Cinco Discos para Conhecer: Post-Punk

Cinco Discos para Conhecer: Post-Punk
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Da esq. para a dir.: David J., Peter Murphy, Kevin Haskins e Daniel Ash. Formação clássica do Bauhaus

Por Alisson Caetano

Em meio a explosão do movimento punk, durante os anos 70 para ser mais preciso, uma série de artistas já insatisfeitos com os caminhos que o estilo estava tomando, como a enorme exposição pública, o viés mais comercial e as limitações que o estilo se impunha de maneira não intencional, começaram a desenvolver uma “resposta” àquilo que estava sendo produzido durante o período. Nascia aí o post-punk e a new wave.

Antes de prosseguir, convém explicar de maneira sucinta as diferenças entre o post-punk e o new wave. Tudo o que veio como “evolução” artística do punk rock pode ser encarado como new wave ou post-punk. Então quer dizer que é tudo a mesma coisa? Não. A new wave desenvolveu-se com maior intensidade em solo norte americano e compartilha algumas diferenças cruciais com seu parceiro mais inglês. O principal deles é a abordagem mais discreta do baixo, que não é tão usado em evidência como no post-punk, e o caráter comercial das composições e letras mais românticas, diferente do caráter niilista e existencialista das bandas do post-punk. Nesse sentido, bandas como os New Order, Blondie, Devo e The Pretenders, por exemplo, estão muito mais para o new wave que para o post-punk.

Este guia não pretende lhe apresentar os cinco melhores discos do post punk. Muita coisa ficou de fora, mas todos os que incluirei aqui têm um motivo para o estarem. Por fim, não entenda que o post-punk é um movimento exclusivamente inglês. Existiram bandas de post punk em todo canto, até mesmo aqui no Brasil — caso da Plebe Rude e da fase inicial da carreira da Legião Urbana.

Por fim, tentem não me crucificar por ter usado uma foto do Bauhaus para ilustrar o post e não ter incluído nenhum de seus discos. A concorrência foi ferrenha e, para não fechar essa publicação com gosto de injustiça, usei a foto desta que é uma das mais importantes bandas do movimento para ilustrar a matéria como sinal de homenagem.


iggy-pop-the-idiotIggy Pop – The Idiot [1977]

É difícil prever com exatidão onde o post punk nasceu, mas quem aponta The Idiot pode estar fazendo uma aposta bem segura. Segunda parceria entre Iggy Pop e David Bowie — a primeira havia sido na produção de Raw Power –, Iggy e Bowie saíram de estúdio com um material completamente diferente do caos e urgência dos registros anteriores do artista junto aos Stooges. Troca-se a barulheira e cacofonia das guitarras descontroladas pelo baixo pulsante, temática sombria e muitas referências estilísticas. Boa parte dos instrumentos registrados neste disco ficaram a cargo da mente de David Bowie, que à época vivia uma influência sem tamanho do krautrock e da cultura alemã como um todo (convém lembrar que o disco fora registrado durante a estadia de ambos em Berlin, período onde Bowie gravou a trinca fundamental Low, ‘Heroes’Lodger), o que acabou respaldando na construção deste disco. O que resultou como um todo foi um compilado de 8 canções subversivas e perigosas. As letras de Iggy Pop para o disco de certa forma refletem um pouco do que o mesmo pretendia. Desacreditado por gravadoras pelo comportamento errático, Iggy descreve este período com muito sarcasmo e habilidade. The Idiot cravou com méritos um papel de destaque na carreira do músico, sendo uma porta de entrada bastante interessante para o post-punk (mas não para a carreira do Iggy Pop).

Gostou do que ouviu? Ouça o registro seguinte, Lust For Life [1977], um disco onde Iggy deixa de lado o clima pesado e investe em algo dançante, vivo e, porque não, mais alegre.


homepage_large.2b7fd50bPublic Image Ltd. – First Issue [1978]

Apesar de causar um rebuliço na cultura pop, os Sex Pistols eram uma banda tão cáustica — em qualquer perspectiva — que era improvável que durassem mais do que o primeiro registro. Dito e feito. Com o desmanche dos Pistols após uma turnê fracassada pelos Estados Unidos, Johnny Rotten resolveu apostar toda a fúria lírica que empregava nos Pistols travestido de uma sonoridade mais bem resolvida do que apenas 4 acordes. Seu First Issue é realmente uma quebra com a simplicidade de sua banda anterior. O que temos aqui é um som muito mais denso e arrisco dizer, até mais perigoso do que Never Mind The Bollocks. Ficou estabelecido informalmente as regras básicas para se fazer um disco de post-punk. O baixo encorpado que pulava a frente do restante da banda, as guitarras criando sons de ambientação, auxiliando mais nas bases do que na criação de melodias, o emprego de samples e os vocais que passam a desesperança e sarcasmo através de sua tonalidade e de suas letras subversivas. Resumidamente, todas as regras básicas do estilo estão compiladas no primeiro registro de Johnny Rotten — agora John Lydon — junto ao PiL.

