Tralhas do Porão: Warhorse

Tralhas do Porão: Warhorse

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Por Ronaldo Rodrigues

O nome do Warhorse só não é tão obscuro no espectro do rock ’70 porque dois de seus integrantes tiveram uma ponta de reconhecimento mundial em trabalhos fora da banda. Ademais quase todos os elementos para a obscuridade estão presentes na trajetória do Warhorse – seus discos venderam pouco (ainda que um compacto tenha sido razoavelmente bem vendido), estavam em uma gravadora que era apenas uma grande aposta (em 1970 a Vertigo ainda contabilizava mais prejuízos do que sucessos) e não tocaram nos grandes festivais ao ar livre, que eram as maiores vitrines para os artistas naquela época.

Nick Simper

Um desses caras que beliscaram a fama foi Nick Simper, baixista. Estando no rock desde a adolescência no início dos anos 1960, em 1966 Nick começa a despontar em uma banda com maior renome – Johnny Kidd and the Pirates. Vale lembrar que antes dos Beatles, Johnny Kidd era um dos principais astros do rock no Reino Unido. As coisas não andavam muito bem pra Kidd naquela época, já que o astro tentava se adaptar aos novos tempos e as rápidas mudanças do estilo. Contudo, um acidente de carro interrompeu essa tentativa. Os Pirates, tentaram por quase um ano seguir sozinhos, mas também não lograram êxito.

 

O Flowerpot Men ao vivo em 1967, com Nick Simper, Ged Peck e Jon Lord (que não aparece na foto)

Entre o fim de 1967 e o primeiro trimestre de 1968, Nick Simper esteve no Flowerpot Men, um grupo vocal de sunshine pop também com algum nome e um hit estourado na praça. Simper entrou justamente porque uma tour foi organizada rapidamente pela Europa na esteira do breve sucesso do grupo. Por um problema de saúde, o tecladista do grupo não pôde concluir a tour e Simper sugeriu o nome de um amigo, um tal Jon Lord, para completar o serviço. Na guitarra do Flowerpot Men estava também Ged Peck, que viria a ser colega de Nick Simper novamente. Nenhum deles prosseguiu na banda e nem gravou nada com o Flowerpot Men, exceto alguns registros feitos ao vivo.

Jon Lord estava montando um outro grupo nesse mesmo 1968, contando já com Ritchie Blackmore (que tinha passado um tempo na Itália tocando com o The Trip) e chamou Nick Simper pra parada. Inicialmente, o line up contava com Bobby Woodman na bateria, mas por certas incompatibilidades musicais, ele foi dispensado. Achegou-se ao time do então Roundabout (nome que só foi utilizado durante cerca de 1 mês pelo grupo) o baterista Ian Paice, nascendo a célula embrionária do Deep Purple. Esta parte da história a maioria dos leitores sabem – Nick Samper gravou 3 discos com o Deep Purple e foi despedido do grupo em julho de 1969, por supostamente não ser considerado competente para o posto.

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A primeira formação do Deep Purple, com Nick Simper no baixo

Enquanto isso, o guitarrista Ged Peck alternava-se entre músico acompanhante e algumas tentativas de projetos próprios, todas de curta duração. Em 1969, ele foi convocado para a banda de apoio de uma promissora cantora soul, Marsha Hunt, por convite de alguém que já tinha sido convocado pra estar lá – o baixista Nick Simper. Simper também sugeriu para a banda de apoio da cantora o baterista Malcolm Poole. Mac Poole era um experiente baterista, com passagens por inúmeras bandas britânicas na região de Birmingham. Era amigo de Robert Plant e quando este já estava fazendo audições com Jimmy Page, no que seria uma nova encarnação dos Yardbirds, o nome de Mac Poole foi cogitado para o posto de baterista do futuro Led Zeppelin. Mas como Poole já estava comprometido com outros projeto na época, declinou da possibilidade.

Com Marsha Hunt esse trio tocou no Jazz Bilzen Festival de 1969 e na segunda edição do festival da Ilha de Wight, também em 1969 (a edição mais famosa desse festival ocorrera no ano seguinte, e foi a última). Como curiosidade Marsha Hunt era americana mas havia se mudado para Londres em 1966. Tendo dificuldade com o visto de permanência na Inglaterra, propôs um casamento de conveniência com Mike Ratledge, tecladista do Soft Machine. Teve um filho com ele em 1970, quando interrompeu brevemente a carreira, gravando um disco completo apenas em 1971. O que começou como conveniência se transformou em um casamento de mais de 40 anos.

