Spock’s Beard – Snow [2002]

Spock’s Beard – Snow [2002]
Por Fernando Bueno
Após cinco ótimos discos o quinteto resolveu lançar seu mais audacioso disco e, como todos sabem, no rock progressivo isso significa muito trabalho, longa duração e, de preferência, um conceito a ser explorado durante todo o álbum. Assim sendo, a história concebida para ser contada é a de um rapaz de cidade pequena, que vai viver em uma das maiores cidades do mundo, Nova York. O álbum conta a história desse rapaz e de suas experiências na cidade. Logo após o lançamento do disco o vocalista do grupo resolveu que seu caminho devia ser trilhado sozinho e deixou seus antigos companheiros. No seu lugar, ao invés de trazer alguém de fora resolveram com uma solução caseira; promover o cara que normalmente menos aparece no palco a líder da banda, isto é, o baterista resolveu cantar.
Essa história é muito conhecida dos fãs de progressivo dos anos 70. O Genesis havia lançado alguns ótimos álbuns e logo após The Lamb Lies Down On Broadway, o lendário Peter Gabriel resolveu sair para uma boa carreira solo, deixando o posto para Phil Collins. Porém, essa história também serve para descrever exatamente do mesmo jeito a história de  um outro grupo progressivo, o Spock’s Beard. Após cinco álbuns e já tendo conquistado certo espaço entre os fãs do estilo, seu vocalista, que também tocava algumas partes de teclado, Neal Morse, “encontrou Deus” logo após a gravação de Snow e resolveu sair da banda. Para o seu lugar como cantor foi escolhido Nick D’Virgilio, então baterista do próprio Spock’s Beard, que ainda conta com Alan Morse (guitarra), Ryo Okumoto (teclado) e Dave Meros (baixo).
Formação na gravação de Snow: Dave Meros,
Nick D’ Virgilio, Ryo Okumoto, Neal Morse e Alan Morse
Com a saída de Neal Morse a banda continuou com sua sonoridade vinculada ao progressivo, mas agora de uma maneira mais acessível, seguindo a linha de bandas como Marillion e The Flower Kings. Os discos continuaram muito bons, em especial X, de 2010. Mas este artigo tem a intenção de falar sobre esse que para muitos é o melhor disco da banda, e que também sofreu diversas críticas que serão citadas no decorrer do texto.

Antes gostaria de falar um pouco da história que é contada ao longo do disco. Como resumido anteriormente, é a história de um garoto de uma cidade pequena que vai para Nova York. Porém, esse rapaz possui algumas características em especial. Ele nasceu dentro de uma família de trabalhadores rurais que tinham apenas o trabalho e a religião como ocupação. Porém, mesmo com poucos afazeres, e muito devido a isso também, é difícil para ele conviver com as pessoas da sua comunidade, de se envolver e se relacionar. Muito disso se deve ao fato de ele ser albino, fazendo com que as pessoas que o conhecem passassem a chamá-lo de Snow (neve) – “the  working man’s son, with skin like white lightning, and eyes like two shots from a gun”.
Para aumentar ainda mais seu isolamento entre as pessoas com que vive, ele possui o dom especial de saber o que as pessoas sentem. Assim ele conhece todas as mentiras e as indecências das pessoas. Porém, ele guarda esse segredo até se tornar um adolescente.
Após uma experiência espiritual, cuja natureza não fica clara no decorrer do álbum, ele decide deixar sua família para ir à Nova York, afinal é para lá que todo mundo quer ir. Então ele começa a passear pela cidade, olhando, checando, avaliando tudo e todos com os olhos inocentes de um garoto que nunca tinha estado em um lugar como esse e tinha poucas experiências realmente interessante na vida.   

Nessas suas andanças ele conhece um rapaz, que na história é chamado de Harlem Knight, um garoto negro que o leva para um show de strip tease. Nesse momento descobre-se que Snow também tem poderes de cura. Knight e Snow começam a curar e converter pessoas de má índole que habitam a cidade. Os dois então criam uma organização chamada “The Touch That Heals”. Passam-se dois anos com as coisas indo muito bem e Snow se torna cada vez mais famoso, chegando à capa da revista Time. Porém, com o sucesso, seu ego começa a atrapalhá-lo.

