Tralhas do Porão: Toe Fat

Tralhas do Porão: Toe Fat

Por Ronaldo Rodrigues

O Toe Fat é uma daquelas delícias obscurecidas do “early 70’s”, sendo mais conhecida pela participação do ilustre Ken Hensley, mundialmente famoso por seu sucesso junto ao Uriah Heep. Mas aqui no caso, o manda chuva da parada toda era o vocalista (e guitarrista de ocasião) Cliff Bennett. Cliff já mostrava seus dotes vocais na Inglaterra sendo band-leader dos Rebel Rousers, um grupamento beat/r&b de relativo sucesso entre os mods pelos idos de 1964-1965. Ainda que a concorrência entre as bandas inglesas fosse brutal durante o ápice da Beatlemania, havia um considerável filão sendo mordido por Cliff Bennett e sua trupe. Com batidas empolgantes e espertas inserções de metais, o grupo lambiscou os charts da época e teve diversas aparições em programas de rádio e TV (uma pequena fuçada no Youtube pode dar uma ideia). Apesar dos predicados da banda, o destaque ficava realmente com a voz forte de Cliff Bennett, que rivalizava tranquilamente com os gogós de Eric Burdon e Chris Farlowe. Sob o nome de Rebel Rousers a coisa caminhou até 1967; a partir daí a música pop mudou de direção e quem não abraçou a psicodelia acabou se enfraquecendo (ainda que não fosse nada óbvio na época enxergar que seria certeira uma aposta nesta direção). Cliff Bennett, por influência da gravadora, lança mais um trabalho em 1968 sem o nome dos Rebel Rousers, mas logo percebe que estava perdendo o bonde do som e a popularidade junto à moçada mais descolada.

Cliff Bennett and the Rebel Rousers

Em 1969 ele estava as voltas de renovar seu som e seu caminho se cruza com o da banda The Gods. O The Gods foi formado em 1968 por dois futuros membros do Uriah Heep – Lee Kerslake (baterista) e Ken Hensley (teclados, guitarras e vocais), além de John Glascock (baixo) e Joe Konas (guitarra e vocais). Praticando o rock psicodélico em voga na época, o grupo impressionou o produtor David Paramor, da Columbia, que fez a banda gravar de uma tacada só o repertório que possuíam. Em uma sessão de apenas 3 horas de duração no Abbey Road Studios e gravada em 4 canais, estava parida a estreia da banda, intitulada Genesis. O resultado sonoro do disco, apesar de alguns bons momentos, reflete a pressa com que foi gravado e nada de muito relevante aconteceu com a banda. A banda já estava desmoronando no ano seguinte, quando chegou ao mercado um novo material dos Gods – To Samuel a Son – um álbum conceitual e mais ousado que o primeiro, pincelando uma rock progressivo primitivo, mas carente de maturação, ainda que, assim como o primeiro álbum, haja destaques em várias passagens. Um raro registro de TV com a banda tocando “Baby’s Rich”, um compacto lançado em 1968, pode ser conferido aqui.

O segundo disco dos Gods, To Samuel a Son (1969)

O desmoronamento dos Gods e o encontro com Cliff Bennett aconteceram mais ou menos ao mesmo tempo. Os três ex-Gods – Hensley, Kerslake e Glascock acharam que poderia ser uma boa ideia se unir à Cliff, que já desfrutava de certo prestígio e reconhecimento na cena musical inglesa. No fim de 1969 estavam os 4 trabalhando em material para formar a nova banda. O nome, curioso, surgiu em um jantar a partir de sugestões de Cliff e seu empresário. Acharam que além de chamar a atenção, dificilmente seriam confundidos com alguma outra banda. Dada a rede de contatos tanto de Cliff quanto do pessoal do Gods, não foi difícil para o grupo descolar um contrato com uma grande gravadora na Inglaterra. A EMI assinou com a banda e lançaria o primeiro disco por sua subsidiária Parlophone; nos EUA, um acordo foi descolado com a Rare Earth, que era nada menos que uma subsidiária da poderosa Motown.

