Discografias Comentadas: ZZ Top (Parte I)

Discografias Comentadas: ZZ Top (Parte I)

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Por Alisson Caetano

“That Little Ol’ Band from Texas”, trio texano, ou os barbudos mais famosos do rock n’ roll: não importa como você se refere. No fim, todos os apelidos convergem à uma mesma conclusão: música de altíssima qualidade ao melhor estilo texicano.

Até a presente data, já foram lançados 15 discos de estúdio em 46 anos de carreira, cerca de 50 milhões de discos vendidos mundialmente e metros de pelos faciais à serviço da boa música. Caso você nunca tenha tido contato com a banda anteriormente, corrija esse erro e use essa matéria como guia. Se você já for iniciado, leia tendo como companheiros um bom whisky, um Cohiba e Degüello como trilha sonora, e não se esqueça de dizer nos comentários se minhas opiniões batem com as suas.

Antes, uma pequena nota:

Esta matéria foi feita tendo por base as mixagens originais dos discos lançados entre 1971 e 1976. Os únicos comentários que direciono para as remasterizações posteriores do catálogo clássico do grupo são: desconsidere totalmente aquilo. Tirando completamente a crueza e rusticidade clássica em prol de um som mais digitalizado, aquele conjunto de remasterizações foram uma das piores decisões já tomadas pelo grupo.


ZZ Top's First AlbumZZ Top’s First Album [1971]

O primeiro disco veio dois anos depois da formação do conjunto e após as únicas mudanças de formações que viriam a ocorrer na história da banda (mudanças essas que não vejo necessidade alguma em enunciá-las). Subsidiada pela London Records e produzido pelo texano Bill Ham (empresário e produtor de grande parte do catálogo da banda), First Album é, em resumo, um disco de blues rústico e obviamente influenciado pelo country e pelo boogie. Os músicos já apresentam as suas características estilísticas muito bem definidas, desde os grandes improvisos cheios de feeling do jovem Billy Gibbons, o baixo volumoso e voz aveludada de Dusty Hill e a bateria simples e levemente suingada de Frank Beard (creditado à época como Rube Beard). O disco é recheado de pérolas para os fãs do estilo mais rústico e direto do trio texano, perfeitas para rodar sem parar em uma jukebox de algum boteco fedendo a whisky barato no interior norte-americano. Deixo como destaques: a melódica “(Somebody Else Been) Shaking Your Tree”, dona de um riffzinho simples, mas lindo; “Brown Sugar”, talvez a música mais lembrada pela banda em apresentações recentes; “Goin’ Down to Mexico”, de levada blues rock hipnótica e uma das mais interessantes com vocais principais de Dusty Hill e, por fim, “Neighbor, Neighbor”, belíssima balada country, evidenciando as qualidades da banda neste tipo de música.


Rio Grande MudRio Grande Mud [1972]

Musicalmente este é um disco que segue um padrão de sonoridade mais linear que a estreia: mais variada, que passeava do country para o boogie e blues, além de misturá-los habilmente. Aqui, o rock aparece mais firmemente em riffs mais diretos e músicas mais simples (sem soar pejorativo). A gravação do disco também é algo que merece uma citação. A estreia apresentava um som mais estridente e guitarras mais agudas, enquanto aqui o som parece mais regulado, diria até mais cheio. Particularmente eu gosto da forma como soa o disco de estreia, e até seria interessante ver este disco com o mesmo padrão de mixagem do anterior, mas isto é apenas eu teorizando em cima de um disco que é ótimo da forma como veio ao mundo. Dentre os destaques: “Francine”, a única música retirada para single do disco, dona de um carismático backing vocal feminino que me lembra, vagamente, algo dos Rolling Stones; “Just Got Paid”, outra frequentemente lembrada nos shows ao vivo, com linha de baixo simples, mas que mostram sua importância e, por fim, “Mushmouth Shoutin”, Country com “C” maiúsculo e um harmônico arrepiante.


Tres HombresTres Hombres [1973]

O primeiro disco que pode facilmente levar a insígnia de clássico não demorou a vir, a exatos 3 anos do início das atividades do trio. E, com clássico, não me refiro apenas à clássico da própria banda, mas sim de todo o gênero southern rock e do rock em geral. Aqui já vemos as características que a banda usaria à exaustão em seus discos seguintes, como as perfeitas alternâncias vocais entre Gibbons e Hill e os extensos solos (que estão mais para peças de improvisos) de Gibbons. Algo que chama a atenção é a maior aproximação da sonoridade do chamado southern rock. Não que o disco se assemelhe ao que era praticado por bandas como Blackfoot ou Allman Brothers Band, mas há maior homogeneidade entre os estilos sulistas e o rock clássico, evidente em “Beer Drinkers and Hell Raisers”, dona de um dos riffs mais pesados do disco todo. Destaco aqui: o trio de abertura: “Waiting for the Bus”, que sempre ganha uma interpretação simpaticíssima nos shows, “Jesus Just Left Chicago”, um blues em essência e clássico eterno do grupo e a já citada “Beer Drinkers and Hell Raisers”, além, é claro, da eterna “La Grange”, reinterpretada por um sem número de artistas, mas jamais igualada a execução primorosa vista aqui.