No disco dois a história conta que ele conhece uma garota chamada Carie, que muda toda sua vida, fazendo-o cair em profunda depressão. Mas seu poder de ver os desejos das pessoas não o ajuda com Carie. Na verdade não é dito na história que seus poderes não funcionam com Carie, mas isso fica implícito. Porém, esse detalhe é utilizado por aqueles que julgam que a história do álbum é fraca. Na visão dessas pessoas, essa é uma informação importante e deveria ficar clara, ou então há um erro de continuidade da história. Mas seguindo o enredo, certo dia ele toca Carie, cai em transe e se vê andando nas ruas da cidade, bêbado e à beira da morte. Tendo essa visão, sua vida começa a desmoronar e Snow perde todo o respeito que tem das outras pessoas. A visão se torna realidade.

O final da história é um pouco confuso, com seu amigo Knight levando-o para um hospital, onde Snow volta à vida. Não sabemos se ele curou-se sozinho ou se foi Deus que assim o fez. Na verdade, tenho a impressão que Neal Morse deixou essa lacuna para que o ouvinte tire suas próprias conclusões. A parte engraçada é que, durante a história, Snow vai assistir a um show do Spock’s Beard, fato relatado na canção chamada “Ladies and Gentlemen, Mister Ryo Okumoto on the Keybords”.
Esse é um resumo da história contada ao longo dos dois discos de Snow. As convicções religiosas de Morse já se mostram bem claras em algumas passagens. É uma boa história? Cada um deve ter seu próprio julgamento. As críticas que li baseiam-se na opinião de que é pouca história para um disco tão longo. Eu acho interessante e considero o conceito desse álbum como uma mistura de The Lamb Lies Down on Broadway (Genesis) com Tommy (The Who).


Na parte musical temos um excelente disco com várias músicas de destaque. O primeiro CD é visivelmente superior ao segundo, mas sempre que ouço o álbum tento fazê-lo por completo, e após um longo tempo é natural que a concentração se perca. Tenho que ouvir mais vezes só o segundo CD para absorvê-lo melhor. Também temos o fato de que ao longo do álbum diversas passagens musicais são repetidas, trazendo unidade para o álbum em si, mas isso acaba fazendo com que algumas passagens do segundo álbum já não sejam novidade, apesar de muito boas. Esse é um tipo de expediente muito utilizado pelas bandas de progressivo em álbuns conceituais. 

Os maiores destaques do disco são: “Stranger in a Strange Land”, “Welcome to NYC”, a linda “Open Wide the Flood Gates” e “All Is Vanity”. Também há duas Overtures na abertura de cada CD que são excelentes, iniciando perfeitamente ambos os discos.
Formação atual, sem Neal Morse
Mas o destaque maior vai para “Long Time Suffering”. Conheci a banda por meio dessa canção, em meados de 2003, e tinha a intenção de escrever esse texto como uma matéria para a coluna do Mairon Machado, “Maravilhas do Mundo Prog”. Ela não é longa como todas as músicas citadas na coluna, mas é maravilhosa. Seu instrumental no início lembra fortemente algumas canções de Yes e Emerson, Lake and Palmer, mas se engana quem acha que vai encontrar nessa faixa apenas viagens sonoras. A frase de guitarra no início é de emocionar qualquer um. Harmonia, melodia e emoção dosadas perfeitamente com um certo apelo pop que poderia até tocar nas rádios, inclusive possuindo um grande refrão. Esse é o tipo de música que qualquer um vai gostar, independente de que subestilo do rock a pessoa aprecie, e ouso dizer que em muitas músicas o Spock’s Beard consegue isso. Há uma mudança no andamento, mas sem ser brusca como costuma acontecer no progressivo, um solo com perceptível improviso, com um efeito não usual, e uma seção de voz a cappela nos moldes do que o Gentle Giant fez maravilhosamente nos anos 70, com várias vozes cantando coisas diferentes. Até agora, para mim, é a melhor música dessa banda que possui diversas ótimas canções distribuídas em todos os seus dez álbuns.
A barba de Spock (Spock’s Beard)
É uma pena saber que, depois de um lançamento tão bom, a banda se separou, ainda mais por questões religiosas que não deviam ser entraves para nenhuma forma de arte. Neal Morse lançou, após um tempo, alguns discos solo não tão bons, contendo apenas alguns momentos interessantes, mas participou (e ainda participa) do Transatlantic, supergrupo do progressivo atual, que conta com Mike Portnoy (bateria, Dream Theater), Pete Trewavas (baixo, Marillion) e Roine Stolt (guitarra, The Flower Kings). O Spock’s Beard, como já disse, teve alguns outros discos que fazem juz ao material antigo e não comprometem a carreira que se seguiu. Juntamente com o Porcupine Tree o grupo lidera a onda do rock progressivo atual. Vale a pena dar uma chance para a banda.

