado do Juicy Lucy. O cabeça da banda ainda decide deixar o grupo antes do lançamento do terceiro álbum, chamado Get a Whiff a This, e voltar para os EUA. Em seu lugar, entra o guitarrista Bernie Marsden (que também estaria na primeira formação do Whitesnake). Nessas alturas, o baixista original Keith Ellis já tinha saído e sido substituído por Jim Leverton (que era do Fat Mattress, de Noel Redding). Naquele ano, o Juicy Lucy seria uma das principais atrações do festival Weeley, ocorrido em Essex, no qual tocaram para cerca de 100.000 pessoas. O novo disco saiu pelo selo Bronze e tem uma pegada mais suave e country-rock, com músicas de grande qualidade. Paul Williams, o vocalista, era quem tentava segurar as pontas e continuar com a banda. Bernie Marsden ficou pouco tempo na posição de segundo guitarrista, indo tocar com o Wild Turkey e o Babe Ruth antes de ir para o nascente Whitesnake.

Nesse vai-e-vem, o próprio Glen Campbell voltou para tentar reatar as coisas. Então, 1972 chega para o Juicy Lucy contando com Campbell e Moody nas guitarras, Chris Mercer no saxofone, Paul Williams nos vocais e a cozinha de uma banda recém-desfeita, o Bloodwyn Pig (de Mick Abrahams, ex-Jethro Tull) – Andy Pile (baixo) e Ron Berg (bateria). Mas o próprio Glen Campbell não participaria da gravação do novo álbum. Essa formação, sem Campbell, gravou Pieces (lançado pela Polydor) e o promoveu tal qual os outros álbuns do grupo – com um sucesso apenas “ok” para o que aqueles competentes músicos mereciam.

Concluída a promoção do álbum no ano seguinte, o Juicy Lucy se desmonta de vez. Micky Moody formou o Snafu e Paul Williams se juntou a Jon Hiseman, Mark Clark e Allan Holdsworth no Tempest. Ron Berg e Andy Pile foram tocar com o Savoy Brown, onde ficaram até 1974. Mick Moody e Bernie Marsden, além de tocarem juntos no Whitesnake, tiveram vários outros projetos conjuntos, em uma prolífica parceria. Nos anos 90, Ray Owen resolveu reformar o Juicy Lucy e lançar mais alguns álbuns.

4 comentários sobre “Tralhas do Porão: Juicy Lucy

  1. O Misunderstrood acabou sendo quase dois terços do futuro Van der Graaf Generator, já que Keith Ellis também participou das duas bandas. A música de Peter Hammill (lançada no disco PH7) “Not for Keith” é uma homenagem ao gajo. Tenho uma anedota pessoal em relação ao disco Lie Back and Enjoy it. Ele saiu por aqui na mesma época que o Led IV e uma namoradinha minha da época pediu para eu escolher qual dos dois queria de presente. Escolhi o Juicy e fui zoado por anos pelos meus amiguinhos “entendidos de rock”, hehe… Belo texto… gosto de todas as bandas citadas.

    1. Quando eu tava escrevendo sobre o Misunderstood, me veio a impressão de que você apareceria pra comentar, Marco – imaginei que fosse da sua praia! e sobre o Juicy Lucy, sensacional essa história! eu tb já dei muitas vezes preferência a comprar discos menos celebrados primeiro do que os clássicos!

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