Discografias Comentadas: Sir Lord Baltimore

Discografias Comentadas: Sir Lord Baltimore
Sir Lordão em sua formação clássica: Louis Dambra, Gary Justin e John Garner

Por Mairon Machado

Um dos grandes nomes do hard rock setentista foi o grupo norte americano Sir Lord Baltimore. Formado em 1968 no bairro do Brooklyn, em Nova Iorque, o Sir Lordão – apelido que os headbangers brazucas deram a banda – trouxe ao mundo um som pesado, e ao lado de nomes como Bang, Blue Cheer e Budgie, formou o quarteto máximo dos grandes power trios daquele período.

Mesmo com a formação clássica de três músicos, os pais do Stoner Rock tinham algo não muito convencional, pois seu principal vocalista era o baterista John Garner. Além dele, estavam o exímio criador de riffs Louis Dambra nas guitarras e o pisoteador de distorções Gary Justin no baixo. Uma carreira curta, mas que deixou o legado de três álbuns, dois deles essenciais.



Kingdom Come [1970]

Co-escrito, arranjado e produzido por Mike Appel (famoso empresário de Bruce Springsteen) em parceria com Eddie Kramer (nem preciso citar seus trabalhos), Kingdom Come só pode ser um álbum dos mais totalmente excelentes (como diria Paulo Bonfá). A principal novidade do som da banda, que é a distorção ao máximo no baixo de Justin, aparece de cara na faixa de abertura, a pancada “Master Heartache”, onde tudo o que exigimos de um bom hard setentista está presente, com vocais rasgados, guitarras fazendo riffs e solos grudentos, linhas similares de baixo e guitarra, e peso despejado sem piedade aos ouvidos, e só aumenta durante “Lady of Fire”, “I got a Woman”, com um show da cozinha Justin/Garner, e na pauladaça “Helium Head (I Got a Love)”. Segure o corpo com o embalo de “Hard Rain Fallin'” e “Ain’t Got Hung on You”, faixas curtas – pouco mais de dois minutos – mas com um impacto impressionante em suas pernas e tronco. “Pumped Up” é o momento onde Dambra brilha na guitarra, apesar de achar honestamente que seu solo é meio barulhento demais, algo que ele faz com muito mais categoria na sacolejante “Hell Hound”, que lembra um pouco Experience nos seus melhores dias. Sábios, o trio mescla a overdose de peso com trechos acústicos, embalados especialmente na linda “Lake Isle of Innersfree”, levada por violão e cravo (!) onde a voz de Garner lembra-me muito a de Klaus Meine (Scorpions), e fazem da faixa-título a melhor faixa do álbum, aqui sim com um solo sensacional de Dambra, e um riff que ficará dias em sua cabeça. Kingdom Come ainda marcou época pelo fato da revista Creem ter sido uma das primeiras a usar o termo Heavy Metal para um estilo de música. Daqui saíram o hoje cobiçado single “Hard Rain Fallin'”/”Lady of Fire”. Uma estreia promissora, que levou a banda para abrir os shows do Black Sabbath no Fillmore East, durante a turnê de Paranoid.


Sir Lord Baltimore [1971]

Bem diferente do que seu álbum de estreia, em Sir Lord Baltimore o agora quarteto (com a entrada do irmão Joey Dambra nas guitarras) diminui o peso e a velocidade das canções, e criando faixa bem mais próximas ao que o Stoner Rock faria décadas depois, usando também de um pouco de psicodelia. Nessa linha, estão “Caesar LXXI”, viajante canção com uma das introduções mais estranhas da história do Heavy Metal, além de guitarras animalescas, e o grande destaque do álbum, a obra-prima com magistrais 10 minutos da épica “Man from Manhattan”, com sua introdução lenta, apresentando flautas sob um leve dedilhado de guitarra, viajantes mudanças de andamento, arranjos vocais Uriah Heepianos para se aplaudir por horas e um longo trecho instrumental praticamente perfeito. Os fãs de Monster Magnet irão reconhecer o riff de “Woman Tamer”, já que o grupo usou este na faixa homônima de Dopes to Infinity (1995). As demais três faixas lembram um pouco Kingdom Come, apesar de trazer algumas novidades para o som da banda. São elas: “Chicago Lives”, com um belo solo de Louis, “Where Are We Going”, que apesar de o disco registrar como ao vivo, foi realmente gravada em estúdio, com os aplausos sendo overdubados, tendo a presença de órgão e saxofone não creditados, e “Loe and Behold”, boogiezão perfeito para animar uma festa de rock. Difícil dizer qual dos dois álbuns iniciais da banda é o melhor, mas hoje, fico com certeza com esse por conta do crescendo musical que o Sir Lordão teve. Do álbum saiu o cobiçado single “Master Heartache”/”I Got a Woman”.

