Rainbow ‎– Boston 1981 [2016]

Rainbow ‎– Boston 1981 [2016]

Por Micael Machado

Entre 2013 e 2016, a banda Rainbow teve vários bootlegs “oficializados” no mercado, passando por pelo menos três fases de sua existência (aquelas onde os vocalistas Graham Bonnet, Joe Lynn Turner e Doogie White empunharam o microfone do grupo liderado pelo sempre marrento, mas genial, guitarrista Ritchie Blackmore), sendo estes, coincidentemente ou não, interrompidos quando do anúncio do “retorno” da turma (em uma nova formação, mantendo apenas o chefão Blackmore de algum dos antigos line-ups) para alguns poucos shows na Europa em 2016 (os quais renderam, por si só, outros três registros ao vivo, pelo menos até agora).

Um destes “lançamentos” que chegaram ao mercado foi Boston 1981, cuja versão oficial chegou ao mercado poucos meses antes dos shows de “retorno” de 2016. Registrado no Orpheum Theatre de Boston em 07 de maio de 1981, o disco, lançado tanto em CD quanto em vinil duplo, captura o grupo no meio de sua primeira excursão com Turner à frente, sendo a formação completada então por Roger Glover no baixo, Don Airey nos teclados, Bob Rondinelli na bateria e o big boss Blackmore nas seis cordas, e, pelo menos para mim, pode ser considerado um dos mais fracos “ao vivo” da carreira da banda, muito disto, em parte, pelo repertório escolhido para o show.

Detalhe do encarte da versão em vinil de Boston 1981

Na época, o Rainbow já havia abandonado sua sonoridade “hard rock” de origem europeia em favor de outra mais “comercial”, “americanizada” e “pasteurizada” (processo que começou, a bem da verdade, já na formação anterior, com a entrada de Graham Bonnet em 1979). A chegada de Turner levou a mudança ainda mais adiante, e os anos que viriam mostrariam uma descaracterização ainda maior do som “tradicional” do grupo, aproximando-o do chamado AOR e gerando discos horrorosos como Bent Out of Shape, de 1983, último lançamento antes da separação oficial. Neste show de 1981, músicas das formações anteriores do grupo ainda são presença constante (formando mais da metade do repertório do disco), e é aí que o bicho pega, pois fica impossível não comparar estas versões com aquelas registradas pelas encarnações anteriores do Rainbow (e que contavam com músicos como Ronnie James Dio, Cozy Powell, Jimmy Bain e Tony Carey, para citar apenas alguns). E aí, o bicho pega de verdade…

Bob Rondinelli, por exemplo, é um baterista bastante seguro e pesado, conseguindo manter bem o ritmo e a fluidez de seu instrumento. Mas, quando comparado a seu antecessor na banda (o já citado Powell, que na época já tinha uma carreira consagrada, especialmente por sua passagem no grupo de Jeff Beck, e que depois só iria aumentar seu currículo e fama ao lado de formações como Michael Schenker Group, Whitesnake, Black Sabbath e Emerson, Lake & Powell, dentre muitos outros), soa muito “quadrado” e “reto”, algo facilmente perceptível nas músicas onde Cozy era o instrumentista original. Roger Glover, ex-colega (e desafeto) de Blackmore no Deep Purple, tem aqui um repertório bem menos exigente que o de seu antigo grupo, e faz o seu “feijão com arroz” bem temperadinho ao longo do show, sem muitos arroubos ou momentos de glória, o que chega a ser pouco para um músico tão tarimbado quanto ele.

