Cinco Discos para Conhecer: o blues rock britânico

Cinco Discos para Conhecer: o blues rock britânico

Por Ronaldo Rodrigues

Não sei bem como a geração atual entenderia o que aconteceu com o blues na Inglaterra no fim dos anos 1950. Talvez a situação receberia o pejorativo rótulo de “apropriação cultural” destes tempos inundados de assertivas politicamente corretas. O fato é que o blues foi liquidificado e processado longe de sua terra de origem por jovens brancos fascinados pela energia e os sentimentos daquele tipo de música. E esta transformação contribuiu ainda mais para que o blues deixasse de ser uma música regional. De tanto ser manuseado pelos britânicos, o blues ganhou tempero próprio e originou novas formas de se fazer rock – Yardbirds, Rolling Stones, Cream, Free, Led Zeppelin, Black Sabbath, Jethro Tull, Pink Floyd, Traffic, Bad Company, Foghat….todos estes, em essência, foram cunhados naqueles tradicionais 12 compassos. No blues-rock britânico foram gestados uma enormidade de grandes músicos e não houve escola maior e mais importante que essa em toda a história do rock britânico.  Nesta lista, uma breve introdução a quem quiser conhecer a maneira britânica de se tocar blues.


Alexis Korner’s Blues Incorporated – R&B from Marquee [1962]

Alexis Korner é frequentemente colocado como pai do estilo na Inglaterra. Nascido na França, estabeleceu-se com a família na Inglaterra durante a segunda guerra mundial, e lá tratou de divulgar como podia sua paixão pelo blues, seja tocando, em programas de rádio ou trazendo artistas americanos para se apresentar em Londres. Seus primeiros registros fonográficos constam do fim dos anos 50 e não há paralelo entre nenhum outro músico que tenha feito tanto pela difusão do blues na Inglaterra quanto ele. Seu grupo Blues Incorporated foi formado em 1961 e carregava muito de swing-jazz, r&b e até mesmo skiffle em sua música. Entre a garotada que se alternava entre sua banda, plateia e canjeiros de ocasião pode se contar uma verdadeira legião de futuros famosos – Mick Jagger, Keith Richards, Rod Stewart, Jimmy Page, John Mayall, Jack Bruce, Ginger Baker, Graham Bond, dentre outros. O disco é bastante interessante por mostrar o estilo ainda engatinhando (ainda há o uso de baixo acústico, violões eletrificados, saxofone e pianos em profusão) e o quanto a escalada desta linguagem se baseou em incontáveis releituras de canções do blues americano.

Formação: Alexis Korner (guitarra, vocais); Long John Baldry (vocais); Dick Heckstall-Smith (saxofone); Graham Burbidge (bateria); Teddy Wadmore (baixo)

  1. Gotta Move
  2. Rain is Such a Lonesome Sound
  3. I Got My Brand on You
  4. Spooky But Nice
  5. Keep Your Hands Off
  6. I Wanna Put a Tiger in Your Tank
  7. I Got My Mojo Working
  8. Finkles Cafe
  9. Hoochie Coochie
  10. Down Town
  11. How Long, How Long, Blues
  12. I Thought I Heard That Train Whistle Blow

John Mayall & Bluesbreakers – With Eric Clapton [1966]

A fama alçada e mantida por Eric Clapton ao longo de décadas é o que torna este disco o mais célebre e conhecido desta lista. Não por falta de méritos próprios, mas é porque nele constam alguns dos melhores momentos da carreira de Clapton, executando o estilo no qual ele é um especialista. Tudo o que ele fez em sequência foram adaptações de sua inteligência blueseira aos demais estilos em que esteve envolvido. John Mayall está para o blues britânico assim como Miles Davis está para o jazz americano – sua banda foi um verdadeiro berçário de talentos, plataforma para músicos que se tornaram referência nas linguagens que praticavam. Pela banda de Mayall passaram Eric Clapton, Mick Taylor, Peter Green, John McVie, Jon Hiseman, Keef Hartley, Jack Bruce, Aynsley Dunbar, Mick Fleetwood, Andy Fraser e Tony Reeves…só essas feras e mais algumas. O próprio Mayall tem méritos – uma carreira consistente, voz marcante e execução competente na gaita e piano. O disco de 1966 de seus Bluesbreakers com Eric Clapton marcou época e deu o tom do blues britânico até a virada da década de 70 – longos solos de guitarra, bateria e baixo em destaque, liberdade para reler músicas já consagradas no estilo e/ou criar suas próprias lamentações elétricas – enfim, o pacote completo. A guitarra de Eric Clapton em “Hideaway” (originalmente composta por Freddie King) é simplesmente épica.