A formação como quarteto: Louis Dambra (centro, acima), Joey Dambra, John Garner e Gary Justin (esquerda para direita, abaixo)

Infelizmente, problemas com drogas e falta de pagamento dos cachês de som e venda de álbuns levaram a dissolução do grupo em 1972. Houve uma tentativa de retorno em 1976, inclusive com a ideia da gravação de um novo álbum, mas infelizmente o projeto não foi adiante. Seriam necessários mais 40 anos até a banda voltar a se reunir. Nesse meio tempo, Garner seguiu sua carreira de musico, tocando em diversas bandas, enquanto Dambra voltou-se para o trabalho Cristão no auxílio de pessoas sem lar. Já Gary virou um profissional dos negócios em Wall Street, abandonando totalmente a música. O nome do grupo voltou com força nos anos 90, com o lançamento em 1994 do CD Kingdom Come/Sir Lord Baltimore, pela PolyGram, colocando os dois álbuns da banda na era digital e para uma nova geração aprender sobre uma das maiores influências dos grupos daquela década. Era o caminho para o retorno do trio, que ocorreu em 2006.


Sir Lord Baltimore III – Raw [2006]

Trazendo na formação os originais John Garner e Louis Dambra, além de Tony Franklin no baixo e os convidados Anthony Guido (guitarra) e Sam Powell (baixo em duas faixas), Raw reune a parte instrumental das canções de 1976 com letras novas, voltadas para o Cristianismo. Gary Justin decidiu não participar do álbum justamente por conta do teor das letras, mas independente disso, a sonoridade é muito boa, apesar de muito mais moderna e da tentativa de Garner emular Plant em “Rising Son”, o que beira o ridículo. A modernidade está nas guitarras em “Love Slave”, ou também na bateria de “(Gonna) Fill the World with Fire”. As distorções no baixo são uma ausência muito sentida, até por que Powell utiliza-se de um baixo sem trastes, principalmente em “Mission”, o que dá um ar totalmente diferente para o som do Sir Lordão. A principal canção do álbum é “Wild White Horses”, um tour de force de 7 minutos levado por um clima “Acústico MTV”, com violão e baixo sem trastes, Garner recuperando-se do fiasco de “Rising Son” e solos alucinantes, e a melhor é “Cosmic Voice”, a segunda faixa com o baixo de Powell, e única digna de estar presente por exemplo em Kingdom Come, sendo uma bela pancada onde a guitarra comanda todas as atenções em um ritmo sensacional. O álbum só foi vendido via correios, diretamente com Garner e Dambra, de forma totalmente independente, e ainda hoje busca alguma produtora para lançá-lo oficialmente. Um disco abaixo dos seus antecessores, mas mesmo assim, bem interessante para os padrões da época.

Dambra, Justin e Garner

Apesar de tentar voltar aos palcos, a reunião não deu certo. Garner virou um pastor ativo no Cristianismo, e faleceu no dia 05 de dezembro de 2015, por conta de insuficiência hepática, enquanto Dambra perambula no mundo da música, trabalhando como empresário e revelador de talentos.

8 comentários sobre “Discografias Comentadas: Sir Lord Baltimore

  1. Belo resgate! achei que vc se rasgaria em comentários pelo faixa título Kingdom Come…uma música que, além de pesadíssima, tem uma clima único para 1970, mesmo quando comparada com a estreia do Black Sabbath…simplesmente irada!
    Abraço,

    1. Quis poupar os olhos dos leitores, Ronaldo, mas o comentário “fazem da faixa-título a melhor faixa do álbum, aqui sim com um solo sensacional de Dambra, e um riff que ficará dias em sua cabeça” acho que já diz um pouco o que representa essa pauladaça. Abração

  2. O primeiro disco deles é uma obra prima. O trabalho de guitarra é primoroso e impecável. Louis Dambra era um guitarrista tão bom quanto Tony Iommi. Os riffs desse disco se mostram claramente inspirados em Led Zeppelin.

  3. Há um mistério que envolve a história do Sir Lord Baltimore: em 1974, foi lançado o único disco de uma banda chamada Bloody Mary, cujo encarte trazia apenas o nome dos produtores, mas nada a respeito dos membros da banda. Surgiu então o boato de que o disco era o terceiro do SLB, mas sob outro nome. John Garner negou tudo, afirmando nem sequer ter ouvido falar da banda. O mistério permanece. Vale a pena uma audição? Com certeza. Trata-se de um hard rock competente, com bons solos de teclados e guitarra. “Can you feel it (Fire)”, “You only got yourself” e “Dragon lady” não mudaram o mundo, mas são bons exemplos do rock que rolava pelos anos 70…

  4. Ótima banda. Rock pesado arrastado e brutal, mas de pegada bem pop. Aquela coisa bem “o som de um época”.

    1. Valeu Eudes. A festa na ASPABROMI anda tão grande que você e o Marco andam sumidos por aqui. Bom saber que ao menos você está com saúde. Já o Marco, deve ainda estar trancado no quarto com Rogerinha

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