Infinita Highway – Uma carona com os Engenheiros do Hawaii [2016]

Infinita Highway – Uma carona com os Engenheiros do Hawaii [2016]

Por Micael Machado

Em 2014, o jornal Zero Hora encarregou o repórter Alexandre Lucchese a fazer uma matéria especial sobre a carreira dos Engenheiros do Hawaii. A pesquisa do jornalista rendeu um material muito maior do que aquele que viria a ser publicado nas páginas do periódico, sendo oferecido à editora Belas Letras, e compilado em Infinita Highway – Uma carona com os Engenheiros do Hawaii, livro publicado em 2016. Com muitas entrevistas feitas com o trio da “formação clássica” dos EngHaw (Humberto Gessinger – voz, baixo, guitarra e teclados, Augusto Licks – guitarra, teclados e vocais, e Carlos Maltz – bateria, percussão e vocais), além de “cerca de uma centena de fontes”, como o autor cita na introdução, o livro abrange desde a formação do grupo, ainda com Marcelo Pitz no baixo e Carlos Stein (que depois seria membro fundador do Nenhum de Nós) na guitarra, até a saída de Maltz após a gravação e a turnê de Simples de Coração, em 1995. Desta forma, em pouco mais de trezentas páginas, Lucchese conta a trajetória de quase onze anos da estrada de um dos mais importantes grupos do chamado “BRock” (e, seguramente, o maior do estilo já surgido no Rio Grande do Sul), período que os fãs consideram como o mais interessante e relevante de sua carreira, e que ajudou a banda a se tornar um verdadeiro fenômeno pelos quatro cantos do país.

Apesar de admitir que considera a formação com Gessinger, Licks e Maltz como a sua preferida e a mais importante do grupo, Alexandre despende muitas páginas da obra para tratar da formação do grupo (montado inicialmente para durar apenas uma noite, abrindo uma apresentação do grupo Ritual na faculdade de Arquitetura de Porto Alegre, em 11 de janeiro de 1985, mesmo dia do início do primeiro Rock In Rio), da infância e juventude de seus membros, dos primeiros e únicos meses ao lado de Pitz (Stein sairia pouco depois daquela primeira apresentação), da cena roqueira e musical de Porto Alegre na época (inclusive com muitos depoimentos dos participantes de tal cena, em trechos bastante interessantes, mas que fogem um pouco ao tema principal da obra), da gravação e turnê de divulgação do registro de estreia, Longe Demais das Capitais, de 1986, da relação dos músicos entre si, com os fãs e com a vida na estrada, do início da chegada do “sucesso” na vida dos rapazes, e da complicada e até hoje ainda não muito bem explicada saída do primeiro baixista em meados de 1987. Nesta parte, alguns depoimentos são mais longos do que o necessário, e os relatos e fatos apresentados acabam sendo tratados com uma profundidade talvez mais detalhada do que a recomendável, tornando a leitura um tanto arrastada e difícil, embora muita coisa apresentada seja bastante interessante.

O autor entrevistando Humberto Gessinger para o livro

Por conta desta “dedicação” aos detalhes, a entrada de Licks na banda vai ocorrer apenas na página 165, deixando assim pouco menos de metade da obra para a descrição de quase nove anos de trajetória dos EngHaw. Com o espaço limitado, as histórias se tornam menos detalhadas e os depoimentos mais curtos, mas a leitura se torna mais dinâmica, com o texto ganhando mais agilidade e “prendendo” mais a atenção do leitor às páginas da obra do que a primeira parte do relato. Desta forma, o livro passa pelas gravações dos demais discos do grupo, por relatos de shows marcantes como o Alternativa Nativa, ainda em 1987, e o Rock in Rio II, em 1991, a mudança do trio de Porto Alegre para o Rio de Janeiro, a turnê pela antiga União Soviética em 1989, algumas polêmicas com jornalistas e outros músicos da cena musical nacional, e pela relação cada vez mais complicada entre as três fortes personalidades que compunham a formação mais adorada do grupo por parte de seus fãs. Como se vê, é muito pouco espaço para tanto assunto, ainda mais se levarmos em conta que Lucchese não se furta de tratar um pouco mais demoradamente da saída de Licks e do consequente processo gerado pelo insatisfeito guitarrista contra a dupla remanescente (com o livro trazendo alguns detalhes que eu, pessoalmente, desconhecia a respeito da “briga” entre os integrantes do Engenheiros). Mesmo assim, o autor acaba se saindo bem em sua missão “quase impossível” de condensar tantos fatos em tão poucas páginas, conseguindo trazer ao leitor muitas informações importantes e nem tão conhecidas ou “manjadas” sobre a carreira do trio até ali.

