Melhores de 2017: por Ronaldo Rodrigues

Melhores de 2017: por Ronaldo Rodrigues

Por Ronaldo Rodrigues

2017 é meu segundo ano participando das listas de melhores do ano aqui na Consultoria do Rock. O exercício tem sido interessante e intenso, já que a quantidade de material produzido e lançado mundialmente é enorme. Dos artistas mencionados em minha lista de melhores de 2016 (vide aqui), apenas três deles lançaram disco novo em 2017 e um deles voltou a beliscar a lista de meus favoritos em 2017. Outros bons discos que ouvi, mas ficaram fora do top 10 de 2017 estarão mencionados nos comentários. Ressalto aos leitores as premissas adotadas: 1) as audições foram focadas em estilos de minha apreciação (logo, não ouvi lançamentos relacionados à música puramente pop mainstream, rap, hip-hop, EDM e relacionados, nem tampouco variantes de heavy metal extremo, punk, hardcore, entre outros); 2) foco em artistas mais contemporâneos, não tendo participado de minha amostra bandas consagradas ou com mais de 20 anos de carreira (o disco novo do U2 foi uma exceção, por dever de ofício junto a este site); 3) não entraram discos gravados ao vivo.

 

Wobbler – From Silence to Somewhere

É até difícil escrever sobre este disco, tamanha emoção me causou. Para um ouvinte apaixonado por música feita em décadas passadas, foi uma sensação muito gostosa ter tomado conhecimento de que a banda preparava disco novo para 2017 e aguardar ansiosamente o lançamento de novo álbum (ouvi-o através de serviço de streaming no mesmo dia em que foi lançado). 6 anos separaram o álbum anterior, Rites at Dawn, de From Silence to Somewhere. A despeito de algumas mudanças no line-up, o Wobbler soa tão poderoso e impactante quanto dantes, um pouco mais sombrio e com a sonoridade mais psicodélica, mas ainda milimétrico nas melodias, jorrando musicalidade. São 3 longas faixas (a abertura com mais de 20 minutos) e uma pequena vinheta em que praticamente tudo o que é possível no rock progressivo acontece. As variações de andamento, ritmo e climas são tão naturais que conduzem os ouvintes para uma dimensão de possantes vibrações sonoras. Um elemento coloca o Wobbler em um panteão quase inantigínvel por outras bandas prog contemporâneas – as sublimes linhas vocais (e as vozes que as executam).

 

Fleet Foxes – Crack-Up

Meu primeiro contato com o grupo foi uma fugaz aparição deles que vi na MTV, há cerca de 8 anos atrás. Nada de muito relevante aconteceu entre mim e Fleet Foxes naquele momento. Mas ao pesquisar por lançamentos neste ano, fiquei interessado em dar lhes a devida atenção e creio que a decisão foi extremamente certeira. O conteúdo de Crack-Up é de uma riqueza incrível em 55 minutos de uma música folk extremamente elaborada. Tudo é detalhado, como em uma escultura barroca – as composições são memoráveis, as vozes harmonizadas belamente e os arranjos são de tirar os pés do chão. Devidamente regadas em reverberação, as vozes estão como dentro de uma câmara e invadem a mente do ouvinte com muita facilidade. Só a faixa de abertura “I Am All that I Need” já é genial por alternar um folk desleixado com passagens extremamente pomposas, à lá Milton Nascimento. O disco tem ótima produção, com colagens e outros recursos de estúdio usados com bastante inteligência. Posso estar embebido em imediatismo, mas em Crack-Up deparo-me com um pequeno clássico do folk.