Os teclados sempre foram um instrumento importante na sonoridade do Rainbow desde seus primeiros anos, e o excepcional Don Airey (que, anos depois, se uniria a Glover em uma nova encarnação do Purple), não deixa a bola cair em momento algum. Apesar de seus “momentos de brilho” serem menores que os de seus antecessores em épocas passadas da banda, a “cama” para os solos e riffs do chefão do grupo é sempre precisa, e os próprios solos do teclado (como os que aparecem em “Difficult To Cure”, “I Surrender” ou já na abertura com “Spotlight Kid”) são invariavelmente talentossísimos e agradáveis de ouvir, embora, no geral, o músico acabe ficando meio que “à sombra” do “dono da porra toda”, o Sr. “Ricardinho Maispreto”, que não precisa se esforçar tanto aqui como na sonoridade da primeira fase de sua banda, e, sem ninguém para competir consigo pelas luzes do estrelato, acaba nos entregando uma penca de solos com sua legítima assinatura, como em “Love’s No Friend”, na já citada instrumental “Difficult To Cure” (sua interpretação própria para a nona sinfonia de Beethoven), no momento “quebra tudo” que antecede o solo final de “Lost In Hollywood” ou em uma surpreendente versão de “Smoke On The Water”, visto que as encarnações anteriores do Rainbow sempre passavam longe dos clássicos da antiga banda de seu patrão.

Contracapa e encarte da versão em vinil de Boston 1981

Já Joe Lynn Turner se sai muito bem nas músicas que registrou em estúdio, pois possui uma voz perfeitamente adequada ao estilo que a banda adotava na época. Mas, mesmo nas canções da “fase Bonnet”, já se nota alguma falta de identificação do cantor com as melodias. Naquelas originalmente cantadas por Dio, então, a coisa se aproxima bastante da chamada “vergonha alheia, e sua voz é a grande responsável por tornar maravilhas como “Man On The Silver Mountain”, “Long Live Rock N Roll” ou (principalmente) a fantástica “Catch The Rainbow” em canções pouco mais que comuns, ao invés do status de “clássicos” que o baixinho mais talentoso que já empunhou o microfone da banda conseguia lhes conferir. Por isso digo que o repertório não favorece este disco, pois, em excursões futuras (onde Turner já tinha mais material próprio registrado ao lado de Blackmore e seus asseclas), as músicas de formações anteriores foram gradualmente sendo substituídas a outras mais adequadas à voz e ao estilo do cantor, tornando a coisa toda mais “palatável” a quem frequentava os shows do Rainbow, e não expondo tanto seu front man a dificuldades (vale lembrar que, mais à frente no tempo, Turner iria reencontrar Ritchie e Roger em uma das mais controversas formações do Deep Purple, responsável pelo contestadíssimo Slaves and Masters, de 1990).

Acusado por alguns de possuir grandes edições em comparação às versões “não oficiais” disponíveis no mercado anteriormente (algo que, infelizmente, não posso confirmar ou negar, pois não conheço tais versões), Boston 1981 possui um belíssimo trabalho gráfico, completado por um longo encarte (em forma de livro na versão em vinil, lançado nas versões preto, azul, verde e vermelho) onde as fotos predominam sobre o texto, em uma embalagem bastante atraente, mas cujo conteúdo, infelizmente, vai depender muito da relação do ouvinte com a voz de Joe Lynn Turner para ter sua qualidade avaliada. Eu, posso confessar, nunca fui muito fã deste cantor, e, embora tenha encontrado bons momentos ao longo da audição, me senti bastante desconfortável em outros tantos, especialmente aqueles onde o saudoso Ronnie James Dio já havia mostrado como fazer aquele trabalho com muito mais qualidade. De toda forma, ouça por si mesmo, e tenha certeza que, se a voz de Turner nunca lhe perturbou, não será o restante do material contido neste disco que irá fazê-lo. Afinal, ainda não foi nesta época que Ritchie Blackmore iria fazer algo que não orgulharia seus seguidores… mas isto é papo para outra matéria, deixemos assim…

Contracapa da versão em CD de Boston 1981

Track List:

1. Spotlight Kid
2. Love’s No Friend
3. I Surrender
4. Man On The Silver Mountain
5. Catch The Rainbow
6. Can’t Happen Here
7. Lost In Hollywood
8. Difficult To Cure
9. Long Live Rock N Roll
10. Smoke On The Water

14 comentários sobre “Rainbow ‎– Boston 1981 [2016]

  1. Eu curto o Lynn Turner no Rainbow. Acho os trabalhos dele melhores que os do Bonnet. Comparar com o Dio certamente é uma covardia, mas é admirável que ele tenha tentado cantar algo do baixinho em sua fase a frente do Rainbow. Nos tempos de Purple, ele não fez feio cantando tanto Coverdale quanto Gillan. Mas claro, jamais se poderá comparar aos dois. Fica a curiosidade de ouvir o disco mesmo com a crítica, já que é uma fase ímpar dos caras.

