Rotting Christ – Aealo [2010]

Rotting Christ – Aealo [2010]

Rotting Christ aealo

Por Fernando Bueno

Antes de iniciar o texto gostaria de pedir desculpas aos fãs que acompanham a banda há muito mais tempo ou até mesmo desde o seu início. Comecei a me interessar por esse lado mais extremo do metal há cerca de dois anos e até mesmo o número de bandas dessa seara que estou ouvindo com mais atenção não é tão grande. Portanto caso eu cometa algum deslize sobre a sonoridade ou mesmo o conceito musical do Rotting Christ gostaria que vocês relevassem e me corrigissem nos comentários. Sobre isso é curioso pensar que com o passar do tempo eu tenha criado interesse por bandas mais pesadas e não o contrário. Quando era adolescente pensava que com a idade que tenho hoje eu estaria ouvindo “música de velho”, seja lá qual for a definição de cada um desse conceito.

Por se uma banda nunca apresentada aqui na Consultoria do Rock acho necessária uma curta apresentação antes da resenha do disco em si. De origem grega e formada em 1987 foram os pioneiros nesse estilo na região considerada o berço da civilização ocidental. Sua formação se estabelece em torno dos irmãos Sakis Tolis (guitarra e vocal) e Themis Tolis (bateria). Já gravaram discos como trio, quarteto e até como quinteto. Sua discografia é composta por doze álbuns de estúdio e um EP, o cultuado Passage to Arcturo de 1991, bastante influenciado por Venon e Celtic Frost. Os álbuns seguintes tinham mais ou menos o mesmo direcionamento com músicas mais diretas e rápidas, porém nunca deixaram de acrescentar influencias e novas idéias a cada novo registro. Até que uma grande mudança aconteceu no disco Khronos (2000). Muitas passagens melódicas, dedilhados com guitarras sem distorção e passagens calmas de teclados. Em Sanctus Diavolos surgem algumas influencias de industrial. Aliás, Sanctus Diavolos é um disco desses mais recentes que não me empolgou tanto mesmo eu tendo curtido muito mais a segunda metade da carreira dos gregos do que a primeira.

RottingChrist2010
Jim Mutilator, Sakis Tolis, Costas Vasilakopoulos e Themis Tolis

Aealo é o décimo álbum dos gregos e o primeiro que ouvi e me fez prestar melhor atenção. Além dos irmãos Tolis participaram da gravação Jim Mutilator no baixo e Costas Vasilakopoulos na guitarra. Formação que também tinha gravado o álbum anterior, Theogonia (2007), muito aplaudido pelos fãs. Porém essa formação se separou depois da turnê desse disco com esses dois músicos sendo trocados no final de 2011. Já até tinha um álbum deles, mesmo não gostando do som. Não estou lembrado das circunstâncias que me fez adquirir o disco (Non Serviam de 1994), mas voltei a ouví-lo recentemente e não ainda consigo gostar como gosto de Aealo e dos últimos discos.

O significado da palavra Aealo do grego ΕΑΛΩ, é algo como destruição e catástrofe. A faixa título inicia o disco com vozes femininas em um cântico em grego que dá o tom do álbum como um todo, como se estivesses apresentando o que o ouvinte vai presenciar ao longo de todo o disco. Os blast beats também estão presente mostrando que mesmo com outras influencias musicais, o black metal não foi esquecido e serve como liga para todas essas novas nuances colocadas no disco. As melodias de guitarras são o ponto alto de “Eon Aenaos”, com passagens que nos faz até esquecer que esse é um disco de uma banda cultuadíssima do estilo. A impressão é que estamos ouvindo algum disco de heavy metal do final dos anos 80 só que com muito mais peso. A declamação da introdução de “Demonon Vrosis”, que significa algo como alimento de demônios, é feita em grego antigo com seu eco em grego clássico. Essa mistura de línguas é comum na música do Rotting Christ sendo que até mesmo o latim é usado em algumas músicas de outros discos. O riff simples nas partes mais agudas da guitarra é repetida constantemente dando um contrapondo interessante à base bastante grave e marcial dos outros instrumentos. A sequência “Dub-sag-ta-ke” e “Fire Death And Fear” são ótimas para aquele ouvinte destreinado no estilo e por sinal são as que abusam das vozes femininas na mesma linha vocal que a faixa título.

“…Pir Threontai” abre como uma música do Fear Factory, com um riff pesado e de certa forma percursivo com baixo, guitarras e bateria em perfeito sincronismo. Uma das faixas mais marcantes do álbum. Em “Thou Art Lord” os corais são agora masculinos, bastante graves, repetindo uma frase várias vezes como se a voz fosse um outro instrumento. “Santa Muerte” apesar de seu nome é toda em inglês, em uma das faixas mais rápidas do álbum.