Gostou do que ouviu? Siga em frente com  Metal Box [1979], muito mais experimental, sarcástico e talvez até superior que First Issue. Por que não o citei acima então? Por sua sonoridade ser nada amigável a ouvintes de primeira viagem.


unknown-pleasures-album-coverJoy Division – Unknown Pleasures [1979]

Se o PiL entregou a pedra bruta, o Joy Division tomou-a para si, aprimorou-a e vendeu o resultado como a forma lapidada. Tenho a teoria de que, pouco depois do fim do Warsaw — embrião do Joy Division –, os instrumentistas do grupo devem ter tomado muita referência do disco de estreia do PiL, lançado um ano antes do registro de seu álbum de estreia. A grande contribuição dos Joy Division para a música como um todo foi o de dar destaque pleno ao baixo. Até aquele momento, um instrumento puramente de base, nas mãos de Peter Hook, ganhou ares de protagonista, criando melodias e papel crucial na condução e marcação do tempo das faixas. Ian Curtis, o eterno depressivo mais famoso da história do rock, contribui com vocais nada usuais até o momento. Tons monocórdicos, interpretação doída e letras confessionais, serviram de influência para a futura geração gótica dos anos 80, como Sisters of Mercy e Nick Cave junto de seus Bad Seeds. Unknown Pleasures foi um passo de certa forma não intencional para uma evolução grotesca para o estilo. Incontáveis seguidores tomariam referência da forma de produção do disco — o qual o papel de Martin Hannett deve ser devidamente enaltecido –, das composições e do teor extremamente sombrio do registro.

Gostou do que ouviu? Não deixe de ouvir o póstumo Closer [1980], lançado após o suicídio de Ian Curtis. A temática depressiva foi enaltecido às vias de representar exatamente o estado mental que o letrista passava na época. Sofrendo com um casamento infeliz, ignorando os riscos do não tratamento de sua epilepsia e entrando em colapso após o anúncio de uma turnê norte-americana, Ian Curtis cumpriu exatamente o que disse em suas letras.


MI0001897774The Cure – Pornography [1982]

Alguns anos após o Joy Division ter dado as bases para o rock gótico — e ter tido um fim trágico com o suicídio de Ian Curtis –, o The Cure, centrado na figura icônica de Robert Smith, levava o estilo mais adiante, tanto sonoramente quanto esteticamente falando. Em termos instrumentais, o The Cure parece um aprimoramento mais sombrio e problemático do Joy Division do Unknown Pleasures. A audição proporciona ao ouvinte uma viajem angustiante pelas tortuosas e angustiantes letras sobre solidão e depressão de Robert Smith, certamente a figura central do projeto — tanto é verdade que hoje é o único integrante que passou por todas as fases do grupo desde sua formação. A produção tem seu papel fundamental para incrementar e dar o toque de perfeição ao trabalho. Nas mãos de Phil Thornalley, as músicas ganharam em profundidade e imersividade. As batidas de bateria, que seguem o tom cíclico do baixo, estão cheias de eco, como se registradas em uma catedral. As guitarras espirram sons e ruídos e, por vezes, lançam para o ouvinte sons hipnóticos e confusos. Roberth Smith chega as vias de intérprete, e não apenas de cantor, de suas próprias letras, fechando o pacote de um disco denso e uma das obras primas do rock gótico e do post-punk.

Gostou do que ouviu? Confira a consagração crítica e comercial, Disintegration [1989], disco onde a banda soube assimilar elementos de dream pop e um retorno à postura mais gótica, após uma sequência de discos sem essa veia em evidência.


swans_filth_lp_front1Swans – Filth [1983]

Quem me conhece melhor pode achar que inclui um disco do Swans por puro fanatismo. Não sou fanático por Swans, apesar de serem uma de minhas bandas favoritas. Mas não, eles estão aqui por um motivo muito bom.