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Marsha Hunt e Ged Peck (ao fundo)

Nessa pausa da gravidez de Marsha Hunt, o trio Mac Poole, Nick Simper e Ged Peck se reorganizaram para cumprir os compromissos agendados e convocaram um vocalista para o posto. Era Ashley Holt, até então um desconhecido. Em busca de identidade e repertório próprio naquele início de 1970, convidam Rick Wakeman para o posto de tecladista, que naquela época era tão pouco ilustre como qualquer um dos membros do futuro Warhorse. Rick Wakeman era um session man com certa reputação no meio musical, mas desconhecido do público. Com Rick Wakeman, a banda grava uma demo tape em abril de 1970, para saírem à rua em busca de uma gravadora. Logo depois, Rick Wakeman receberia uma oferta dos Strawbs, um grupo folk em ascensão, deixando o cargo vago. Daí para frente, a carreira de Rick Wakeman foi uma exponencial de reconhecimento.

Para dar continuidade aos planos, a banda chama o tecladista Frank Wilson, da banda Velvett Fogg, que havia lançado um disco pela Pye Records em 1969, bem ao sabor das tendências art rock da época, mas que não deu em nada em termos de vendagem. A banda se desfez e Frank Wilson estava de bobeira, aceitando o convite para o Warhorse.

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O Velvett Fogg, com Frank Wilson

O som da banda cai no gosto do selo Vertigo, que com menos de 1 ano de atividade, apostava forte no rock que viria a ser chamado de progressivo anos depois. Em novembro de 1970, a estréia do grupo é lançada na Inglaterra, França, Alemanha e Austrália com o LP autointitulado. A fotografia da capa foi realizada Marcus Keef, o mesmo da emblemática capa da estréia do Black Sabbath.

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Ged Peck durante as sessões de gravação do primeiro disco do Warhorse

Além da trajetória associada ao Deep Purple, o conteúdo do LP do Warhorse é frequentemente associado ao som do Deep Purple, ainda que ele soe muito mais como Uriah Heep, Black Widow e Atomic Rooster. Seus climas são mais dramáticos e tétricos, com pouquíssimas referências ao blues, com os vocais desesperantes de Ashley Holt e os teclados sombrios de Frank Wilson. Os riffs de guitarra não ficam tão próximos da orelha do ouvinte e a interação bateria-baixo é de extrema classe. “Vulture Blood” e “Solitude” lambem referências sinfônicas; “Ritual” e “St. Louis” são rocks mais diretos (a primeira tem referências claras de “Wring that Neck” do Deep Purple e a segunda é uma versão para o hit dos Easybeats). “No Chance” e “Solitude” abusam de dramaticidade e dos dotes vocais de Ashley Holt, com maravilhosas intervenções do Hammond de Frank Wilson; “Burning” e “Woman of the Devil” tem um groovezinho bem safado.

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O LP de estreia, de 1970, pela Vertigo

O LP teve poucas vendas, mas a versão de St. Louis teve desempenho apenas regular, o que fez a Vertigo considerar a possibilidade de continuar o investimento no grupo. A Vertigo parecia se preocupar mais em promover a marca da estampa do que algum lançamento específico. A banda vinha adquirindo boa reputação ao vivo, mas pouco progresso houve com relação a sua popularidade em escala internacional. Em 1971, Ged Peck pula fora por desentendimentos sobre os rumos do grupo e dá lugar a Peter Parks. Já com Peter Parks a banda figura no popular programa alemão de TV Beat Club, tocando a música Ritual, em uma interpretação que fica devendo um pouco à gravação do disco. No período, preparam-se para o segundo lançamento.

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Em 1972, vem à luz Red Sea. Novamente, o disco passa em brancas nuvens em termos de venda e a Vertigo os dispensa. O lançamento dá mostras de uma certa falta de direcionamento. Se no primeiro disco o Warhorse tinha um punhado de boas canções mas trabalhava numa fórmula sonora que tinha concorrentes de peso, no segundo disco parece que tentam atirar para diversas direções, sem efetivamente dar um tiro certeiro.

