I Wanna Go Back: Place Vendome [2005]

I Wanna Go Back: Place Vendome [2005]

Por Diogo Bizotto
Dentro do rock já houveram casos de artistas que resolveram abandonar seu legado e partir para a reclusão ou seguir carreira em gêneros musicais diferentes. Um dos casos mais recorrentes é o do guitarrista Ritchie Blackmore, que conquistou fama e sucesso ao lado dos grupos Deep Purple e Rainbow, cunhando clássicos eternos do rock pesado e influenciando milhares de pessoas a pegarem uma guitarra pela primeira vez. Desde 1997, após uma reunião com o Rainbow, que rendeu o bom álbum Stranger in Us All (1995), Ritchie leva, junto de sua esposa, a cantora Candice Night, o Blackmore’s Night, abandonando o rock e na maior parte do tempo deixando a guitarra de lado, focando seu talento na produção de música folclórica de caráter medieval. De lá para cá são oito álbuns de estúdio e Blackmore não parece dar mostras de que deseja voltar ao rock ‘n’ roll.

Em menor proporção, outro artista que resolveu seguir um caminho mais recluso após ter executado um trabalho de relevância e influência é o vocalista alemão Michael Kiske. Tendo entrado para as fileiras dos pioneiros do heavy metal melódico, o Helloween, aos 18 anos, o cantor gravou com o grupo dois trabalhos definitivos para a cristalização do gênero, os álbuns Keeper of the Seven Keys Part I (1987) e Part II (1988). Ambos seriam responsáveis diretos por desencadear o crescimento do estilo nos anos 90 e indiretamente fomentar um excesso de grupos de heavy metal melódico no final dessa década e início dos anos 2000, que copiavam descaradamente as diretrizes estabelecidas nesses discos, em especial os vocais limpos e agudos desenvolvidos por Michael, mas sem jamais soarem com tanta qualidade. Kiske ainda participaria de mais dois registros de estúdio com o Helloween, Pink Bubbles Go Ape (1991) e Chameleon (1993), antes que os desentendimentos musicais e pessoais com os outros integrantes da banda culminassem em sua saída.

Se em Chameleon as composições de Kiske já destoavam da corrente mais melódica do heavy metal, nos álbuns solo lançados durante seu hiato essa tendência se confirmou, resultando em trabalhos mais ecléticos, alternando com naturalidade o rock pesado, baladas, canções de caráter sinfônico e músicas explicitamente pop. O tempo que ficou marcado pelos lançamentos de Instant Clarity (1996) e Readiness to Sacrifice (1999) também representou um afastamento do vocalista não apenas do heavy metal como expressão musical, mas de tudo que rodeia o gênero, incluindo os fãs e a imprensa; exceção feita à colaboração  de Michael com Kai Hansen, ex-companheiro de Helloween, participando do álbum Land of the Free (1995), de sua banda Gamma Ray. Além disso, o alemão também aproveitou seu tempo para, segundo ele mesmo já declarou em entrevistas, ler muito, desenvolvendo em especial seu lado mais espiritual.

Esse status de semi-reclusão foi mantido até 2001, quando foi lançado o álbum The Metal Opera, do projeto Avantasia, capitaneado pelo vocalista do Edguy, Tobias Sammet, que trazia uma série de músicos de diversos grupos de heavy metal, em especial diferentes cantores, interpretando canções que formavam um álbum conceitual. Um vocalista misterioso, creditado no encarte apenas como “Ernie”, participou de cinco faixas e logo se configurou como um grande destaque do disco, suscitando o questionamento: quem seria “Ernie”? No entanto, qualquer audição atenciosa mostrava claramente que o convidado especial era nada mais, nada menos, que Michael Kiske, demonstrando que seus dotes vocais para o gênero estavam intactos. Sua participação no Avantasia gerou um interesse renovado em seu trabalho e os previsíveis questionamentos sobre as possibilidades de Michael retornar definitivamente ao heavy metal.

Michael Kiske

Apesar das veementes negativas, o vocalista continuou envolvido nos anos seguintes em participações em discos de artistas ligados ao gênero. Foi assim com o segundo álbum do Avantasia, The Metal Opera Pt. II (2002); no disco Hymn to Life (2003), do guitarrista Timo Tolkki (ex-Stratovarius); em Masterplan (2003), debut da banda de mesmo nome, que contava com mais um ex-companheiro de Helloween, o guitarrista Roland Grapow; no projeto Aina: Days of Rising Doom (2003), mais uma ópera metal; além do disco Another Sun (2004), dos brasileiros do Thalion. Contudo, essas contribuições nunca passaram de uma ou duas faixas em cada registro. Foi apenas com o disco de uma nova banda criada pelo vocalista, o SupaRed, que pôde-se conferir novamente o talento de Kiske em sua integridade. Porém, o pop/rock pouco memorável cunhado pelo quarteto em seu único disco, auto-intitulado, lançado em 2003, não agradou seus antigos fãs nem conquistou muitos admiradores novos, passando batido na época.