 

Colour Haze – In Her Garden

O som pesado dos alemães do Colour Haze e a voz rouca e aguda de seu vocalista/guitarrista Stefan Koglek parecem que vem marchando em sua direção na possante “Black Lily”, uma síntese bem adequada para toda a potência de In Her Garden. A banda já tem estrada no rock desde fins dos anos 1990 e soa como quem aprendeu bastante em sua caminhada. Com uma produção quente e repleta de referências valvuladas, o disco traz um dose bem ampla de musicalidade para a genericidade que marca o estilo stoner-rock. Abusando de solos de guitarra melódicos e linhas vocais ganchudas, a banda emplaca uma cativante coleção de rock poderosos. “Magnolia” é a faixa que mais ouvi em 2017, um instrumental marcante com a presença de teclados e bons riffs; “Arbores” tem clima de jam session e um trabalho de bateria que rememora a estreia do Black Sabbath; “Lavatera” é pura distorção com vocais chapados e teclados idem.

Kamasi Washington – Harmony of Difference

Já firmado como grande nome do jazz contemporâneo, Kamasi Washington traz um punhado de novas peças que alternam introspecção e intensidade. Temas fortes e marcantes aparecem em profusão e os improvisos instrumentais são embasbacantes. Além disso, uma característica bem própria de Kamasi é usar toda essa sapiência para criar obras de instrumental complexo mas que conseguem manter de pé a comunicação com o público menos letrado em notas musicais. Harmony of Difference, ainda que curto em duração, é memorável em excesso.

 

Motorpsycho – The Tower

Os profícuos noruegueses do Motorpsycho ocuparam o pódio de minhas preferências em 2016 com o fantástico Here be Monsters. Tendo lançado uma trilha sonora para teatro em junho (o álbum Begynnelser), The Tower surgiu ao público logo três meses depois. Se o disco anterior era mergulhado em introspecção, o novo álbum é bem mais pesado e conserva elementos que para mim tornam a produção do Motorpsycho fascinante – a banda passeia por tudo que é mais contemporâneo em termos de rock (guitarras pesadas e graves, sonoridades valvuladas e bateria em primeiro plano), mas consegue fazer tudo isso soar especial; ou seja, além de ótimos instrumentistas, dominam plenamente o ofício da composição. Os vocais funcionam, as alternâncias entre climas são como peças precisas no mecanismo da música, a sonoridade é a melhor possível e a banda sabe manejar a instrumentação em favor de capturar a atenção do ouvinte. A longa faixa título, que abre o disco, soa com a ironia e a densidade do King Crimson, com um destemido e frântico solo de guitarra em seu miolo; “Bartok” ensaia um doom-metal sinfônico e “A.S.F.E” emula o space-rock do Hawkwind; “Intrepid Explorer” empresta melodias vocais dos Beatles e as jogas em uma maçaroca sônica à la Eloy; “Stardust” é um resgate a simplicidade acústica tão presente até mesmo nos trabalhos mais “cabeçudos” dos anos 70 e a bela “A Pacific Sonata” leva o título de mais arrepiante solo de guitarra de 2017.

 

Siena Root – A Dream of Lasting Peace

Assim como diversas outras bandas suecas e escandinavas, o Siena Root é um grupo especializado na sonoridade setentista e na forma de compor que pululava o rock da época. Abusando de riffs simples e arranjos espertos, seu novo disco surge com um rock básico de enorme eficácia. A banda deixa de lado os excessos e sua eventual associação ao stoner-rock para apostar todas as fichas na essência de uma boa composição, apoiada pelo capricho com a sonoridade. O disco começa um pouco generalista, mas passa a impressionar pela qualidade e a coesão do conjunto especialmente a partir da terceira faixa, “Sundown”, um psych-folk ensolarado e com ótimo solo de teclado; daí em diante, a banda passeia por blues-rock, psicodelia, hard rock e space-rock com pleno domínio e faz bonito em todas essas paisagens, com grande destaque para os teclados, que são um show à parte em A Dream of Lasting Peace.

