Cinco Discos Para Conhecer: o death metal da Flórida

Cinco Discos Para Conhecer: o death metal da Flórida



Por Diogo Bizotto

É bastante comum associar o heavy metal a localidades de clima mais ameno, quando não a regiões do mundo comumente identificadas com o frio e a chuva, como a terra tida como sua originária, a enevoada Inglaterra. Em se tratando das vertentes mais extremas, essa identificação pode ser ainda mais forte, vide o típico black metal produzido na gelada Noruega. Contudo, foi nos Estados Unidos, naquele que é conhecido como o “estado ensolarado”, que floresceu de maneira sem precedentes uma das mais importantes expressões artísticas que a música pesada já gerou. O local? Flórida, estado localizado no úmido e subtropical sudeste norte-americano. O gênero? Death metal, da melhor estirpe.

Por mais que alguns músicos ligados às bandas do estilo surgidas no final dos anos 80 e no início dos anos 90 na Flórida neguem a existência de uma verdadeira união entre os músicos locais na época, é indiscutível que havia uma prolífica cena em efervescência, congregando músicos, fãs, produtores e até espaços físicos propícios ao registro da brutalidade sonora gerada por aqueles jovens, como o estúdio Morrisound, localizado na cidade de Tampa, que se tornou uma espécie de Meca do gênero, no qual nada menos que todos os álbuns aqui citados foram gravados. Até mesmo grupos originários de outras regiões do país acabaram deslocando-se para a Flórida a fim de fazer uso dessa estrutura e acabaram se associando à cena, como é o caso do Cannibal Corpse e do Malevolent Creation, originários da cidade de Buffalo, localizada a milhares de quilômetros.

Como ficará mais claro no decorrer da leitura, o death metal produzido na Flórida tinha, apesar das peculiaridades de cada grupo, características em comum compartilhadas por muitos deles, como a proeficiência técnica expressa pelos músicos na construção de temas complexos e o crescente refinamento apresentado a cada álbum, permitindo-se às mais diversas ousadias e demonstrações de influências diversas. Os cinco álbuns que aqui apresento não necessariamente constituem os melhores que o estilo gerou, mas prestam-se como uma ótima introdução a todos que possam vir a se interessar por percorrer os caminhos mais extremos do heavy metal.

Death – Leprosy [1988]

Scream Bloody Gore, estreia do grupo, além de ter sido o primeiro registro de uma banda de death metal da região, constituiu para muitos (para mim, inclusive) o arquétipo daquilo no qual o estilo se transformaria, servindo de parâmetro para os posteriores. Seu segundo disco, Leprosy, além de ser ainda mais pesado, aparou algumas arestas e revelou-se tão seminal quanto Scream Bloody Gore no direcionamento do gênero, apresentando os primeiro lampejos de técnica e refinamento expressos posteriormente com mais propriedade por outros grupos e pelo próprio Death. Canções como a faixa-título, “Pull the Plug” e “Open Casket” são amostras de uma banda fazendo uso da inteligência em prol da brutalidade, estruturando músicas extremas a partir de riffs pesados e carregados de distorção, porém cativantes, e do uso veloz da bateria, ressoando sob os cavernosos guturais de Chuck Schuldiner, que entoam letras de caráter mórbido. O Death ainda evoluiria muito tecnicamente, assumindo uma posição pioneira na cena e ajudando a trazer à tona o nome de outras bandas locais, como o Cynic, graças ao respeito conquistado por Chuck e seus associados, mas a musicalidade contida em Leprosy não deve em nada a seus registros posteriores, e até hoje serve de inspiração. Leia uma resenha mais detalhada aqui.