A situação mudou em 2005. Serafino Perugino, proprietário da Frontiers Records, maior gravadora a nível mundial em se tratando de AOR/melodic rock, teve a ideia de fomentar a criação de um projeto musical que fizesse jus ao cacife e à influência de Michael Kiske, cercando-o de músicos e compositores  a fim de gravar um álbum completo com sua voz. Os escolhidos foram o guitarrista Uwe Reitenauer, o baterista Kosta Zafiriou e o baixista Dennis Ward, todos do grupo de hard rock Pink Cream 69. Ironicamente, o substituto de Michael no Helloween havia sido Andi Deris, egresso do grupo. A formação foi completada com Gunther Werno, tecladista da banda Vanden Plas. Dennis, mais conhecido pelo seu currículo como produtor do que como baixista do Pink Cream 69, ficou a cargo de produzir e captar a sonoridade feita pela banda, que oscilou em Place Vendome entre a faceta mais melódica do hard rock, assemelhando-se com o AOR mais atual, e passagens mais próximas do heavy metal tradicional e até do metal mais melódico praticado pelo Helloween, incluindo alguns riffs mais pesados.

É justamente com a faixa mais pesada que o álbum tem início, acendendo a chama da curiosidade em seus fãs mais antigos. “Cross the Line” possui riffs espertos e o andamento mais próximo do que Kiske estava acostumado a fazer com o Helloween nos anos 80, além de teclados muito bem postados, jamais se sobrepondo à massa sonora formada por bateria, baixo e guitarra. Os vocais começam de leve e vão ganhando corpo e volume, ficando mais agudos na ponte e culminando no ótimo refrão, em um esquema pergunta e resposta com os vocais de apoio, realizados em sua maior parte por Dennis Ward, bastante talentoso nessa área. Não bastassem os riffs bem sacados, Uwe constrói um solo cheio de feeling e melodia, destacando sua ótima timbragem.

Apesar do vocalista ser a estrela do projeto, há de se destacar a performance de todos os músicos, em especial de Uwe, vide a primorosa introdução de “I Will Be Waiting”, que traz a cristalina voz de Michael sobre uma estrutura bastante simples de estrofe/ponte/refrão. Mas que refrão! Auxiliado pelos backing vocals da cantora Carolin Wolf, essa canção é mais um destaque óbvio de um disco nivelado por cima. A qualidade elevada continua com a  tipicamente AOR “Too Late”, porém, sem apelar para melodias batidas ou combinações comuns de palavras em suas letras (tipo rimar “paixão” com “coração”, manjam?). Mérito de Dennis Ward, compositor ou co-escritor da maioria das músicas e das letras.

Formação que gravou Place Vendome

“I Will Be Gone” traz uma introdução com teclados agindo de maneira quase percussiva, complementando a levada de bateria, que logo dá lugar a riffs mais rock ‘n’ roll, mas de uma maneira bastante polida, o que nesse caso não é algo negativo. Aliás, é necessário frisar mais uma vez o exímio trabalho realizado por Dennis Ward nos mais diversos aspectos, em especial a produção. O disco consegue soar com uma produção totalmente moderna e limpa sem passar a impressão de uma sonoridade “asséptica”, algo muito comum hoje em dia em se tratando das produções roqueiras, até mesmo as mais extremas, cheias de guitarras excessivamente processadas e bateria clicada.

Aberta apenas pelos teclados de Gunther, “The Setting Sun” traz esse instrumento em bastante evidência, fazendo um contraponto às linhas vocais nas estrofes. Michael varia de um registro mais grave a um mais agudo com facilidade no decorrer da faixa, tirando quaisquer possíveis dúvidas a respeito de sua habilidade vocal, se é que elas ainda existiam. Outra música que pode relembrar seu trabalho com o Helloween é a faixa-título, trazendo as típicas melodias “felizes” bem exploradas pelo grupo alemão, mas dessa vez com um andamento mais próximo do hard rock que do heavy metal melódico, calcando em riffs de guitarra acompanhados pelo teclado. Quem sente saudades do Helloween de canções como “Future World” e “Dr. Stein” certamente deve conferir “Place Vendome”!

Composta por Alfred Koffler, também guitarrista do Pink Cream 69, e contando com sua participação, “Heavens Door” é a primeira balada típica do disco. De instrumental leve, investindo em piano e violão, deixa livre a voz de Michael para que esta expresse toda sua sensibilidade, sem a necessidade de explorar seus registros mais agudos. Outra composição de Alfred é “Right Here”, um AOR mais sério, sem perder a capacidade de penetrar na mente do ouvinte, causando a imediata memorização de seu refrão.

Carregada nos teclados, “Magic Carpet Ride” segue o caminho da anterior, configurando-se em um AOR atual, sem pesar muito nas guitarras, com exceção da base executada sob os curtos solos de guitarra executados por Uwe, alternados com intervenções vocais. A última música do álbum (no track list habitual) é “Sign of the Times”, que destaca as diferentes texturas e timbres utilizadas por Gunther Werno em seus mais de cinco minutos, além das melodias vocais atípicas e das belas intervenções guitarrísticas de Uwe.