Formação: John Mayall (vocal, harmonica, piano); Eric Clapton (guitarras); John McVie (baixo); Hughie Flint (bateria)

  1. All Your Love
  2. Hideaway
  3. Little Girl
  4. Another Man
  5. Double Crossing Time
  6. What’d I Say
  7. Key to Love
  8. Parchman Farm
  9. Have You Heard
  10. Ramblin’ on My Mind
  11. Steppin’ Out
  12. It Ain’t Right

Fleetwood Mac – Peter’s Green Fleetwood Mac [1968]

Antes do Fleetwood Mac multiplatinado de Rumours (1977) e das arenas lotadas, quem mandava na parada era o guitarrista Peter Green, formado e laureado na escola Bluesbreakers de blues britânico. Tendo substituído Eric Clapton, que tinha ido voar com o Cream para além dos celeiros do blues, Green era um pequeno fenômeno na guitarra, fanático por caras como Elmore James e Earl Hooker. Após o lançamento e a tour de A Hard Road, com John Mayall, Peter assume a moral de ter seu próprio conjunto de blues, com outros talentosos garotos tão fissurados como ele pelo estilo. O mais interessante deste lançamento é que além de ótimas interpretações para standards do blues (Robert Johnson, Elmore James, Chester Burnett…), há faixas autorais de enorme qualidade e personalidade, como a abertura “My Heart Beat Like a Hammer”, “Long Grey Mare”, a batida marota de “Looking for Somebody” e “I Loved Another Woman” e a sofrida “Cold Black Night”. A sonoridade é muito própria da banda, com guitarras cristalinas e vocais agudos. No ano seguinte a banda incorporaria o guitarrista Danny Kirman e se tornaria uma das primeiras a ter três guitarristas em sua formação. A produção do álbum foi feita por Mike Vernon, o grande nome dos bastidores do estilo na Inglaterra.

Formação: Peter Green (guitarra, vocais); Jeremy Spencer (guitarra slide, vocais); Mick Fleetwood (bateria); John McVie (baixo)

  1. My Heart Beat Like a Hammer
  2. Merry Go Round
  3. Long Grey Mare
  4. Hellhound on My Trail
  5. Shake Your Moneymaker
  6. Looking for Somebody
  7. No Place to Go
  8. My Baby’s Good to Me
  9. I Loved Another Woman
  10. Cold Black Night
  11. The World Keep On Turning
  12. Got to Move

Groundhogs – Scratching the Surface [1968]

Tony “T.S” McPhee era um entusiasta do blues e já estava lidando com o estilo desde bem garoto. O Groundhogs foi uma banda longeva (14 álbuns em estúdio e mais uma porção de lançamentos ao vivo) e a própria tradução de sua musicalidade.  Notadamente conhecido como um power-trio, a banda estreiou em estúdio como um quarteto (tendo um gaitista no line-up) e propositadamente buscou a sonoridade suja e pouco tratada do blues elétrico de Chicago do início dos anos 60. Mantendo o instrumental rude, investindo forte nas pentatônicas e nas batidas retas e firmes, é um dos discos de blues britânico que emula com mais fidelidade o estilo da matriz. Tony McPhee também não esconde as fortíssimas influências de John Lee Hooker e Muddy Waters na forma de cantar, compor e tocar guitarra em Scratching the Surface.  O Groundhogs inclusive foi banda de apoio para John Lee Hooker em uma de suas passagens pela Inglaterra, o que foi registrado em seu álbum …And Seven Nights. Curiosamente, o primeiro disco do Groundhogs é o único álbum completo da banda totalmente pautado no blues. Os lançamentos seguintes sempre foram povoados por referências de blues, mas eram discos de rock pesado, em essência.