Red Sea abre com uma faixa título ganchuda, mais focada nas guitarras do que nos teclados, seguida de “Back in Time”, um verdadeiro banquete repleto de todos os exageros do hard rock de tintas progressivas daquele início de década de 70. Já “Confident but Wrong”, “Feeling Better” e “Sybilla” são tentativas deslocadas de emular canções soul sem um feeling e uma sonoridade apropriada pra tal; “Mouthpiece” repete a monstruosidade de “Back in Time”, com um gigantesco solo de bateria em uma faixa instrumental. “I (Who Have Nothing)” é uma bonita interpretação repleta de teclados para a bela canção de Tom Jones.

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O disco Red Sea, de 1972

A banda foi catando os cacos e tentando se manter até 1974, chegando até a registrar mais algumas faixas como demo tape para um futuro terceiro disco, que ficou inédito. Rick Wakeman deu uma ajuda para a banda na confecção dessa demo. Nessa fase final, o baterista Mac Poole foi substituído por Barney James. Tanto Barney quanto Ashley Holt foram convidados para darem uma forcinha a Rick Wakeman em seu novo lançamento, que viria a ser o auge de sua carreria com Journey to the Center of the Earth. Ashley Holt gravou muitos outros discos da longa carreira solo de Rick Wakeman e ficou até hoje associado diretamente a carreira do multitecladista.

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Foto promocional da primeira formação do Warhorse

Mac Poole integrou brevemente o Gong, por apenas 3 meses, num período em que a banda estava sem baterista fixo. Depois também integrou um espécie de supergrupo do segundo escalão do rock britânico, o Broken Glass, com Stan Webb (Chicken Shack), Miller Anderson (Keef Hartley Band) e Tony Ashton, num vôo curto. Nick Simper e Peter Parks fundaram outra banda, o Dynamite, também de vida curta. Até o fim dos anos 70 Nick Simper esteve envolvido nos bastidores e em 1979 formou novamente com o guitarrista Peter Parks a banda Fandango, entre diversos projetos de pouco sucesso. Mac Poole faleceu no ano passado. Os discos do Warhorse já foram relançados algumas vezes, e encontram-se em boas versões em CD pelo selo alemão Repertoire.

20 comentários sobre “Tralhas do Porão: Warhorse

  1. Warhorse é mais uma banda, dentre tantas do final dos anos 60 e começo dos 70, que não conseguiu alcançar o topo da fama, mas deixou um trabalho consistente, que, graças ao advento da internet, ganhou uma sobrevida, sendo redescoberta pelos ávidos fãs do rock. Simper e Rod Evans, reza a lenda, foram afastados do Deep Purple, por falta de qualidade técnica. Simper formou o Warhorse. Rod Evans, o Captain Beyond. Ou seja, a excelência do mark II do Purple não foi por acaso. Uma banda que dispensa dois músicos talentosos, como Simper e Evans, sabia muito bem o que estava fazendo. Sobre o Warhorse, é uma banda de qualidade, com boas composições, mas, como bem apontou o Fernando Bueno, sem um bom direcionamento. Como tantas bandas da época, talvez não tenha recebido a devida valorização da gravadora, mas isso era comum na época. Muitos bons álbuns ficaram esquecidos nas prateleiras do tempo, sendo redescobertos e divulgados por arqueólogos da era digital. Gosto muito de “Ritual” e “Burning”, do primeiro álbum. No mais: quanto mais Tralhas do Porão, melhor. Recomendação: falando em bandas bem produzidas, mas que não alcançaram a glória, indico uma banda americana chamada Banchee (com “c” mesmo), que lançou dois discos muito bons em 1969 e 1971. Capitaneada pelos guitarristas Jose Miguel de Jesus e Peter Alongi, o Banchee fazia um som de primeira. Em caso de curiosidade: é fácil encontrar no iutube a íntegra do segundo Lp, “Thinkin'”. A música que mais ouvi nesses últimos dias: “John Doe”, desse Lp.

    1. Francisco…o autor desse competentíssimo texto é Ronaldo Rodrigues, mas fico lisonjeado de alguém achar que eu poderia ter feito ele…rs

  2. Tralhas é uma de minhas seções prediletas da Consultoria. A boa pesquisa e o ótimo texto do Ronaldo, somados a mais uma banda esquecida nos dá vontade de juntar mais e mais tralhas no porão.
    Warhorse, para mim, é como caviar, só conheço de nome. Mas já tô aqui correndo pro Youtube.

