A Little Respect: Enigma – MCMXC a. D. [1990]

A Little Respect: Enigma – MCMXC a. D. [1990]
Por Mairon Machado
Misturar pop com cantos gregorianos? Isso não deve ficar legal. Bom, se quem fizer essa mescla for um pessoal da Alemanha que se batizou de Enigma, então não só fica muito legal como vira um dos álbuns mais vendidos da década de 90.
O Enigma surgiu como um projeto musical da cabeça do romeno Michael Cretu (produção, voz) e sua esposa Sandra (voz),  e dos alemães David Fairstein (letras) e Frank Peterson (samplers), exatamente em 1990. Apesar da mistura romena-alemã, o Enigma tinha como sede oficial a cidade de Ibiza, na Espanha.
Michael Cretu
Cretu começou a trabalhar com música no final dos anos 70, bastante influenciado pela onda new age que começou a surgir naquela época, tendo como um de seus principais ídolos o tecladista grego Vangelis. Entre 1979 e 1985 lançou quatro álbuns solos, todos sem sucesso comercial, além de produzir os álbuns de sua esposa.
Foi então que, durante uma passagem pela Alemanha, conheceu o pessoal citado acima, e resolveu formar um grupo musical que mesclasse new age, camadas pesadas de sintetizadores, viagens progressivas e também cantos gregorianos. (cantos cantados em latim por monges). Durante oito meses, o quarteto passou a cômpor e gravar o material que seria lançado no primeiro álbum do grupo.
MCMXC a. D. foi lançado em dezembro de 1990, e acabou sendo aclamado no muno inteiro, chegando a primeira posição dos discos mais vendidos daquele ano em 41 países, tornando-se o maior sucesso comercial da gravadora Virgin (famosa por explorar bandas desconhecidas do rock progressivo nos anos 70) até os dias de hoje.
Michael e Sandra Cretu
A ideia de usar cantos gregorianos já havia sido empregada na abertura de uma das canções da carreira de Sandra, “Everlasting Love”, lançada em 1987, e o fascínio que isso causava em Cretu era algo inexplicável. Um dos principais pontos a serem destacados em MCMXC a. D. é a incrível semelhança com um clássico do rock progressivo da década de 70, 666 (do grupo grego Aphrodite’s Child, liderado pelo mesmo tecladista Vangelis citado acima, lançado em 1973). O clima leve e viajante, mesclando batidas envolventes com sussurros sensuais, cantos gregorianos e camadas densas de sintetizadores, acabam levando o ouvinte para dimensões totalmente desconhecidas, e sendo muito diferente do que você já ouviu até então.
O LP abre com “The Voice of Enigma”, onde sintetizadores introduzem em um clima extremamente viajante, com longos acordes de sintetizadores acompanhando um breve tema principal, trazendo a voz de Sandra, que começa a apresentar o LP, dizendo: “Boa Noite, essa é a voz do Enigma. Na próxima uma hora, você será levado a um outro mundo. Um mundo de música, espírito e meditação. Apague a luz, respire fundo e relaxe. Pare de mover-se lentamente, e deixe o ritmo o guiar”.