O disco encerra com “Orders from the Dead” em que uma mulher declama, em inglês e grego, o que podemos entender como um texto de um ritual e, junto do nome da faixa, nos faz entender bem o que está acontecendo. Na verdade, essa faixa é uma regravação de uma compositora americana chamada Diamanda Galás e a própria faz as vozes aqui. A cantora trabalha com avant-garde e música experimental e a idéia casou muito bem com a do Rotting Christ nessa que é a faixa mais longa do disco.

Rotting-Christ-Live

Vale a pena pegar a versão nacional do álbum que vem com um DVD com um pouco do processo de gravação do disco, além de parte de uma apresentação ao vivo na passagem que fizeram pelo Brasil em sua turnê do disco anterior.

Li que alguns fãs mais antigos ficaram decepcionados com Aealo dizendo que o acréscimo de influencias étnicas acabou diluindo sua identidade black metal. Não sei se é apenas impressão, mas como não temos contato com as músicas tradicionais do país de origem dos músicos não sabemos muito dosar o quanto ela foi respeitada na mistura ao black metal. Outro ponto também é que por ser algo até certo ponto exótico e de difícil entendimento pode ter potencializado o clima sombrio que já era característica do Rotting Christ. Usar línguas que não temos contato e conhecemos muito pouco ou quase nada nos faz apenas divagar e, somado ao ambiente profano característico da banda, reforçar a imagem que nos vem à cabeça é de algo proibido e perigoso.

No geral acredito que a maioria dos ouvintes gostou do resultado já que nos dois álbum que gravaram na sequência de Aealo, Kata Ton Daimona Eaytoy (ou Κατά τον δαίμονα εαυτού, se você soube ler em grego) de 2013 e o mais recente Rituals, lançado esse ano, a estrutura musical foi mantida.

A primeira reação ao tomar conhecimento do grupo é em relação ao seu nome. Independente da orientação religiosa de cada um é um pouco chocante. Muitos podem achar desrespeitoso. O fato é que esse nome já causou muitos problemas à banda como cancelamento de turnês, a proibição de tocar em alguns países e até a censura de Dave Mustaine, que pediu para que a banda ficasse fora do cast de um festival ou o Megadeth não se apresentaria. Chegaram até a mudar o nome para poder se apresentar em algumas cidades. Será que a rebeldia juvenil de quando criaram a banda atrapalhou o Rotting Christ de se tornar maior ainda?

Para finalizar, alguém lembrou do personagem Gregor Clegane, o Montanha, do seriado Game of Thrones, olhando para essa capa?

Rotting-Christ-logoTracklist:
01 – Aealo
02 – Eon Ænaos
03 – Δαιμόνων βρῶσις (Demonon Vrosis)
04 – Noctis Era
05 – Dub-Saĝ-Ta-Ke
06 – Fire, Death and Fear
07 – Nekron Iahes
08 – Pir Threontai
09 – Thou Art Lord
10 – Santa Muerte
11 – Orders from the Dead

13 comentários sobre “Rotting Christ – Aealo [2010]

  1. Fiquei pensando se devia publicar este comentário, mas foda-se:

    talvez o momento mais “extremo” da música do pós-guerra tenha sido lançado em 1952 (3 anos antes de eu nascer). Trata-se de “4’33’’”, composta pelo mais influente compositor americano do século passado, John Cage, em 3 movimentos para qualquer instrumento. Ela foi concebida 5 anos antes e sua proposta é o silêncio: que o músico passe os três movimentos da música, em quatro minutos e trinta e três minutos, sem tocar seu instrumento, para que o som que prevaleça seja o som do ambiente, geralmente proveniente do incomodo causado ao ouvinte ou à plateia. Há alguns vídeos no youtube muito interessantes sobre a execução dessa música. Pois bem, 60 e tralalá anos depois dessa obra ser lançada me vem o senhor Fernando Bueno afirmar que “é curioso pensar que com o passar do tempo eu tenha criado interesse por bandas mais pesadas e não o contrário. Quando era adolescente pensava que com a idade que tenho hoje eu estaria ouvindo “música de velho”, seja lá qual for a definição de cada um desse conceito”. Achar que a música de bandas de metal extremo é coisa muito complexa (ou pesada) para ouvidos velhos é de um preconceito tal que merece apenas o silêncio de 4’33”. Aliás, Cage provou com essa não-música que para ser extremo não é preciso ser pesado, potente ou barulhento. Muito menos… velho.

    1. Já vi que a SUA definição de “musica de velho” acabou TE ofendendo. Não era minha intenção, mas vamos lá. Eu disse isso pq eu nunca iria me imaginar ouvindo black metal. Quando era adolescente eu não gostava disso, preferia as bandas mais tradicionais do metal e hard rock. Death metal e black metal era muito pra mim. Pouco tempo depois eu me interessei pelo rock progressivo (que muitos chamam de música de velho) e eu imaginava que com o passar do tempo eu iria sim abrir mais a cabeça para outros tipos de música, mas nunca que iria para os caminhos mais extremos.