Fandango!Fandango! [1975]

Um misto de disco ao vivo com disco de estúdio, Fandango!, quarto trabalho do ZZ Top, pode até ser o disco mais “fraco” dos quatro registrados até o momento, mas definitivamente não deve ser menosprezado, pois apresenta algumas surpresas e pérolas que merecem sua atenção. O lado A do disco se trata de 3 músicas apresentadas ao vivo. “Thunderbird”, música composta pelos integrantes antes de formarem o ZZ Top (Nightcaps). Há também o ótimo cover de “Jailhouse Rock”, do Elvis Presley e um enorme medley de canções: “Backdoor Love Affair”, do próprio ZZ Top, “Mellow Down Easy” de Willie Dixon e “Long Distace Boogie” de John Lee Hooker. O que definitivamente chama a atenção desta parte ao vivo é o clima com que a banda executa tais canções, quase um show de rockabilly, esbanjando energia, algo que não seria visto em futuros discos ao vivo lançados pela própria banda futuramente. A parte de estúdio é claramente o material mais country de todos os registrados até o momento. O grande destaque é o single “Tush”, o primeiro grande sucesso em escala nacional da banda. Fora o single, o disco se mantém com outras canções que merecem serem conferidas, como “Blue Jeans Blues”, um blues tristonho, no bom sentido, claro. “Balinese”, dona de um refrão contagiante e clima alto-astral, infelizmente uma joia perdida dentro da extensa discografia do grupo, também se sobressai. Por fim, “Mexican Blackbird” é uma música caipiríssima onde Gibbons “imita” Johnny Cash, sendo o resultado não menos que magnífico.


TejasTejas [1976]

Tejas, além de quinto disco de estúdio do trio, marca também o último trabalho lançado pelo selo London. Para o próximo disco, a banda fecharia contrato com a Warner, dando início à sua escalada ao sucesso nacional. O disco veio após uma extremamente bem sucedida turnê em solo norte-americano, com a famosa produção de palco, que trazia toda a ambientação digna dos estados do sul, como búfalos e cobras vivas e um palco com o formato do estado do Texas. Sonoramente, é o disco mais “southern” do grupo. A influência e até a execução de peças country é menos utilizada aqui, prevalecendo gêneros como o boogie e o blues. A mixagem do disco também evidencia um som mais suave, isto visto em contraste com os primeiros trabalhos do grupo, onde as guitarras eram mixadas com uma sonoridade estridente, o baixo com corpo e volume surpreendentes e a bateria, estrondosa. Dou destaque à ótima abertura, “It’s Only Love”, dona de um refrão que fará você a entoar com facilidade incrível. “El Diablo”, uma das faixas mais recorrentemente tiradas para apresentações ao vivo, tem todo um clima cool delicioso, evidenciando que Billy Gibbons é, primordialmente, um guitarrista de blues (e dos melhores). Ah, e perdida lá no fim do disco está uma das melhores coisas gravadas pelo trio: “Asleep in the Desert”. Curto instrumental cheio de feeling, singeleza  e alma sulista, merecia maior reconhecimento por parte dos fãs do conjunto.


DegüelloDegüello [1979]

Primeiro disco da banda sobre o contrato com a Warner, Degüello também é o primeiro passo da banda em direção ao sucesso comercial, a única conquista que faltava para a banda, visto que de clássicos o grupo já está bem servido até o momento. Em comparação à Tejas, disco anterior, é notável que a banda reviveu o tipo de sonoridade mais áspera e cortante (evidente até no nome, Degüelo: cortar, em tradução livre) dos dois primeiros discos, aproximando-se por vezes até do hard rock. Não seria muito exagero dizer que este foi o início da transformação do grupo, tanto sonoramente quanto esteticamente (as barbas icônicas começaram a crescer aqui) no que ficou conhecido futuramente, mas sem os arranjos disco. Dentre os destaques: as duas covers que dão início aos dois lados do disco: a primeira, uma cover de “I Thank You”, escrita por Isaac Hayes e originalmente executada como um soul pelo duo Sam & Dave, aqui transformada em um blues rock cheio de balanço. O segundo cover se trata de “Dust My Broom”, clássico do místico bluesman Robert Johnson, executada aqui com uma intensidade cowntry/blues de rachar o assoalho da sua casa. Há de se citar as mais conhecidas: a alegre “She Loves My Automobile” (que pessoalmente não me agrada muito), “I’m Bad, I’m Nationwide”, dona do melhor riff do disco inteiro e, por fim, “Cheap Sunglasses”, responsável por inspirar os costumeiros óculos escuros que viriam a usar sempre que aparecessem em público dali em diante.