Essa dica inicial já nos dá uma amostra do que virá pela frente. E realmente, ouvir o que segue com luzes acesas, ou durante o dia, não causa o mesmo efeito do que ouvir à noite, com o quarto completamente às escuras. Os sintetizadores tomam conta do recinto, e aos poucos, percebemos o aparecimento dos cantos gregorianos.
Single de “Principles of Lust”
Assim, começa o maior clássico da carreira do Enigma, através da primeira parte de “Principles of Lust”, a qual é intitulada “Sadeness”. Bateria eletrônica e baixo acompanham as camadas de sintetizadores e os cantos gregorianos, direcionando-os até a entrada do famoso sintetizador que faz o solo principal, como se fosse uma flauta shakuachi (flauta feita de bambu). O refrão aparece, com Sandra entoando o nome da canção em um sotaque totalmente francês e muito sensual. Vozes em francês aparecem ao fundo, acompanhadas apenas por sintetizadores, repetindo o refrão. Mais algumas frases em francês são seguidas por uma agonizante respiração, e então, o solo principal é repetido, levando novamente ao refrão e encerrando a primeira parte de “Principles of Lust” com os cantos gregorianos.
Single de “Sadeness”
A segunda parte de “Principles of Lust”, “Find Love”, começa com teclados e percussões que nos remetem diretamente para 666. O bonito crescendo inicial é uma viagem descomunal para os anos 90, onde barulhos como que bolhas estourando passam a fazer o ritmo e o tema da canção, que segue dessa forma com a entrada do piano elétrico. Baixo, percussão e sintetizadores imitando metais comandam o ritmo que foi criado pelas “bolhas”, trazendo a sensual voz de Sandra, agora cantando em inglês, em um andamento que conta com o sampler para “Justify My Love”, da Madonna. Os cantos gregorianos surgem no meio da canção, chegando em mais um trecho onde a respiração agonizante se destaca. O Enigma retorna ao tema das “bolhas”, repetindo a letra e deixando os viajantes sintetizadores do início da canção ocuparem seu espaço ao lado da agonizante respiração.
Os cantos gregorianos surgem para concluir “Principles of Lust” com a terceira parte, batizada de “Sadeness (reprise)”, começando então com o solo principal sendo feito por piano, utilizando somente a mesma escala de “Sadeness”, mas tocando notas diferentes. O tema de “Sadeness” então surge com os sintetizadores da primeira parte, repetindo o refrão e encerrando a canção apenas com os cantos gregorianos.
O lado A encerra-se com “Callas Went Away”, a qual começa com barulhos de pássaros e muitas camadas de sintetizadores, para então um ritmo percussivo tomar conta do ambiente enquanto o piano executa um pequeno tema. Essa é uma canção muito leve e tranqüila, destacando o som de um sintetizador que imita um saxofone, além das percussões. O tema do piano é repetido, e então um novo sintetizador, agora imitando o som de um violino, faz o solo principal. Vozes em inglês cantam uma curta letra, repetindo o tema do piano e fechando a canção com a soprano Maria Callas (a homenageada da canção) tendo sampleada a peça lírica “Ces lettres, ces lettres”. da ópera Werther, de Massenet.