1. Leprosy
2. Born Dead
3. Forgotten Past
4. Left to Die
5. Pull the Plug
6. Open Casket
7. Primitive Ways
8. Choke on It

Chuck Schuldiner: vocais, guitarra, baixo (não creditado)
Rick Rozz: guitarra
Terry Butler: baixo (creditado, mas não executado no álbum)
Bill Andrews: bateria

Morbid Angel – Altars of Madness [1989]

O primeiro disco do grupo liderado pelo guitarrista Trey Azagthoth é definitivamente um dos mais avassaladores álbuns de estreia que o rock pesado em geral já ofereceu. Enquanto muitos outros colegas do gênero ainda sonhavam com um registro discográfico, o Morbid Angel já tinha nas costas um disco paradigmático, que regurgita na forma de death metal as influências diversas do quarteto. Das velozes estripulias guitarrísticas inspiradas por Eddie Van Halen, herói de Trey, aos blast beats de Pete Sandoval, um dos mais influentes bateristas da faceta mais extrema do metal, Altars of Madness é pura intensidade, coroada pelos ríspidos vocais do baixista David Vincent, um dos mais carismáticos frontmen do estilo, elevando a blasfêmia ao patamar de arte. Canções técnicas e ricas em andamentos variados, como as fantásticas “Immortal Rites”, “Suffocation”, “Maze of Torment” e “Chapel of Ghouls”, são, muito mais que convites ao headbanging, prova de que cabeças pensantes conduziam as rédeas do death metal na Flórida.

1. Immortal Rites
2. Suffocation
3. Visions From the Dark Side
4. Maze of Torment
5. Lord of All Fevers and Plagues
6. Chapel of Ghouls
7. Bleed For the Devil
8. Damnation
9. Blasphemy
10. Evil Spells

Trey Azagthoth: guitarra
Richard Brunelle: guitarra
David Vincent: vocais, baixo
Pete Sandoval: bateria

Atheist – Piece of Time [1989]

O Death é múltiplas vezes creditado como principal detentor do pioneirismo ao fundir o death metal com influências egressas do rock progressivo e do jazz, mas o que muitos se esquecem é que antes mesmo do grupo de Chuck Schuldiner ter lançado seu divisor de águas nesse sentido, o excelente Human (1991), o Atheist já havia registrado Piece of Time, lançado em 1989 na Europa e em 1990 nos Estados Unidos. A fim de criar um paralelo palpável, é possível dizer que o que o Rush foi para o rock pesado nos anos 70, o Atheist foi para o death metal. Produzindo uma música dotada de estruturas extremamente complexas, a banda ajudou a expandir como poucos os horizontes de um gênero tido como limitado, inserindo elementos pouco ortodoxos e demonstrando quão aberta era a mente de seus componentes. O baixista Roger Patterson, que infelizmente faleceu em 1991, tem seu instrumento bem à frente na mixagem e por diversas vezes conduz as faixas com suas levadas espertas, enquanto o vocalista Kelly Shaefer entoa letras de qualidade muito acima da média do heavy metal em geral. Seus discos posteriores iriam ainda mais fundo no ecletismo, trazendo inclusive toques latinos ao death metal do Atheist, mas é em Piece of Time que se encontra a primeira grande dose de ousadia do gênero.

1. Piece of Time
2. Unholy War
3. Room With a View
4. On They Slay
5. Beyond
6. I Deny
7. Why Bother
8. Life
9. No Truth

Kelly Shaefer: vocais, guitarra
Rand Burkey: guitarra
Roger Patterson: baixo
Steve Flynn: bateria

Deicide [1990]

O Morbid Angel pode ter enriquecido as letras de Altars of Madness com as mais diversas blasfêmias, mas foi através de Glen Benton, vocalista e baixista do Deicide, que o mais explícito satanismo anticristão encontrou voz dentro do death metal, ajudando a montar um espetáculo que transcendia a música e chamava a atenção por outras razões. Entretanto, não pense que a música é deixada em segundo plano pelo Deicide. Executadas com maestria, recheadas de riffs bem sacados e conduzidas por um ótimo baterista, ferozes composições como “Lunatic of God’s Creation”, “Dead By Dawn” e “Carnage in the Temple of the Damned” ajudaram a solidificar a reputação do Deicide como uma banda para ser levada a sério mesmo por aqueles que não se importavam com os arroubos marqueteiros de Glen Benton, incluindo a promessa de cometer suicídio aos 33 anos, em alusão à idade com a qual Jesus Cristo morreu. Seus vocais, ora extremamente guturais, ora manipulados de maneira a soar como se estivesse possuído, estabeleceram um novo padrão de extremismo e influenciaram artistas posteriores. Deicide é, além de tudo isso, apontado como o possivelmente mais vendido álbum de death metal em todos os tempos.