 

Hallas – Excerpts from a Future Past

Apostando na linha retrô (assim como muitos de seus pares escandinavos), o Hallas é uma formação recente (de 2011), com um EP lançado em 2015 e seu primeiro full album em 2017. O som do grupo é fortemente calcado em dobras de guitarra, com fortes referências em Wishbone Ash e no rock progressivo alemão (Satin Whale, Epitaph, Eloy, Pancake) e maciça presença de teclados. A sonoridade é muito bem construída, a banda tem composições cativantes, um instrumental de primeiríssima e ótimos vocais. Enfim, o disco traz primor técnico e diversão garantida, a despeito de derrapar em buscar traços mais autênticos. A faixa “Star Rider“, a mais distinta e pegajosa do disco, ganhou um clipe lo-fi satírico que ressalta suas características pop; foi uma das mais músicas mais ouvidas/assistidas por mim ao longo do ano.

 

Samsara Blues Experiment – One with the Universe

Indo muito além de riffs repetitivos, o Samsara Blues Experiment faz psicodelia pesada com muita inteligência neste disco. O som é bem agressivo, forte em luz e sombras, e as firulas instrumentais são apenas as estritamente necessárias para o conjunto do álbum. Um insólito solo de sintetizador na longa e viajante faixa de abertura “Vipassana” destaca a obra dentro do cenário do rock pesado; riffs poderosos são uma constante em One With the Universe; as guitarras ardem em “Sad Guru Returns” e “Eastern Sun & Western Moon”, com “Glorious Daze” e a faixa título dando uma ótima definição do que pode ser chamado de desert-rock.

 

Hadal Sherpa – Hadal Sherpa

Involuntariamente, meu top 10 foi dominado por sons vindos da Escandinávia…e aqui mais um grupo estreante, o Hadal Sherpa, da Finlândia, trazendo uma interessante fusão de elementos para um caldeirão jazz psicodélico, inteiramente instrumental e repleto de elementos surpreendentes. O maior trunfo deste trabalho é conseguir fazer uma boa conversa entre elementos folk (presente especialmente em certos momentos das composições) com sintetizadores e ritmos bastante variados. Aparentemente, esses elementos podem soar desagregadores, mas o Hadal Sherpa conseguiu fazer tudo isso dar liga, correndo o risco de perder a mão ao abusar da longa da duração das músicas (todas acima de 7 minutos). Não se engane – tudo aqui é bem planejado e nada soa como mera jam session.

 

Rikard Sjöblom’s Gungfly – On Her Journey to the Sun

Dica quente do meu colega de Consultoria do Rock, Mairon Machado, o trabalho é um belo progressivo sinfônico, com interessantíssimas passagens instrumentais. Só não galgou posições mais favoráveis nesta lista porque algumas músicas demoram um bocado a engrenar ou apresentam seus melhores momentos após alguns minutos. É um belo disco, com o que se espera do estilo, em forma e conteúdo. Uma descrição mais detalhada pode ser lida pelas letras do meu caro colega aqui.

Menções Honrosas:

Black Country Communion – BCCIV

Sharon Jones and the Dap Kings – Soul of a Woman

Troubled Horse – Revolution on Repeat

Ruby the Hatchet – Planetary Space Child

The Dues – Time Machine

 

6 comentários sobre “Melhores de 2017: por Ronaldo Rodrigues

  1. Meu gosto musical se assemelha e muito com o do Ronaldo, vou dar uma pesquisada nesses álbuns mencionados. Já ouvi falar muito bem dos “Wobbler”, “Siena Root” e “Rikard Sjöblom’s Gungfly”, mas não os conheço. Sempre dei prioridade aos anos 70, mais precisamente o Hard Rock e o Progressivo, exceto as bandas nacionais que costumo acompanhar na medida do possível. Aconteceu realmente em anos passados a surpresa de escutar discos muitos bons de bandas recentes, acontece que a quantidade de álbuns é muito grande, praticamente impossível escutar e avaliar um por um, principalmente em vertentes mais bem elaboradas. O seguimento que costumo dar mais atenção é o Rock Progressivo inglês, italiano e nacional mas, sei que existe forte cena em outros países com excelentes trabalhos.

    1. Obrigado pelo comentário Diego…algo parecido já aconteceu comigo; sempre ligado nos anos 70, mas nos últimos anos tem acontecido coisas que mexeram com os meus brios. Sons lindos e muito bem produzidos, resgatando o melhor da sonoridade daquela época. Desfrute dessas indicações…irá gostar. Abraço!