Single de “Mea Culpa”
O lado B abre com outro grande sucesso do LP, “Mea Culpa”. Um ritmo marcial acompanha os cantos gregorianos depois de algumas frases em latim e do sampler parao badalar da introdução de “Black Sabbath”. Percussão, baixo e sintetizadores fazem o ritmo da canção, para então os sintetizadores do solo de “Sadeness” executarem um pequeno solo. O clima viajante abre espaço para a letra da canção, a qual é cantada em francês por Sandra.
Os cantos gregorianos aparecem novamente, e Sandra segue a letra em um ritmo envolvente, chegando ao solo de guitarra. O tema inicial dos sintetizadores retorna, com a letra sendo repetida praticamente a capela, seguido pelos cantos gregorianos e pelo encerramento da canção através do ritmo marcial, que acompanha os cantos gregorianos.
Então, as comparações com o Aphrodite’s Child tornam-se válidas, já que a segunda faixa do lado B é exatamente uma cover para uma canção do grupo grego, “Seven Bowls” (não por acaso, do álbum 666). O Enigma rebatizou “Seven Bowls” de “The Voice & The Snake”, mas manteve a mesma linha da canção original. Aqui, ela abre com o badalar de um sino acompanhado pelo ritmo marcial que encerra “Mea Culpa”, e com a entrada dos sintetizadores, as vozes passam a entoar a letra da canção do Aphrodite’s Child da mesma forma sussurrada que a versão original, tendo ao fundo o acompanhamento de barulhos diversos e muita viagem dos sintetizadores.
Uma guitarra aparece fazendo algumas notas bem suaves, abrindo então “Knocking on Forbidden Doors”. Uma percussão apresenta um piano acompanhando as notas da guitarra, para os sintetizadores de “Sadeness” e “Mea Culpa” repetirem as notas da guitarra. A guitarra aparece duelando com ela mesma, fazendo as mesmas leves notas iniciais, e então, surgem os cantos gregorianos. O baixo passa a solar, acompanhado por barulhos percussivos, que ficam sozinhos por alguns instantes, retomando as breves notas de guitarra duelando com o sintetizador.
Sandra Cretu
Percussões encerram “Knocking on Forbidden Doors” e abrem a primeira parte de “Back to the Rivers of Belief”, batizada de “Way to Eternity”, com sintetizadores repetindo o tema principal do filme “Contatos Imediatos de 3o Grau” (1977) sobre camadas de sintetizadores. Os cantos gregorianos entram em ação, entremeando a linda instrumentação construída pelo grupo.
O ritmo de “Sadeness” surge novamente, trazendo a segunda parte de “Back to the Rivers of Belief”, chamada “Hallelujah”, onde o centro das atenções é o fantasmagórico tema dos sintetizadores. Sinos tubulares executam o tema principal, enquanto as frases “apague a luz, respire fundo, relaxe” são repetidas diversas vezes por Sandra. Apenas um homem canta um canto gregoriano, seguido pelo arranjo de sintetizadores e teclados.
Single de “The Rivers of Belief”
Finalmente, Cretu surge cantando a letra de “The Rivers of Belief”, terceira parte de “Back to the Rivers of Belief”, e novamente, vemos a homenagem ao Aphrodite’s Child, já que em determinada parte da letra dessa canção, o trecho final de outra canção de 666 é citado, dessa vez “The Seventh Seal” (“and when the lamb opened the seventh seal, silence covered the sky”). Um curto solo com os sintetizadores de “Sadeness” retorna para a repetição da letra, com os mesmos efeitos vocais empregados em outra canção de 666, “Break”, que não por acaso, encerra o LP do Aphrodite’s Child, e como não poderia deixar de ser, também encerra MCMXC a. D. seguido pelo tema inicial de “The Voice of Enigma”.
O grande sucesso do LP foi “Sadeness”, que explodiu logo na primeira semana de vendas tanto na Alemanha quanto na França, conquistando o mundo menos de um Mẽs depois. Curiosamente, o nome dos integrantes acaba não aparecendo no LP. Os únicos “músicos” constantes são Curly M. C. (na verdade, Cretu) e F. Gregorian (Frank Peterson). Isto acabou atraindo mais atenção para o LP, já que as especulações se o Enigma era um grupo, uma pessoa ou mesmo monges incitava as pessoas a discutirem sobre o LP.
Michael Cretu
Mesmo com todo sucesso, a mistura entre religião e tons sexuais não pegou bem em diversos países. Apesar de o álbum inteiro ter clipes produzidos para divulgação, os clipes de “Principles of Lust” (“Sadeness” e “Find Love“, onde uma mulher nua aparece sendo “possuída” por um ser invisível) e “Mea Culpa”, por exemplo, foram proibidos de serem reproduzidos na MTV e em outros canais de televisão. O LP teve as vendas proibidas em diversos países, com alguns críticos chamando a música do Enigma de blasfêmia. Mesmo assim, os números de vendas, como veremos a seguir, foram excepcionais.

Uma edição limitada foi lançada em 1991, trazendo as sete canções da versão original e mais quatro remixagens: “Sadeness (meditation)”, “Mea Culpa (Fading Shades)”, “Principles of Lust (Everlasting Lust)” e “The Rivers of Belierf (The Returning Silence)”. Em 99, saiu uma versão dupla, contando um CD bônus repleto de mixagens diferentes para “Sadeness” e “Mea Culpa”.