Formação: Tony McPhee (guitarra, vocal); Peter Cruickshank (baixo); Ken Pustelnik (baterista); Steve Rye (harmonica)

  1. Rocking Chair
  2. Early in the Morning
  3. Waking Blues
  4. Married Men
  5. No More Doggin’
  6. Man Trouble
  7. Come Back Baby
  8. You Don’t Love Me
  9. Still a Fool

Savoy Brown – Blue Matter [1969]

Nesta seleção de discos, este disco talvez seja um dos que mais representa a metamorfose do blues que se desenvolveu na Inglaterra para o hard rock e o boogie rock. Ainda sendo um disco puramente de blues, a forma como se posiciona a bateria e o baixo no quadro sonoro e a distorção das guitarras são praticamente uma assinatura britânica para o blues. Obviamente, Rolling Stones, Cream, Jimi Hendrix, Free e muitas outras bandas já haviam eletrificado intensamente o blues, contudo, usando-o como base para um novo estilo; aqui as digitais do blues permanecem intactas mas ornadas com a indumentária dos novos tempos. Tanto o instrumental quanto os vocais são magnânimos e esmerados. O blues americano era bem mais rústico e despreocupado. A faixa de abertura rememora o blues rural de forma elétrica e ares de fanfarra; “Tolling Bells” é um blues triste e maravilhosamente conduzido pelo piano; “She’s Got a Ring in His Nose…” e “Don’t Turn Me from Your Door” são boogies de pancadaria e muitas guitarras deliciosas. O lado B traz a banda capturada no palco e é prova que, desde sempre no rock, quem sabe faz ao vivo.  Dave Peverett, em poucos anos, estrelaria o Foghat, encarnando as novas faces do blues ao longo dos 70’s e 80’s.

Formação: Kim Simmonds (guitarra, harmonica, piano, vocais); Dave Peverett (guitarra, vocais); Chris Youlden (vocal); Roger Earl (bateria); Tony Stevens (baixo)

  1. Train to Nowhere
  2. Tolling Bells
  3. She’s Got a Ring in His Nose and a Ring on Her Hand
  4. Vicksburg Blues
  5. Don’t Turn Me From Your Door
  6. May Be Wrong
  7. Louisiana Blues
  8. It Hurts Me Too

15 comentários sobre “Cinco Discos para Conhecer: o blues rock britânico

  1. Bela matéria. Mas uma banda,na minha opinião, muito importante para o blues britânico foi a Steamhammer. Abraços

    1. É uma banda que gosto muito, tinham uma pegada psicodélica pro blues, muito boa!!! mas concordo que apenas o primeiro disco deles vai nessa pegada, era uma banda eclética, cada disco deles tem uma personalidade bem distinta e todos são bons à sua maneira.
      Abraço!

    2. Das bandas inglesas que fizeram tanto blues rock quanto hard rock, duas que mereciam um destino melhor são Toe Fat, que tinha Lee Kerslake e Ken Hensley (Uriah Heep) e o vocalista Cliff Bennett (Shanghai), e Ashkan, cujo guitarrista era Bob Weston, que mais tarde integraria uma formação intermediária do Fleetwood Mac, e que tinha um ótimo vocalista chamado Steve Bailey, cuja voz lembra e muito o grande Joe Cocker. O que me surpreende no blues rock britânico é a quantidade enorme de músicos talentosos.

      1. O Ashkan é foda mesmo, uma pena a banda ser tão obscura…grande vocal e guitarras ardidas. O Toe Fat tb era uma bandaça, mas o segundo disco não é tão bom quanto o primeiro, que tem ótimas composições e um instrumental de primeira. O blues-rock foi um celeiro de talentos.
        Abraço,

  2. Gosto muito do único disco do Bakerloo, banda de Clem Clempson, que andou pelo Colosseum e pelo Humble Pie.

    1. Muito boa mesmo! apesar de que o disco não é todo essencialmente blues, há músicas que são bem pesadas, outras mais psicodélicas, é um trabalho mais eclético.
      Obrigado pelo comentário. Abraço!

    1. É que são só 5 discos…muita coisa acaba ficando de fora. O Ten Years After é um caso, mas poderia citar tb Chicken Shack, Shakey Vick, Black Cat Bones. Além disso, o TYA ia bem além do blues, era um grupo com forte acento swing-jazz.

  3. Eu jurava que teria o Cream entre esses cinco aí. Aí eu lembrei que o Ronaldo tem muito mais conhecimento do que eu e não seria tão previsível. Bem esse do John Mayal eu teho em LP e certamente estaria. Não gostei desse do Fletwood Mac, prefiro a fasemais acessível deles.

    1. Hahahahaha…o Cream não era exatamente uma banda de blues, era meio que uma fusão, que começava no blues, mas ia além. A qualidade deles, contudo, é indiscutível.
      Abraço,

Deixe um comentário para Eudes Baima Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.