  2. Ainda mergulhado nos álbuns de 2016 graças ao trabalho em meu grupo Pro(G)ject New Progressive Works não me atrevo (ainda!) a classificar os 10 melhores de 2017 (o que de antemão já considero dificil em virtude da enorme e boa qualidade dos lançamentos atuais). De qualquer forma foram ótimos os lançamentos destacados aqui sendo que 3 ainda não ouvi. Aproveitei para ver a sua lista de 2016 que desconhecia e aí a coisa pegou. Estou analisando os álbuns que consegui ouvir durante estes dois anos, que é um tempo infimo para se ouvir cerca de 1000 álbuns mesmo que se utilize o bom senso e um pouco de instinto natural , e cheguei a conclusão que é realmente impossível selecionar apenas 10. 100 Seria um otimo numero talvez! Estes são ótimos álbuns e estariam entre os 100 na minha opinião mas colocaria alguns outros à frente destes. Claro, pesa aqui também o gosto pessoal, as afinidades e critérios pessoais. Bom…. em janeiro teremos a lista dos 100 escolhidos pelo grupo e, com certeza, também discordarei de alguns. De qualquer forma isto tudo é ótimo e é uma prova de que não precisamos nos prender mais ao passado e ficar pensando que o movimento progressivo terminou nos anos 70. Parabéns pela seleção Ronaldo e um forte abraço!

    1. É meu caro, Vinicio…realmente a quantidade de lançamentos ultrapassa a nossa capacidade de assimilar tudo com a devida profundidade. Um critério (bastante criticável, reconheço) que tenho adotado para essas listas é o quanto os discos tem a capacidade de impressionar logo de cara. Ainda que seja sabido que certas demandam audições mais aprofundadas, como temos uma boa estrada no som, sabemos reconhecer bem certos sinais que a música nos deixa. Sendo assim, acho que é uma boa aproximação, ao menos que seja pra indicar algo a quem lê. De resto, concordo 100% com o que escreveu e agradeço o comentário. Se puder deixar algumas dicas aqui tb pros leitores do site, agradeço. Estarei participando lá da enquete. Grande abraço!

  3. Conforme colocado nos comentários, segue abaixo uma lista mais longa de bons discos (ou ao menos com bons momentos) que ouvi ao longo deste ano de 2017, em diferentes estilos:

    BIKE – Em Busca da Viagem Eterna
    Nomade Orquestra – Entremundos
    Kadavar – Rough Times
    Causa Sui – Vibraciones Doradas
    Red Mountains – Slow Wander
    Flying Eyes – Burning the Season
    Elder – Reflections of a Floating World
    Oblivious – A Storm in Distance (EP)
    Gustavo Jobim – Meio-Dia
    HomeShake – Fresh Air
    Radio Moscow – New Beginning
    Kaoll – Sob os Olhos de Eva
    The Experience Nebula Room – Ourobouros
    Big Big Train – Grimspound
    Anxtron – Jellyfish
    Blind Horse – Patagonia
    Gods and Punks – Into the Dunes of Doom
    Hammerhead Blues – Caravan of Light
    Nik Turner – Life in Space
    Aura – Sonho / Pedra (EP)
    Disaster Cities – Brave New Heart / Death Blues (EP)
    Vitral – Entre as Estrelas
    Dan Auerbach – Waiting on a Song
    The Heliocentrics – A World of Masks
    Thundercat – Drunk
    The Quill – Born from Fire
    Mastodon – Emperor of Sand
    Flo Morrisey & Matthew E. White

    Vários amigos me indicaram discos e alguns deles provavelmente não entraram nessa segunda lista por absoluta falta de tempo para ouvir tudo ainda em 2017.

    1. Dessa nova lista, estou super curioso em escutar:

      Kadavar
      Radio Moscow
      Big Big Train
      Hammerhead Blues
      E, principalmente o Vitral.

      Ah! E claro, o novo do Caravela Escarlate hehehe

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