El LocoEl Loco [1981]

Se a banda apenas ensaiou algumas leves alterações em seu som no disco anterior, aqui resolveram efetivamente experimentar. Não é preciso ser fanático pelo som do trio para ver que algo mudou. Pela primeira vez percebe-se a utilização de sintetizadores e efeitos digitais nas vozes de Gibbons em várias faixas do disco. Outra mudança foi a forma com que o trio se reuniu em estúdio para as sessões de gravação. Anteriormente, toda a banda gravava como se estivesse em uma apresentação ao vivo. Desta vez, para a utilização de sintetizadores e efeitos de pós-produção nas faixas de guitarras isoladas, cada um dos integrantes registrou sua parte isoladamente em estúdio para posterior mixagem. Essa forma se tornaria predominante nos futuros discos, e geraria algumas brigas judiciais por conta de créditos e direitos autorais não concedidos à engenheiros de som, mas isso é história futura. Para deixar claro as mudanças que venho citando, destaco duas músicas em especial: “Tube Snake Boogie”, rock característico do trio, com um belo trecho com improvisos intensos de Gibbons, traz os primeiros exemplos de uso de distorções no contrabaixo e vocais alterados em pós-produção. “Groovy Little Hippie Pad” é toda construída por sobre camadas de sintetizadores e, apesar de não ser uma das melhores coisas já feitas pela banda, dava indícios do caminho seguido nos discos seguintes. Quanto ao restante das músicas, elas conseguem equilibrar bem as novas ideias com a verve mais simples, mesmo que seja em músicas de resultado abaixo do esperado. “I Wanna Drive You Home”, melhor do disco, traz um timbragem de guitarras metálica, mas ao mesmo tempo suave, casando perfeitamente com a pegada da faixa. “Pearl Necklace” diverte em uma faixa cantada por Dusty Hill, enquanto “Leila” e “It’s So Hard” apenas cumprem tabela com baladas insossas. Por fim, a instrumental “Heaven, Hell or Houston” é ridiculamente dispensável, enquanto “Party on the Patio” encerra dignamente os trabalhos com um rockabilly curto e competente cantado novamente por Dusty Hill. Mesmo com deslizes visíveis, El Loco é um disco que vale a pena por ser um “verdadeiro e interessante ponto de virada” no som da banda, isso segundo o próprio Billy Gibbons.


Foram necessários dois anos para que o ZZ Top retornasse aos estúdios para registrar seu oitavo disco, desta vez levando seriamente em prática os experimentos com sintetizadores e música disco. Esse pedaço da história é assunto para a segunda parte, que trata dos discos sob contrato com a Warner até o último registro de estúdio do trio.

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Foto promocional para o disco El Loco.

 

10 comentários sobre “Discografias Comentadas: ZZ Top (Parte I)

  1. Vamos imaginar que exista (e deve existir) o burrito perfeito: uma combinação mágica por sua simplicidade de um delicioso recheio de carne embalado por uma emblemática tortilla de farinha. Imagino que peregrinos já cruzaram o México e o Texas atrás dessa iguaria sagrada. A discografia do ZZTop equivale à essa peregrinação. Uma quinzena de burritos sonoros que a sensibilidade de cada um elegerá aquele que é perfeito. Eu, felizmente ou infelizmente, comecei ao contrário. Experimentei logo de cara o perfeito: Três Hombres. Daí pra frente nada deles chegou nem perto dessa experiência, mas sempre me satisfez. Grande banda que estava fazendo falta aqui na Consultoria. Não faz mais. Graças ao mestre do tex-mex Fernando. Bueno até no sobrenome.

    1. Sempre bacana ler/receber os comentários/elogios do Marco. Eu comecei com o Rio Grande Mud, mas meu preferido da banda ainda é o Eliminator, seguido bem de perto pelo First Album.

      1. Hehe… que puta gafe! Fiquei tão emocionado com as resenhas que troquei de autor. É a idade Alisson, mas considere a errata: onde se lê Fernando e Bueno, leia-se Alisson e Caetano. Bom, pelo menos nos próximos 5 anos ainda vou dever desculpas a você.

  2. Parabéns pela matéria. Gostei muito das análises dos discos dessa primeira parte. Conheço quase bem a discografia da banda até o Eliminator. Já tive alguns Lps e atualmente possuo apenas os cds Tres Hombres, Fandango, Eliminator e o box set “Chrome, Smoke & BBQ”. A propósito, os álbuns “ZZ Top’s First Album”, “Rio Grande Mud” e “Tejas” que estão na caixa “The Complete Studio Albums 1970-1990”, lançada pela Rhino alguns anos atrás, são os com a mixagem original.

    Abraços!!

  3. Dizer que Fandango é um dos discos mais fracos não é la uma da coisas mais interessantes a serem ditas quando da confecção de uma matéria sobre o ZZTop. Acho um dos melhores discos do grupo, com pegada bem hard rock em detrimento dos estilos citados. É o disco mais contundente e pesado do grupo.

    1. Suba até os comentários sobre Fandango! e leia novamente. Se ler novamente, verá que não foi isso que falei, mas sim que é o mais “fraco” — entre aspas porque o disco não é ruim — dos 4 lançados até a data, e não o mais fraco da carreira da banda.

  4. Tá aí uma falha na minha “carreira” de ouvinte de rock: o quase desconhecimento do ZZ Top. Tenho uma coletânea e pelo visto com as remasterizações que vc citou no início…

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