13 comentários sobre “Spock’s Beard – Snow [2002]

  1. Em 1995 foi lançado um filme muito bacana (e famoso) chamado Powder, sobre um rapaz albino que vivia no porão da casa dos avós no interior dos EUA. Quando os avós morrem ele é descoberto e passa a conviver com a civilização, sofrendo vários abusos e preconceitos. Seu corpo é totalmente desprovido de cor e pelos e, além de muito inteligente, entre seus vários poderes paranormais, ele é telepata e consegue perceber o pensamento das pessoas ao seu redor. Coincidência, né?
    A banda eu acho muito boa.

  2. O filme é famoso aí na sua casa né Mister? Eu não conheço…hehehe
    Enfim, se o filme tem essas características creio que não seria uma coincidência e que serviu sim de inspiração.

  3. Trecho de uma resenha sobre o disco na Amazon:

    "The concept of "Snow" may have some similarities to "Tommy" and "Powder", but whatever those similarities may be, there are also many differences too. Tommy was a victim of circumstances and his parents. He did not select his path, nor could he be aware of what was happening, giving that he was "…deaf, blind and dumb." Powder had the potential to be Snow, but the story there was more about prejudice and understanding (or the lack thereof), than Snow's story."

    Fui irônico no meu primeiro comentário, Bueno. Acho inclusive a banda muito boa e esse disco eu não ouvi ainda. Mas quando vi a capa me lembrei imediatamente do personagem do filme que se veste igualzinho. Nada se cria, Fernando, tudo se copia e se ajusta a uma nova forma. Não falei aquilo como demérito ao disco, mas para trazer novas informações. Fica bravo comigo não.

  4. Eu entendi a sua ironia Mister.
    Se eu tivesse lido essa resenha do Amazon antes de escrever o texto certamente eu teria citado o filme como inspiração para o album. Vou ter que ir atrás desse filme agora…
    Ahhh….Quem ouvir as músicas que coloquei nos links favor comentar.

  5. Taí uma banda que nunca ouvi. Achei diferente o fato dela ser de Los Angeles, dado que a maioria das bandas que fazem essa união do heavy metal com o preogressivo nos Estados Unidos geralmente são da costa leste.

  6. Tô ouvindo o disco e não tô gostando muito… Queria ver dinossauros, mas só aparecem lagartixas! xD
    É muito moderninho..
    Antes de curtir o som preciso me acostumar com essa sonoridade…
    Legal que essa storinha com a Carie parece a stória de True Blood e Crepúsculo. True Blood eu não sei, mas Crepúsculo veio depois…

  7. vale lembrar que esse álbum é pra mim, o melhor álbum de TODO na história da música! Nem digo do progressivo, digo na história da música (isso é uma opinião pessoal).

    Posso ouvir esse álbum do início ao fim em looping o dia inteiro!

    Contudo deveriam ter mencionado Wind at my Back! Essa música é, pra mim, a melhor do álbum.

    1. Lucas…
      Seu comentario me fez ter que ouvi-lo de novo. Legal que ele tenha um impacto tão grande em você. Também fico feliz por vocês estar vasculahdno os arquivos da Consultoria…

      Obrigado pelo comentário.

  8. Galera, só pra complementar o primeiro comentário (quase seis sete anos depois! mas não é minha culpa kkkk)
    O DVD do Snow Ao vivo, FINALMENTE saiu!
    E o Próprio Neal Morse diz (no dvd bonus), que a história foi influenciada pelo filme Powder!
    E sobre o lance de o Neal não ter lançados discos notórios depois dos Spock’s, eu devo discordar, e muito!
    Ambos albums Testimony 1 e 2, que falam sobre como foi a conversão dele, são musicalmente fantásticos.
    One, é um album FODA, e o “?”, nem se fala.
    A cereja do bolo é, o ultimo CD (até então), chamado “The Similitude of a Dream”, o qual o Neal e o Portnoy, afirmam ser o album de suas carreiras.
    Musicalmente falando, o Neal Morse é um gênio por si só, independente de quem toque com ele! haha

    1. Eu gosto demais do “Sola Scriptura” também…. é excelente. Toda a discografia do Neal Morse solo é ótima. Em 2020 ele lançou o “Sola Gratia” e segue a mesma linha de qualidade do prog rock do Neal… Espero que ele continue com essa inspiração e lance um álbum para cada “Sola” que falta!

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