1. Lunatic of God’s Creation
2. Sacrificial Suicide
3. Oblivious to Evil
4. Dead By Dawn
5. Blaspherereion
6. Deicide
7. Carnage in the Temple of the Damned
8. Mephistopheles
9. Day of Darkness
10. Crucifixation

Glen Benton: vocais, baixo
Brian Hoffmann: guitarra
Eric Hoffmann: guitarra
Steve Asheim: bateria

Obituary – Cause of Death [1990]

Muito provavelmente a mais tradicionalista de todas as cinco bandas aqui citadas, o Obituary tem suas raízes firmemente fincadas em suas influências oitentistas, em especial no Hellhammer e no Celtic Frost, hipótese reforçada pelo cover para “Circle of the Tyrants” (Celtic Frost), presente em Cause of Death. Alternando momentos velozes com outros mais cadenciados, o Obituary é muito bem sucedido em imprimir um clima macabro à sua música, realidade potencializada pela sepulcral performance do vocalista John Tardy, um dos responsáveis por estabelecer o modelo a ser seguido por outros cantores do estilo. Egresso do Death, o guitarrista James Murphy substituiu temporariamente o guitarrista Allen West e emprestou um toque de técnica e bom gosto aos solos presentes em Cause of Death, complementando as mórbidas bases engendradas por Trevor Peres, em consonância com as letras vociferadas por John. Death metal tradicional até o osso.

1. Infected
2. Body Bag
3. Chopped in Half
4. Circle of the Tyrants
5. Dying
6. Find the Arise
7. Cause of Death
8. Memories Remain
9. Turned Inside Out

John Tardy: vocais
Trevor Peres: guitarra base
James Murphy: guitarra solo
Frank Watkins: baixo
Donald Tardy: bateria

11 comentários sobre “Cinco Discos Para Conhecer: o death metal da Flórida

  1. Ótimo texto cara. Atheist e o Death são bandas ótimas, das melhores que tenho conhecimento. Uma das melhores que eu considero também, é o Coroner. Você conhece Diogo? Seria legal se você pudesse resenhá-la.
    Abraço.
    Condor.

  2. Conheço o Coroner através de sua ligação com o Celtic Frost, que é uma de minhas bandas favoritas, mas confesso que nunca parei para realmente prestar atenção na sua música. Pode ter certeza que vou correr atrás de seus discos agora mesmo…

    Obrigado pleo elogio e pela sugestão!

  3. Diogo, muito bem escolhidos os teus discos. O Deicide é uma pérola, lado-a-lado com o Legion. Belissima lembrança foi o Cause of Death. O Obituary começou muito bem, e ese disco realmente é muito bom. Parabens pelas escolhas, e eu só discordo do Morbid Angel, pq prefiro o Covenant (que o grupo alega ser o album mais vendido do death metal, mas desconfio), mas mesmo assim, o Altar of Madness é bem vindo

    1. O Obituary na minha opinião é a melhor banda da Flórida. E o que eu curto neles, é que eles prezam mais pelos riffs cadenciados inspirados em Hellhammer/Celtic Frost do que aqueles blast beats intermináveis que na minha opinião não acrescentam em nada nas músicas desse estilo. Aqui no Brasil são poucas as bandas de death metal que prezam por essa tradição dos riffs cadenciados, os caras só pensam em técnica refinado e blast beat. Uma banda de death metal nacional que eu curto é o Apokalypt Raids do Rio de Janeiro, eles são os herdeiros da sonoridade do Hellhammer, só que muito melhor e com personalidade. Mas é uma banda bem underground mesmo, e não faz parte da “panelinha” do death metal nacional.