Após tratar rapidamente da junção do quinteto que viria a gravar Simples de Coração e do desgaste e consequente rompimento da relação entre Gessinger e Maltz, que chegaria até mesmo às vias de fato entre os dois e culminaria na partida do baterista, o livro termina deixando uma grande sensação de “quero mais”, não só pela “pressa” como a parte mais interessante acaba sendo relatada, mas também porque a trajetória do grupo (e de seu principal compositor) seguiu adiante (com algumas formações diferentes, mas sempre com Humberto à frente), e fica a vontade de saber mais desta parte da carreira do grupo, à qual o autor preferiu ignorar, mas que, mesmo assim, traz histórias bastante interessantes para quem é seguidor de Gessinger e seus asseclas (sejam eles quais forem no momento).

Contracapa do livro

O livro conta ainda com várias fotos interessantes, um belo projeto gráfico (com destaque para a capa, que tem um “rasgo” em formato de círculo que revela uma espécie de “capa interna” para a obra), além de uma discografia comentada do período tratado e de três depoimentos de fãs colocados em momentos “estratégicos” da trajetória do grupo, e que ajudam a explicar um pouco porque três caras sem muita pretensão no mundo da música acabaram se tornando referência em termos de rock and roll não só no seu estado de origem, mas também para muitos e muitos fãs espalhados pelos quatro cantos do país . Estes depoimentos, aliás, talvez sejam a parte mais interessante de toda a obra, pois mostram como os fãs do grupo são parecidos, sendo fácil ao leitor se identificar com pelo menos algumas das situações contadas neles, ou talvez perceber que ele mesmo já passou por algo parecido enquanto “devoto” da banda, tornando sua leitura bastante atraente e, em algumas partes, até mesmo um pouco emotiva.

Infinita Highway – Uma carona com os Engenheiros do Hawaii não é a biografia definitiva dos EngHaw (e nem se pretende ser), mas, apesar de algumas falhas, é bastante recomendável, e com certeza irá agradar aos fãs de Humberto Gessinger e companhia. Os detratores, estes não se interessarão pela obra de toda forma, então melhor que nem leiam, pois podem acabar percebendo que a banda é muito mais que os “sucessos de FM” e as letras “messiânicas” de seu cantor. Que assim seja!

9 comentários sobre “Infinita Highway – Uma carona com os Engenheiros do Hawaii [2016]

  1. Bela resenha Micão!

    Uma pena, mas essa história do conflito entre os integrantes… cara, eu adoraria ter lido um spoiler, mas sei que o pessoal que se interessaria pela obra iria nos matar de pau aqui no site.

    Eles chegam a citar os motivos pelos quais fizeram cada disco ou são resenhas somente comentando os temas de cada música?

    1. Você diz na discografia comentada? Se for, estas são resenhas bem genéricas, feitas sob a ótica mais do fã, e, na minha opinião, bem superficiais. Modéstia à parte, a que publicamos no site é bem mais completa!

      Se for durante a obra, não há uma explicação mais detalhada de cada disco, de cada conceito ou de cada música, mas são dadas algumas pinceladas aqui e ali.

      1. Ah entendi, eu imaginei que seriam resenhas feitas pelos próprios integrantes. Se for só coisa genérica, aí a DC que foi publicada há algum tempo deles aqui mesmo seria mais de meu interesse.

  2. Você diz na discografia comentada? Se for, estas são resenhas bem genéricas, feitas sob a ótica mais do fã, e, na minha opinião, bem superficiais. Modéstia à parte, a que publicamos no site é bem mais completa!

    Se for durante a obra, não há uma explicação mais detalhada de cada disco, de cada conceito ou de cada música, mas são dadas algumas pinceladas aqui e ali.

  3. Parabéns pela matéria. O Engenheiros é sui generis no BRock. Não seguia tendências, criou uma identidade e rivalizava com a Legião em termos de seguidores. Incompreendida pela crítica paulista, manteve-se atuante e ainda consegue atrair um bom público em suas apresentações. Seus clássicos: Várias variáveis (mereceu elogios de Alex Antunes), GLM (eleito como um dos melhores discos brasileiros de 1990 em diversas revistas e sites de musica) e Revolta dos Dandis. Um dos poucos dinossauros que ainda merece atenção.

    1. Sempre respeitei a banda, considero Humberto um músico super completo. Costumo devorar essas publicações de grupos e artistas solos do meio musical. Se tiver a possibilidade, certamente vou checar.

      Alexandre

  4. Quero muito ler esse livro, mas como não moro mais no Brasil comprar o livro físico foca inviável. Só que achar uma boa edição digital também não é tarefa fácil…

    No entanto alguns meses atrás achei a versão digital do livro sobre o Nenhum de Nós que também é uma biografia bem legal de ser.

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