Quase paralelo ao post-punk lá na Inglaterra, fervilhava de maneira tímida, mas incisiva, uma cena musical underground nos subúrbios de Nova Iorque. Os participantes dessa cena tinham como principal pensamento a completa negação da estética comercial e dos arroubos excessivos da new wave vigente nas rádios e casas de shows país afora. Para fazer uma espécie de trocadilho com quem estavam “combatendo”, essa cena levou o nome de No Wave. Dentre os artistas que surgiram desse meio, estava o Swans, comandado pela mente perturbada de Michael Gira. O surgimento do Swans aponta para as pretensões grandiosas de Gira em se obter um som mais caótico que o de sua banda anterior. Para isso, o mesmo reuniu um compêndio de outras pessoas tão “normais” quanto Gira para dar seguimento a este projeto. Juntaram-se a ele: os bateristas Roli Mosimann e Jonathan Kane (que se revesavam entre a bateria e uma enorme correira presa em uma mesa de metal, martelada insistentemente), o guitarrista Norman Westberg e o segundo baixista Henry Crosby (Gira também tocava baixo). O som resultante era um completo caos. Ritmos industriais “bate-estaca” que se assemelharia sem maiores problemas a uma gravação de uma siderúrgica. O efeito dos dois baixos é acachapante. Ao contrário do que se imagina, o papel da guitarra é unica e exclusivamente o de acentuar os efeitos noise (que eram feitos pela dupla Mark Berry e Sonda Andersson por meio de loops de barulhos registrados em fitas k7). Todo o ritmo pulsante era ditado pelo baixo estrondoso, criando um panorama caótico, mas apaixonante desde os primeiros segundos de audição.

Gostou do que ouviu? Ouça todos os discos dos caras, começando por White Light for the Mouth of Infinity [1991]. Este disco faz parte de uma fase onde Gira  experimentou com elementos de folk music, deixando um pouco de lado a abordagem noise anárquica dos primeiros registros. Esta fase perduraria por dois discos até o divisor de águas Soundtracks for the Blind, assunto para uma outra pauta.

33 comentários sobre “Cinco Discos para Conhecer: Post-Punk

  1. Parabéns pela matéria. Os discos foram bem selecionados e para os iniciantes passa uma boa ideia do que é o post-punk. Em relação ao no wave foi lançada no exterior uma coletânea com bandas brasileiras representativas deste estilo na década de 80 que é bem interessante.

  2. Desta lista possuo apenas os discos de Iggy (gosto muito do trabalho dele) e The Cure. Do Joy Division só conheço o Closer e não curti muito, mas como fazem mais de 20 anos (kkk) que não o ouço posso mudar de opinião a respeito da banda e tentar curtir seu disco de estréia. E do PIL só tive o “Album”. Vou dar uma chance ao Firts Issue!Quanto a banda Swans nunca tinha ouvido falar! No mais boa e interessante matéria.

    1. Acho o Closer meio diferente do Unknown Pleasures. É tão bom quanto, mas acredito que seja menos acessível quanto a estreia.

    2. “Album”. Um disco que reúne Steve Vai, Ryuichi Sakamoto, Ginger Baker, Tony Williams, Bill Laswell, Bernie Worrell e, claro, John Lydon não tem como ser ruim… “Bags”, “Fishing” e “Home” ainda estão entre as minhas favoritas…

      1. Nao sou la muito fã desse disco. O time é estrelar, mas o som nao tem aquilo que mais aprecio no som do PiL, que é o experimentalismo e uma pegada meio niilista na forma que o Johnny canta.

  3. Um detalhe: a capa desse disco do Swans não foi tirada do filme Rocky Horror Picture Show?

    1. Não, a capa é realmente um raio X e foi cortesia da namorada do percussionista, que conseguiu no serviço dela, de assistente de dentista.

  4. Tenho uma preferência maior pela new wave que citaste, porém ouço algumas coisas de post-punk, com uma preferência maior na linha do rock gótico e ao ethereal wave. Com relação ao The Cure citado, gosto do disco Faith.

    1. Não sou lá muito fã da fase mais comercial do The Cure. Sempre gostei dessa sensação esquizofrênica dos primeiros registros. Quanto a new wave, não sou o cara certo pra falar sobre, pois do estilo eu curto pouca coisa.

        1. Se alguém quiser ouvir The Cure apenas para “ter noção de como é uma banda de pós punk’, ou algo assim, pode escolher qualquer disco dentre os cinco primeiros (exceto o de estreia). É tudo depressão e tristeza ao extremo, tudo “dark” e sombrio, tudo niilismo e escapismo, tudo lindo e “cartilha básica” do estilo! Podem ir sem medo!