O grupo seguiu sua carreira, afastando-se um pouco dos cantos gregorianos, e lançando mais seis álbuns: The Cross of Changes (1993), que teve “Return to Innocence” como grande destaque; Le Roi est mort, vive le Roi! (1996), The Screen Behind the Mirror (2000), Voyageur (2003), A posteriori (2006) e Seven Lives Many Faces (2008).

O casal durante gravação de MCMXC a. D.
O Enigma acabou criando um novo estilo, que foi batizado de Música Enigmática,  onde um dos principais grupos desse gênero é conhecido como Buddha Lounge, bem como outros grupos comoB-Tribe, Delerium, Banco de Gaia e até mesmo Sarah Brightman, no seu álbum Eden (1998). MCMXC a. D. foi eleito o disco mais importante e influente da New Age. Além disso, ele introduziu nos estúdios uma nova técnica de produção, utilizando os samplers não fazendo uma nova mixagem ou remodelação, mas transformando totalmente o sampler para encaixar-se com o ambiente viajante que Cretu queria obter.
Para finalizar, MCMXC a. D. ficou 184 semanas (mais de 3 anos) entre os duzentos discos mais vendidos no Reino Unido, sendo 87 destas semanas entre os Top 75. Já nos Estados Unidos, o LP permanecer durante 282 semanas (mais de 5 anos) entre os mais vendidos, atingindo a incrível marca de 14 milhões de cópias vendidas em apenas 3 anos. Mais de 60 discos de platina foram recebidos ao redor do mundo, destacando: Argentina, Áustria, Brasil, Suécia (ouro), Alemanha, Canadá, Suíça (platina dupla), França (ouro duplo), Holanda (platina), Reino Unido (platina tripla) e Estados Unidos (platina quádrupla). Se você não curte a Música Enigmática do grupo, pelo menos esses números devem servir para que a partir de hoje, o Enigma mereça um pouco de seu respeito.

7 comentários sobre “A Little Respect: Enigma – MCMXC a. D. [1990]

  1. lembro qdo estas muscas foram lançadas e passavam na radio..

    acho q na jovem pan..

    gostava muito, parecia musica de filme porno..

    a voz da mina é muito foda

    só um aparte, vender muito cd não significa q mereça respeito…

    vide britney spears, rappers e funks cariocas…

  2. Realmente lembro de ter ouvido o Enigma tocar bastante nas rádios no início dos anos 90, em especial "Sadeness". Também lembro que, desde aquela época, apesar de enigmáticas (desculpem, não pude evitar), aquelas músicas não me agradavam. Pois bem, parece que continua assim. Aliás, praticamente tudo rotulado como New Age ou congêneres me causa certa rejeição. É bem tocado, bem produzido, mas me soa, mesmo nos momentos mais sensuais, sem muita humanidade.

    Quanto ao funk carioca, acredito que o álbum, exceto algumas coletâneas, não seja um formato muito típico. Mais que lançar-se discos, lançam-se as músicas, que logo são transpostas para o palco, esse sim fonte de renda para os "artistas".

  3. Parabéns pelo texto, Mairon! A conexão tá uma merda e não pude conferir o som, que me dxou bastante curioso! Mas preciso dizer que eu JAMAIS iria respeitar o que quer que fosse por ter vendido mais ou menos. Nem tô acreditando que vcs tão discutindo isso, gente, pelo amor de deus.. '-' Muito ridículo isso! Faço minhas as palavras do Micael em um comentário recente aqui na Consultoria: um milhão de moscas não podem estar erradas! Muito menos se forem moscas do mundo inteiro. xPPP

  4. Um milhão de moscas brasileiras podem estar erradas, mas moscas do mundo inteiro, não?
    No mais, não conheço a obra do Enigma, mas acredito que seja, sim, interessante! Mas não por vender mais ou menos..

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