Não posso deixar de citar a faixa-bônus disponível para o mercado japonês, a fantástica balada “Photograph”. É de se indignar ao ouvi-la e constatar que uma séria candidata a melhor canção do disco foi reduzida ao status de bônus. Apreciar um cantor como Michael Kiske usando toda sua técnica a serviço de uma balada melódica como essa, ao contrário de tantos outros vocalistas influenciados por ele mesmo, que irritam nossos ouvidos com seus gritos agudos e repetitivos, é um bálsamo. Se um dia adquirires o álbum, tente conseguir a versão que contém “Photograph”, composição viciante e de extremo bom gosto.

Unisonic, ainda sem Kai Hansen

Ao contrário do fiasco que foi o SupaRed, o Place Vendome obteve destaque e elevou mais ainda o nome de Michael Kiske mesmo dentro do círculo heavy metal. A resposta foi tão positiva que, aquilo que era para ser apenas um projeto de apenas um álbum, como geralmente são os lançamentos desse tipo realizados pela Frontiers Records, cresceu e gerou mais um disco, o também ótimo Streets of Fire (2009), contando com ainda mais colaboradores. A carreira do vocalista voltou a engrenar, resultando em mais dois álbuns solo e culminando na formação de uma nova banda, a fim de colocar Kiske no palco novamente desde sua saída do Helloween, o Unisonic. Contando com Dennis e Kosta, além do suíço Mandy Meyer (Asia, Gotthard, Krokus, Cobra) na guitarra, o grupo pretende lançar seu debut até o final de 2011. Recentemente, em março último, Kai Hansen se juntou ao grupo, criando uma união que traz muita nostalgia e a garantia de material digno de atenção. A expectativa é grande.

Track list:

1. Cross the Line
2. I Will Be Waiting
3. Too Late
4. I Will Be Gone
5. The Setting Sun
6. Place Vendome
7. Heaven’s Door
8. Right Here
9. Magic Carpet Ride
10. Sign of the Times
11. Photograph [Faixa-Bônus]

7 comentários sobre “I Wanna Go Back: Place Vendome [2005]

  1. Diogo, depois do Saxon fiquei com medo de ouvir as bandas que aparecem aqui no I wanna Go Back, mas vou dar uma chance para o Place Vendome pq a publicaidade foi bem feita.

    Abraço

  2. O Diogo não parece ligar muito pro tamanho do texto e produz essas verdadeiras "sagas" de leitura, mas os textos são sempre muito consistentes! Esse, em particular, eu gostei de ler todo porque não entendo nada de metal melódico, mas tô buscando conhecer aos poucos, e a carreira do Kiske é algo que não pode passar batido nesse caso. Não imaginei que um vocalista de metal melódico fosse gravar discos AOR, mas vi os videos, e não é mentira! Acho que o propósito maior do Diogo nessa coluna é jogar na cara de cada um de nós que nossos artistas favoritos um dia fizeram AOR e que isso ficou legal! xD Sendo assim, quero ver um I Wanna Go Back com o Going for the One do Yes! xP Se for com os discos pós-Drama, não vai surtir o menor efeito sobre mim… Apesar de "Love Will Find a Way" ser um musicaço!

  3. Sempre disse que o Bruce Dickinson era um dos máiores ídolos, mas sempre disse também que para mim o melhor vocalista de heavy metal era o Michael Kiske. Gosto de quase tudo que ele fez inclusive do Supared. Todo disco que ele participa como convidado tem a faixa em que ele canta como destaque.
    O cara é demais!!! Espero que esse Unisonic venha para o Brasil…com o Kai Hansen ainda será demais!!!

  4. Tenho certeza que público é o que não faltaria para o Unisonic, especialmente por contar com Micael e Kai, dois caras bastante cultuados aqui no Brasil. Se eles vierem para Porto Alegre, pode ter certeza que estarei na frente do palco, torcendo para que eles toquem muito mais músicas do Place Vendome e menos do Helloween, frustrando uma multidão de gente que tem a expectativa de ouvir algo da banda, heheheh.

    Pô, Mairon… tenho severas dúvidas se você vai curtir o Place Vendome, mas garanto que o disco é bem melho que o "Destiny", do Saxon!

    E "Love Will Find a Way" é sonzeira!!!

  5. Ouvi Cross the Line e Place Vendome e admiro vocês por conhecerem todas essas sutilezas que diferenciam as sonoridades do metal a partir dos anos 80. Cada vez mais me sinto um picolé da Kibon que foi congelado em algum dia do ano de 1976 e que a única coisa que ganhou com essa criogenia foi um resfriado brabo. No mais, belo texto Diogo!

  6. Esse disco é muito bom, e a voz do Kiske se encaixou muito bem ao estilo.

    Agora, quando o Hansen e o Kiske voltarem a tocar juntos, o que eu vou querer ver sao os 2 Keepers na integra! Se a banda se chama Unisonic, Hansen/Kiske, Halloween, Helowaan, pouco importa… 99% dos presentes vai querer ouvir os classicos como I Want Out, March Of Time e Future World da maneira que foram gravados.

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