      1. Não retiro uma palavra do que escrevi. O rock faz tempo que parou de evoluir e está cada vez mais velho e saudosista, embora pesado e cheio dos truques.

        1. Como já dizia o Cazuza: eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grandes novidades

  2. Eu ACHO que quando você citou o “Khronos” quis dizer “A Dead Poem”, que foi em um período em que a banda migrou pro gothic metal, mudando inclusive de logo.

    Essa mudança, a meu ver, começou pouco timidamente no lançamento anterior “Triarchy of the Lost Lovers”, se concretizou no “A Dead Poem”, e teve seu auge no disco seguinte “Sleep of the Angels”.

    O “Khronos” meio que foi uma volta às origens dentro de um novo background, bem mais pesado que os três anteriores, inclusive retornando ao logo antigo, que não foi utilizado na capa dos dois últimos discos, “Κατά τον δαίμονα εαυτού” e “Rituals”.

    Não sei se o álbum teve uma recepção ruim entre os fãs antigos, mas as inclusões étnicas começaram no disco passado, o “Theogonia”, e desse eu gostei muito mais, pois achei a parte étnica mais bem inserida às composições, pois ficou totalmente agregada ao som característico da banda. Já no “Aelo” temos “o som da banda, agora a parte étnica”, a transição ficou muito marcada.

    1. Pode ser mesmo que eu tenha confundido as bolas aí. Eu ouvi os discos todos fora de ordem e pode ser que minhas impressões tenham se embaralhado. O fato é que gostei mais, ou me agradou mais, do Sanctus Diavolos pra frente…

  3. Correndo por fora minha contribuição à polêmica “música de velho”.

    EU entendo o termo em dois sentidos, primeiro: aquela música que a criança e o adolescente identifica a música do tempo de seus pais e avós, ou seja, aquela música que choca por ter uma estética completamente diferente do que ele conhece (porque, na verdade, como criança e adolescente, ele de fato conhece muito pouco), segundo porque produzida por meios tecnológicos obsoletos, e isso, INICIALMENTE, também “fere” os ouvidos, justamente por essa falta de experiência, é como ver um filme mudo pela primeira vez.

    O segundo sentido: para a criança e o adolescente o velho é cansado por natureza, e a pessoa cansada só quer paz e sossego, logo o velho não quer agitação nem barulho, quer música calma e suave, isso porque na verdade eles tem energia além da conta e fazem barulho demais.

    Por outro lado se black metal não é música de velho, deveria ser “o som da galera”, mas também não o é.

    Assim eu chego a duas conclusões, metal extremo é para quem gosta de metal, extremo, e o Marcos, apesar de velho, não gosta de música de velho, gosta de música boa, e disso todo mundo gosta, o que muda é o boa.

    Por fim interessante o Marcos referenciar uma não-música, para dizer que pesado mesmo é a guerra, para se defender de uma acusação que ninguém fez. (rs)

    1. O Fernando disse que eu não entendi o que ele quis dizer. Também não entendi o que você quis dizer no seu último parágrafo, Serena. Preciso ir ao SUS, urgente. Mas obrigado por ser serena. Seus dois comentários foram muito legais.

      1. Epílogo.

        O jovem Fernando achava que quando ficasse velho deveria fazer como todo velho e gostar de música de velho.

        Ele achava que velho não gostava de música pesada, e que música pesada é metal extremo.

        Você quis mostrar pro Fernando que não existe música de velho e que o contexto pode tornar uma música mais pesada que sua sonoridade.

        Para isso você usou como exemplo uma performance artística executada muito antes do metal nascer, exemplo este que apesar de mais extremo não foi musical, pois apesar da pausa ser uma nota, uma música propriamente dita não pode ser composta exclusivamente por ela, pois faltam os outros elementos da música, como ritmo e melodia.

        Assim, para “defender” o direito dos velhos ouvirem músicas extremas e/ou pesadas e/ou complexas você apelou para algo que nem é música, algo que eu entendo como: eu posso ouvir esse disco, pois não sou cego. Tanto que você citou um momento extremo na arte, não uma música extrema.

        Mas no fim das contas o Fernando não chamou ninguém de velho, tão pouco proibiu nada. O caso é que quando ele achava vocais agudos o ápice do canto e músicas longas o máximo da complexidade ele jamais considerou gostar de algo conduzido por uma voz que na época ele nem deveria considerar ser canto.

        PS. Será que a expressão “música de uma nota só” tem alguma relação com essa obra do John Cage?

        1. Caramba!!! Perfeito Serena!!!
          Se desenvolver um pouquinho mais, publicamos aqui mesmo no site!!!

          1. Opá! Me esforcei um pouquinho e saiu alguma coisa, posso mandar como comentário aqui mesmo para que você ou quem se interessar possa me dizer se é coisa boa ou não?

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