  3. Eu também só conheço de nome. Vou ter que ouvir. Depois dizem que os caras que fuçam os anos setenta pararam no tempo. Mas vejam como é…por mais que esses discos já tenham quase 50 anos para mim, e pelo jeito para o Eudes que escreveu aí em cima, isso é tão novidade quanto qualquer banda cheirando a leite por aí…

    1. Essa coisa de fuçar os anos setenta é algo que pratico há uns cinco ou seis anos. O blog do Luiz Carlos Menegon, “Venenos do rock”, me abriu os ouvidos para muitas bandas obscuras. Depois, por algum tempo, participei de um grupo fechado do Feicebuqui, chamado RARE COLLECTIVE ROCK MUSIC, formado por pessoas que pesquisam e divulgam grupos e artistas do rock dos anos 60 e 70. Geralmente, a ideia que se tem é, por serem obscuras, ou esquecidas, a produção dessas bandas era tosca, ou os músicos, meia-boca. Na verdade, há muito biscoito fino que só não atingiu o topo, porque a concorrência era feroz, ou as gravadoras não promoveram a contento, ou os músicos se dispersaram. Citei o caso do Banchee, mas há outros marcantes: May Blitz, Patto, Fuchsia, PRE (sua “Ballet for a blind man” poderia ser facilmente uma maravilha do mundo prog…), Room (do álbum “Pre-flight”), Wicked Lady, Gabriel Bondage, Arc, Culpeper’s Orchard (bandaça!), Blonde on Blonde, Roger Rodier, Spring, Stonehouse, Tin House (power trio comandado pelo excelente guitarrista Floyd Radford), Tractor (antiga The Way We Live), BullAngus, Cargo, Dragon (da Nova Zelândia), Dragon (da Bélgica), Damnation of Adam Blessing, Home (de Laurie Wisefield), Juan De La Cruz Band (pioneiros do Pinoy rock), T2, Man, Phantasia (“Genena”), Plum Nelly, Poobah (de Jim Gustafson) etc. Parodiando Santo Agostinho, é música antiga e sempre nova.

      1. Obrigado pelos seus comentários, Francisco!
        várias dessas bandas estão no meu radar. Sobre o Cargo já escrevemos aqui, não sei se o texto ainda tá disponível ou se perdeu por nosso antigo host. O Banchee tb eu já comecei a escrever mas é muito difícil encontrar alguma informação sobre a biografia dos caras. Culpepers Orchard eu curto DEMAIS e com certeza será uma das próximas a figurar por aqui. Vc só citou sonzeira, ademais!
        Abraço,

        1. Um aviso aos navegantes: essa banda Dragon, da Nova Zelândia, vale só o primeiro disco. É uma banda com um discografia extensa, mas do que eu pude ouvir, fujam do resto.

          1. Da banda neozelandesa Dragon, só ouvi mesmo os dois primeiros Lps “Universal radio” e “Scented gardens for the blind”…

  4. Excelente! Adoro essa banda! Fiz tb uma mini bio deles quando tinha a comunidade Vertigo Label no extinto orkut! Parabéns!
    Curiosidades: Eu já li em algum lugar que a Marsha tinha engravidado de Mick Jagger!! E o LP Red Sea saiu no Brasil na época!!! Existem umas versões em cd desses discos com bonus tracks interessantes! Abração

        1. Manda o Eudes comprar no Botija. Só sabe falar dessa loja (que é ótima, verdade seja dita)… vai lá comprar.

  5. Nick Simper obteve um discreto sucesso apesar de tudo. Quanto a Rod Evans, que saiu em carreira solo gravando e lançando um compacto solo em 1971. Hoje este single é cobrado a preço de ouro e ultra raro. Não obteve vendagens naquela ocasião. O Captain Beyond é uma das bandas mais ‘azaradas’ do rock, seu primeiro LP de 1972 foi lançado em varios países inclusive aqui no Brasil. Obrigatorio pra qualquer headbanger!!!!Quanto ao “Deep Purple Tupiniquim” de 1980, nada a declarar!! – marcio “osbourne” silva de almeida – joinville/sc

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