Tralhas do Porão: Morly Grey

Tralhas do Porão: Morly Grey

Por Ronaldo Rodrigues

Nosso porão hoje desencava uma preciosidade vinda do meio-oeste norte-americano. A pequena cidade de Alliance, no estado de Ohio, tem hoje pouco mais de duas dezenas de milhares de habitantes. Na década de 70 tinha até um pouco menos que isso. Mas foi o suficiente para cunhar o talento do jovem guitarrista Tim Roller e de seu irmão Mark, que tinha escolhido o baixo para acompanhá-lo. Em 1969, os irmãos eram adolescentes e se aventuravam nas primeiras experiências com bandas. O nome do grupo próprio dos garotos já era Morly Grey e Paul Cassidy os acompanhava na bateria, junto com um segundo guitarrista, Randy Byron. As informações sobre a formação e os primeiros registros do grupo são escassas e desencontradas. Mas ao que consta, no mesmo ano uma tímida estréia aconteceu em um compacto contendo as faixas “Yas” e “Sleepy Softness”.

Contudo, a medida que os irmãos Roller foram amadurecendo, Randy Byron ficou pra trás. Em 1971, o Morly Grey havia se transformado em um trio. Por um pequeno selo local chamado Starshine, sediado em Warren (Ohio), surgira uma nova oportunidade de gravar. O selo lançou poucas coisas enquanto esteve ativo, lidando apenas com grupos de pequena expressão daquela área.

Dois novos temas foram escolhidos para o compacto – “After me Again” e “A Feeling for You” enquanto um álbum completo era preparado. Com as gravações ainda não inteiramente concluídas, o baterista Paul Cassidy se manda e outro baterista ocupa seu posto – Bob LaNave. Como boa parte do disco já estava gravado no Cleveland Recording Corporation, os irmãos Roller decidiram utilizar o material gravado por Cassidy e completar as músicas que faltavam com Bob LaNave em uma outra ocasião. Ainda em 1971, no meio desse processo de transição, a Starshine resolveu continuar as tentativas de promover o álbum através de mais um compacto, com as faixas “Who Can I Say You Are” e “You Came to Me”. No selo deste compacto, vinha anunciado que as faixas fariam parte do álbum completo do grupo, cujo nome já havia sido escolhido – The First Supper.

Contudo, com a mudança de formação a banda decidiu rebatizar o álbum, que seria concluído e lançado em 1972. The Only Truth viria a ser o nome do álbum, e da longa faixa que o encerrava, tendo sido gravada pelo novo baterista no Peppermint Studios, na cidade de Youngstown. Até mesmo a arte do álbum com o título anterior, The First Supper, já estava pronta, mas a pedido da banda uma nova arte foi feita, tendo sido executada pela artista Carol Pawlich. A arte de The First Supper foi então inclusa como um pôster encartado junto com The Only Truth. Ambas as artes demonstram a inspiração cristã do grupo (a capa do disco faz alusão a Jesus Cristo de perfil, coroado de espinhos).

A única questão que essa curiosa trapalhada traz é que o lado A (com Paul Cassidy) do álbum tem uma sonoridade bem diferente do lado B (com Bob LaNave). Não significa que o lado B seja ruim, tampouco Bob LaNave fosse um baterista sem habilidade, mas é nítido perceber que o lado A tem mais peso e os instrumentos soam com muito mais vida na gravação feita em Cleveland. A abertura do álbum com “Peace Officer” já é estrondosa, com a guitarra de Tim Roller fritando junto com a bateria frenética de Cassidy e o baixo denso de Mark Roller. A composição é envolvente, os vocais são bem colocados e os solos de guitarra são intensos como se ouve em todo bom hard rock do começo dos anos 70. As faixas seguintes, que saíram no compacto de 71, são mais melódicas incluindo a bela presença de violões, ainda que mantenham o groove de um ritmo dinâmico, tal qual o praticado pelo Grand Funk Railroad na mesma época. “Who Can I Say You Are” é um belo misto de melancolia e peso e o mesmo acontece com a fantástica “Our Time”. Ao longo de todo o lado A se houve o quanto os irmãos Roller eram instrumentistas e compositores de mão cheia. O lado B já pega um pouco mais leve, e o som ligeiramente mais abafado arranha um pouco da beleza das composições, ainda que a faixa título seja surpreendente, por sua duração e pelo solo de guitarra repleto de ecos. As letras do grupo fazem uma alusão discreta a temas bíblicos e são tão repletas de metáforas e conteúdos genéricos quanto a de outros contemporâneos.

Dada a tímida estrutura da Starshine (foi o único LP que o selo lançou em sua curta existência) o disco alcançou uma repercussão muito modesta. A qualidade do Morly Grey no palco, porém, os fez abrir shows para vários grupos mais renomados que passaram por Ohio, como Cactus, Redbone, Bob Seger, Brownsville Station e Mitch Ryder & Detroit Wheels. Consta até em alguns registros que a banda teria gravado material em áudio e vídeo de uma de suas apresentações na época, mas nada disso foi lançado. Devido a falta de sucesso com o Morly Grey, Tim e Mark decidem montar um novo grupo – The Roller Bros., que lançou um álbum em 1973 (de prensagem particular) e cujo resultado também foi muito aquém do que o talento dos dois irmãos mereceria.

 

Ao longo dos anos a história do Morly Grey tem sido mais valorizada, e diversos relançamentos em LP e CD permitiram que este belo material alcançasse mais ouvintes.

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