Foto promocional do primeiro line-up da banda

Em abril de 1970 chegaria as lojas o álbum homônimo da banda. Mesmo com um hard rock vigoroso bem ao sabor da época e uma boa produção, o disco não foi bem comercialmente. Bem aceitos pela crítica especializada e tendo feito uma tour bem sucedida junto com Derek and the Dominos (de Eric Clapton) nos EUA, por razões desconhecidas o disco não deslanchava. Nem mesmo com o apoio da BBC (a banda gravou várias sessões para a rádio britânica) as coisas iam bem financeiramente. E de fato é difícil acreditar no ocorrido, pois o disco é empolgante, melódico na medida certa e muito democrático na instrumentação. As guitarras ardidas de Ken Hensley suportadas pela base segura de Cliff Bennett, que também entrega o melhor de sua capacidade vocal, somadas a cozinha potente de Lee Kerslake e John Glascock funcionam com perfeição em faixas como “Nobody”, “Just Like all the Rest”, “I Can’t Believe” (essa reaproveitada de um trabalho anterior no qual Ken Hensley esteve envolvido, o Head Machine) e “You Tried to Take it All”. A veia melódica da banda surge na bela balada “The Wherefors and the Whys”, com um ótimo jogo vocal, e na energética versão de “Bad Side of the Moon”, de Elton John.

O primeiro disco, auto intitulado, do Toe Fat (1970)
Inserções da banda na mídia da época

Com a falta de retorno e talvez por uma certa ansiedade por resultados, Lee Kerslake se manda para o nascente Uriah Heep pouco antes do Toe Fat iniciar os trabalhos para o segundo álbum. Ken Hensley também embarca na empreitada do Uriah Heep; reza a lenda de que o próprio Cliff Bennett havia sido cotado para assumir os vocais do Uriah Heep mas teria recusado e se arrependido alguns anos depois. Cliff Bennett refaz o Toe Fat com John Konas (baixo), que havia restado no The Gods (lá ele tocava guitarra), junto com o irmão de John Glascock, Brian, na bateria e Alan Kendall na guitarra, além da inclusão de um flautista/gaitista chamado simplesmente “Mox”. Levando a banda nas costas com todas as composições, Cliff Bennet aposta ainda mais fichas no hard-blues rock.

O segundo disco, chamado Two e lançado em 1971, é mais pesado e agressivo que o primeiro, ainda que conte com uma produção mais modesta (o som da gravação é ligeiramente mais abafado e distorcido do que o do primeiro disco). A brisada e acústica faixa “A New Way” conta com a participação de Peter Green, do Fleetwood Mac; já “Stick Heat”, “Idol” e “Midnight Sun” são pauleiras pra ninguém botar defeito. Novamente a história do primeiro disco se repete – a banda vai bem junto à crítica, aparece com frequência na BBC, faz bons shows, mas não entra dinheiro em caixa com as vendas do novo LP.

Two, de 1971

Cliff Bennett desmancha a banda e lança em 1972 um novo álbum solo, que novamente fracassa e que o faz abandonar por completo a carreira musical. Alan Kendall e Brian Glascock passam a integrar os Bee Gees (inclusive compondo material com o trio); John Glascock entrou para o Jethro Tull na época do disco Ministrel in the Gallery e ficou lá até falecer prematuramente em 1979. Kerslake e Hensley viveram felizes no Uriah Heep por uns bons anos. O primeiro disco chegado a ser lançado no Brasil com uma capa totalmente diferente; as capas dos dois lançamentos originais (de gosto duvidoso) foram feitas pelo estúdio Hipgnosis, que poucos anos depois ficaria bastante famoso por capas de Pink Floyd, UFO, Led Zeppelin, Scorpions, entre outros. Ken Hensley frequentemente escorrega do tema em entrevistas ao falar do Toe Fat, considerando-o com parte do limbo de sua “pré-história”.

 

5 comentários sobre “Tralhas do Porão: Toe Fat

  1. É realmente espantoso, para os ouvidos de hoje, que uma banda formada por bons e consagrados músicos não tenha dado certo no início dos anos 70, mas tal fato não era incomum. Bom resgate do Ronaldo Rodrigues! Essa é uma “tralha” de muita qualidade. Em tempo: sempre confundo o Toe Fat com a banda Toad, do guitarrista italiano Vic Vergeat. Aliás, o Toad também é uma boa tralha…

    1. Pois é! é uma tralha das boas kkk…o Toad é outra bandaça, também no radar para aparecer aqui. Obrigado pelo comentário, abraço!

      1. De nada! Uma observação: eu tenho nas minhas fontes que o segundo disco tb foi lançado em 1970, no Reino Unido e em alguns países da Europa. Nos Estados Unidos saiu em 1971.

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