      1. Também gosto dessa característica do Obituary, assim como também curto outras bandas de death metal que primam pelo som mais cadenciado, às vezes com um pé no doom, como Autopsy e Asphyx. E repare bem, elas possuem essa característica em comum, mas soam bastante distintos entre si, cada qual com sua personalidade. Também gosto do Apokalyptic Raids, apesar de achar que certas horas eles puxam demais para esse lance de homenagem ao Hellhammer e o Celtic Frost.

        Mais uma coisa… Você mencionou uma “panelinha” no death metal nacional. Poderia discorrer mais a respeito?

      2. Bizotto, acho que acabei me expressando mal. Seria mais fácil eu dizer que existe uma preferência tanto por jornalistas de revistas especializadas como por bandas mais técnicas. Tem nego que torce o nariz para bandas de death metal com sonoridade mais cadenciada e simples. Existem jornalistas que acreditam que death metal e só blast beat e técnica. O Krisiun com todo o respeito, faz um som muito repetitivo, é só aquilo. Eu prefiro ouvir uma banda que eu consiga acompanhar os riffs e entender a música. Já aquela banda super paparicada por alguns metaleiros a Nervosa, que pra mim não cheira nem fede e aquelas três não tocam nada, só sabem criar músicas com blast beats e o som não é orgânico, é muito forçado. É isso que eu quis dizer, e fora que sábado eu estava em um grau etílico bem avançado sacou meu camarada? Abraços!!!! E continuem detonando aqui na Consultoria do Rock, o melhor blog de rock.

      3. Bizotto, o Apokalypt Raids pode soar como o Hellhammer mas eu acho ainda melhor. E fora que o Leon Mansur é um grande guitarrista base, ele sabe criar riffs memoráveis e grudentos, como o bom death metal old school deve ser. Na boa, prefiro eles ao Venom, pronto falei! A sonoridade deles é vintage mesmo, mas também é por causa das influências de doom metal que a banda tem, e esse estilo acredito eu que fica melhor com uma sonoridade mais seca e crua. Mas a banda tem personalidade apesar das semelhanças.

      4. Entendo o que você quer dizer, há muita banda de death metal com ótimos instrumentistas, mas que não são capazes de escrever músicas cativantes. Soam como um grande aglomerado de “partes”, mas sem coesão suficiente para formar uma boa canção, sem ganchos melódicos, sem riffs memoráveis, sem algo minimamente solfejável. Muitas vezes os resenhistas acabam valorizando aspectos técnicos em detrimento das composições e dá-lhe nota alta pra uma porção de bandas bem intencionadas, mas meia bocas. Não acho que o Krisiun esteja incluído nesse meio, mas entendo que às vezes a avalanche sonora produzida pelo trio pode soar meio disforme. O início da década passada foi uma fase mais confusa pra eles e creio que tenha mais a ver com isso a que você se refere. Acho que eles foram especialmente bem sucedidos em se tratando de composição em “Conquerors of Armageddon”, “Southern Storm” e “The Great Execution”, especialmente nesse último. Quem não gostou desse, acho muito difícil gostar de qualquer outro. Quanto ao Nervosa, bem, na real eu nunca ouvi. Uma hora dessas vou atrás do material delas.

  4. O "Covenant" já foi, por um bom tempo, meu favorito do Morbid Angel, mas hoje em dia ocupa a segunda posição. Porém, minha faixa favorita do grupo é a absurda "God of Emptiness", de "Covenant". Aliás, pra mim, o Morbid Angel só não é a melhor banda do estilo devido à existência do Death, senão…

    Quanto aos álbuns mais vendidos do gênero, essa é uma questão muito complicada. Além de dados como esses não serem necessariamente tão acurados, em se tratando de death metal, gênero de nicho, vendido por vias muito mais difíceis de serem consultadas na criação de uma lista como essa, a relação pode estar um pouco distante da realidade, constituindo apenas uma aproximação.

    Cito como exemplo a constatação de um amigo que era proprietário de uma loja de discos: apesar de existirem outros grupos de heavy metal muito mais populares, sabe qual era o artista do qual seus discos não paravam na prateleira e logo eram vendidos? King Diamond!

  5. Me parece que o Terry Butler apesar de ser creditado no Leprosy, não gravou o baixo do disco, foi o Chuck quem gravou.

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