Histórias Secretas do Rock Brasileiro [2014]

Histórias Secretas do Rock Brasileiro [2014]

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Por Ronaldo Rodrigues

Recomendação número 1: compre este livro e leia este em pequenas doses, porque você irá se entristecer quando descobrir que não há mais histórias secretas para serem desvendadas (pelo menos por enquanto!). Fruto da arqueologia jornalística e musical de Nélio Rodrigues (que apesar do sobrenome, não tem parentesco com este humilde escriba), História Secretas do Rock Brasileiro é um estrondo, em todos os conceitos.

Primeiro, por preencher com total propriedade uma lacuna da história do rock brasileiro. Em seguida, pela qualidade dos textos, a profundidade da informação e dos dados pesquisados, o aspecto editorial e a parte gráfica. Tudo de um padrão altíssimo. O livro se concentra justamente no período em que parece persistir uma espécie de buraco negro no rock brasileiro. O que aconteceu entre o fim da jovem guarda e do tropicalismo e o início do chamado “BRock”? o público geral poderia se lembrar, no máximo, de Mutantes, Raul Seixas, Rita Lee, Novos Baianos e alguns lampejos de rock n’ roll na carreira de Erasmo Carlos. É por essa galáxia teimosamente desconhecida que orbitam os nomes tratados por Nélio Rodrigues: Equipe Mercado, Analfabitles, Os Lobos, Módulo 1000, Karma, Soma, Paulo Cláudio & Maurício, A Bolha, et ceteras, et ceteras et al.

O livro se inicia com o prefácio lisérgico de uma testemunha ocular de todo esse “movimento” – Luiz Sergio Nacinovic, vulgo Guerra, crítico musical da breve versão brasileira da revista Rolling Stone nos anos 70. Depois disso, a pesquisa quase decana de Nélio Rodrigues é um passaporte para o Rio de Janeiro da metade dos anos 60 em diante, debaixo da ditadura militar. O leitor passeia por lembranças das fabulosas domingueiras do Clube Monte Líbano, na Lagoa Rodrigo de Freitas, e por todo o circuito de clubes, da Zona Sul ao subúrbio e Baixada Fluminense, incluindo os teatros alugados nas segundas-feiras. Tudo isso movido a som. Do beat iê-iê-iê cantado em inglês ao som autoral emulando heróis do rock anglo-saxônico com sotaque nativo, a caneta incansável de Nélio Rodrigues destila histórias e trajetórias que variam do comovente ao hilário.

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Como destaque, entre muitas outras, a lembrança de um Módulo 1000 escalado para animar os bailes em um cruzeiro para senhores e senhoras de meia idade – causaram tanto espanto pelo som e pela atitude, que o capitão do navio decidiu convidá-los para jantar  no horário reservado as crianças ao longo da viagem. Ou então a memória doshappenings da Equipe Mercado, que tiveram a pachorra de escovar os dentes em pleno palco do programa de Flávio Cavalcanti. Curioso também ver que um ex-prefeito da cidade de Niterói também se aventurava nessas paragens nos 60′s, quando adolescente, com o grupo Os Corsários.

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O que se apresenta de mais interessante é que, ao costurar a trajetória de cada grupo individualmente, constituindo uma espécie de coletâneas de biografias, Nélio Rodrigues ajuda o leitor a compreender uma série de fenômenos e transições que se replicaram ao longo da história do rock em todo o mundo: a passagem do rock dançante e despretensioso para a art-rock, da massificação dos covers e releituras para o som autoral, do inglês copiado à adoção da língua nativa, a influência decisiva dos Beatles e das bandas da British Invasion, os caminhos do underground e o desprezo da mídia a medida que o som rock evoluía para algo mais cerebral. Além disso, há um natural entrelaçamento nas histórias das bandas, que dividiam espaços, que tiveram músicos e estrutura em comum em alguns casos. Com isso, é possível ao leitor ter um belo panorama de todo o rock no Rio de Janeiro e arredores.

The Bubbles
The Bubbles

O posfácio fica a cargo do cantor Léo Jaime, que cunha uma expressão acertada para os músicos do período – os operários do rock. Esta expressão titulou uma recente matéria na capa do caderno de cultura do jornal O Globo. A divulgação foi mais do que merecida, assim como as que houveram na Poeira Zine (da qual Nélio Rodrigues é colaborador eventual, sempre tratando do rock brasileiro, uma de suas especialidades) e em vários outros canais impressos e virtuais. Nélio Rodrigues já havia publicado o livro Histórias Perdidas do Rock Brasileiro – Vol. I, em 2009, que é bastante interessante também, mas que como o próprio afirmou, trata-se de um breve “vislumbre” desse período. Em Histórias Secretas do Rock Brasileiro, no entanto o número de páginas e a profundidade da pesquisa vão mais longe e são definitivos. Na primeira versão deste “projeto” encontram-se algumas entrevistas com músicos do período, que provavelmente foram um dos materiais manejados por Nélio para construir os textos sobre as bandas.

Com Daniel Romana, guitarrista do Módulo 1000
Nelson (à esquerda) com Daniel Romana (segurando o livro), guitarrista do Módulo 1000 que faleceu recentemente, mais filho e nora durante o lançamento do livro

O lançamento do livro ocorreu em uma livraria em Botafogo, no Rio, da qual estiveram além de amigos, familiares e admiradores (eu incluído), vários dos músicos que tiveram suas histórias perpassadas nas Histórias Secretas do Rock Brasileiro.

Recomendação número 2:  compre também o livro Histórias Perdidas do Rock Brasileiro – Vol. I!

Recomendação final: não perca tempo, pois o material é quente. O livro encontra-se a disposição nas melhores livrarias.

2 comentários sobre “Histórias Secretas do Rock Brasileiro [2014]

  1. Estou encerrando de ler esse livro, que é realmente um achado. As palavras do Nélio, um pessoa que vivenciou toda a história que está aqui, resgata nomes de bandas que ou nunca ouvimos falar ou pouco conhecemos.

    Acho que ele exagera um pouco nos elogios (Miragem para mim não é um álbum tão magnífico quanto ele exalta no texto, apesar da capa ser belíssima), mas isso é um pequeno detalhe perante as inúmeras histórias secretas que são agora reveladas a la Mr. M.

    Quanta banda boa ficou relegada apenas aos bailinhos da zona sul e da baixada fluminense, sem um vinil para contar a história.

    Baita indicação, Ronaldo!

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