  5. Eu passei a me interessar e gostar do pós-punk bem depois da cena estar definida. Aliás, boa parte dos anos 80 eu só fui descobrir nos 90, como se tivesse hibernado uma década (e não recomendo que façam isso em casa). Uma das coisas que me chamou a atenção é a evolução do punk para o pós punk (a matéria do Alisson toca nesse assunto na introdução). Mas eu já tinha escrito a respeito: que eu via o pós punk como o fusion do inglês punk doido, uma busca de influências a serem acrescentadas aos 3 acordes do punk, fazendo o som progredir, como se fosse um punk progressivo (e existe aí uma ironia: o punk que surgiu para destruir o progressivo se rende dois anos depois ao conceito básico do progressivo que é a fusão de ritmos). Cito exemplos disso naquela matéria que escrevi sobre se o punk matou mesmo o progressivo. Pode isso, Alisson?

    1. É uma colocação bem interessante, Marco, e acho q é acertada. Mesmo compartilhando muito da estética punk, varias bandas mesclavam muita referência em seu som. O Swans talvez seja a mais evidente, pois evoluiu o som deles de um no wave anarquico pra uma bagunça noise com elementos de prog, art rock e folk.

      Até me lembro de um episódio daquela série da BBC, Seven Ages of Rock, que no final eles citam o Johnny Rotten, que antes era um cara anárquico que seguia exatamente as regras do punk “se rendendo” a outros generos quando montou o PiL. Só pra fechar, nao acho que o punk tenha matado o prog. O prog mesmo que se matou, se tornando mais e mais megalomaníaco a cada disco. Quanto ao punk, sim, tomou para sí o conceito de fusão de ritmos, mas nao acho que tenha algo a ver com o prog não.

      1. Esse assunto é muito complicado. Se a gente pensar em bandas como Cocteau Twins, não é difícil identificar alguns elementos progressivos em sua música.

  6. O punk é tão consistente musicalmente que em 2 anos já havia o pós-punk! hahahaha
    brincadeiras a parte, vou tentar dar mais uma chance a todo esse pessoal. O que pega mesmo pra eu não gostar é eles terem inventado baterias com som de papelão, tecladinhos com som de brinquedo de criança e um jeito irritante de tocar guitarra com palhetadas unidirecionais. Música boa (composições) eles até tem algumas, mas a sonoridade dos discos é ruim de doer.
    Parabéns por levantar a bola aqui no recinto, Alisson. Abraço!

    1. Mas dê o braço a torcer, Ronaldo: mesmo com músicos toscos, eram capazes de criar composições muito mais eficientes do que bandas de rock progressivo no auge de suas megalomanias.

      Valeu pelo comentário, cara 🙂

  7. O Echo and The Bunnymen entraria nesta lista de bandas post-punk? E o Dead Can Dance?

    1. Cogitei colocar o Echo and The Bunnymen (Ocean Rain ou o Porcupine). O Dead Can Dance eu conheço pouca coisa da discografia dos caras, mas do que ouvi, o som pendia pra algo mais new wave.

  8. Uma banda que naceu em 1980 e participou com desenvoltura de quase todos os movimentos dos anos 80 e 90, além de ser pra mim uma das bandas mais foderosas de todos os tempos, é o Legendary Pink Dots. Quando é que essa gente bronzeada vai mostrar seu valor escrevendo sobre eles?

  9. Excelente matéria, Alisson! Normalmente, gosto de praticamente tudo o que ouço relativo ao pós-punk, um dos estilos que mais me atrai no rock mundial, e, da sua lista, só não conheço o Swans! De resto, excelentes dicas, e, embora eu não colocasse inicialmente no PIL dentre minhas escolhas, por não ser tão “óbvio” ele se “atrelar” ao pós punk, realmente sua inclusão é totalmente válida depois de ler sua exposição e “justificativa” para sua escolha!

    A lista merece uma “parte 2”, como outras já tiveram, para incluir Bauhaus (que, curiosamente, ganhou foto, mas não levou citação…), Siouxsie And The Banshees, Sisters Of Mercy, Echo and the Bunnymen e uma das minhas melhores descobertas dos últimos tempos, os espanhóis da Belgrado (já escrevi sobre eles aqui no site, mas o UOL tratou de jogar fora, infelizmente). E depois uma parte 3 com outras bandas mais, e outros discos recomendáveis das mesmas bandas citadas!

    Parabéns mais uma vez, belíssimo tópico e belas escolhas!

    1. Valeu Mairão! Nao vou prometer uma parte 2 pq tem outros estilos que quero fazer um resumo, como o prog metal atual, sludge, e principalmente o post-metal, que deve ficar pronto esse mês ainda.

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