    1. Pode até ser admirável ele tentar cantar algo do Dio, mas o sujeito tem de ter um pouco de simancol ás vezes…

  2. Orra Micael, desceu o sarrafo no Turner, mas eu gosto bastante dele!

    Até me surpreende um sujeito tão rabugento como o Blackmore “liberar” estes bootlegs como oficiais. Simplesmente jamais o entenderei.

    Da fase pós-Dio, eu gosto bastante do Straight Between the Eyes (até fiz matéria aqui), mas a parte ao vivo da banda eu não cheguei a ir muito atrás nessa época. Vou dar uma vasculhada pela internet atrás.

    1. Valeu, André!

      Eu nunca curti o Turner, nem no Rainbow mesmo! Fica difícil não “baixar o sarrafo” quando não se gosta do trabalho do cara, mesmo que seja em uma banda que eu curto e respeito como é o caso!

      Quanto a liberar os bootlegs como oficiais, acredito que foi uma “jogada de marketing” do Ricardinho para tentar chamar mais atenção para o nome do grupo na mídia, uma vez que a “volta” do grupo estava para ser anunciada… Trazer o nome “rainbow” aos holofotes novamente, visando chamar mais gente para os shows de “retorno”…

      Eu ainda pretendo um dia escrever o que penso do primeiro lançamento com registros desta “volta” do Rainbow! Se isso sair da ideia, aí sim vocês vão ver o que é “baixar o sarrafo”, kkkk…

    2. O Straight e o Difficult tem muitas coisas que se salvam, mas perto da qualidade da banda com Dio à frente, aí não dá para comparar…

      1. Mas daí é injustiça demais. Os dois discos do Rainbow com o Turner não dá para comparar com os do Dio. É que nem tentar comparar o Iron do Blaze com o a fase Bruce

  3. Eu Curto bastante os 3 álbuns c o JLT , inclusive Bent Out of Shape q é bem AOR . CLARO ele n se compara a fase Dio !

  4. Gosto muito do Joe Lynn Turner. Prefiro 1.000 vezes ele ao Graham Bonnet. Preciso desse disco…

    1. Sério, Davi? Dentre os dois, prefiro muito mais o Bonnet, não só no Rainbow, como também nos outros projetos de ambos…

  5. Esse disco é bom! É outro Rainbow…bem mais quadradinho e alinhado com o heavy rock comercial. Não dá para comparar com aquele monstro descontrolado do final dos anos 70. Acho que essa formação executou bem as músicas neste show, obviamente respeitando a peculiaridade e diferença dos músicos para com a formação clássica.

  6. Na época desse artigo não tinha ouvido o disco. Conhecia o Turner ao vivo do material lançado oficialmente no Finyl Vinyl, mas as músicas eram todas dos discos que ele já gravara – e achava que o desempenho dele era melhor no estúdio do que ao vivo. Após ouvir este disco algumas vezes, continuo com a mesma opinião, mas acho que ele não compromete. Eu devo ser um dos poucos que gostam do Bent Out of Shape, que para mim é um ótimo disco de AOR oitentista, só não devia ter o nome Rainbow estampado na capa…

  7. Não suporto mais as “viuvas” do DIO! escrevo DIO com letras maiúsculas por que ele merece, mas JOE LYNN TURNER é maravilhoso também! amei demais este álbum, ele captura toda a atmosfera. Gosto demais do JOE ! sem desmerecer o DIO é claro!

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