I Wanna Go Back: Harem Scarem [1991]

I Wanna Go Back: Harem Scarem [1991]
Por Diogo Bizotto
Visitar lojas de discos, deixar os dedos passearem por um mundo maravilhoso de sons, capas, rostos… enfim, arte. Escolher entre as tantas opções disponíveis sempre era difícil, a grana era curta e muitas vezes se abria mão daquilo que mais se queria em detrimento de outra opção mais em conta. Parece uma cena cada vez mais distante hoje em dia, não? Tradicionais lojas de discos fecham suas portas e mesmo as grandes cadeias enfrentam a grave crise no mercado fonográfico, pessimistas com o futuro da música como produto. Não estou aqui para defender as lojas físicas e condenar a distribuição de arquivos musicais pela internet. Não fosse através de meios eletrônicos, tenho certeza que não conheceria sequer um terço dos artistas que conheço hoje em dia. Por outro lado, a convivência, a troca de informações através de conversas olho no olho e o compartilhar de experiências com os bons lojistas e compradores não são apenas lembranças na mente de alguns exagerados saudosistas, mas uma realidade cada vez mais distante, no entanto não necessariamente pior.

E por que contei toda essa história quando na verdade deveria estar comentando sobre o primeiro álbum, auto-intitulado, dos canadenses do Harem Scarem? É bem simples: não fosse uma certa visita a uma loja hoje em dia não mais existente, talvez eu não tivesse entrado em contato com essa banda nem desenvolvido a paixão que cultivo por diversos de seus álbuns de uma maneira muito especial. Total desconhecido em uma época onde este redator começava a se aprofundar nos mais melódicos caminhos do hard rock, fugindo um pouco das bandas mais bem sucedidas, o Harem Scarem foi uma das mais gratas surpresas que já cruzaram meu caminho nesses mais de 15 anos de música. Não haviam referências, músicos famosos, produtores gabaritados, hits… apenas dez canções que, graças ao conselho de um lojista, receberam a devida atenção e cativaram este ouvinte.

Definir o som praticado pelo Harem Scarem neste primeiro álbum é relativamente fácil: hard rock na sua linhagem mais melódica, aproximando-se por vezes daquilo que se convencionou chamar de pop metal no final dos anos 80 e início dos anos 90, no entanto mais polido, sem abusar de guitarras muito distorcidas, mas dosando sem parcimônia o uso de harmonias vocais, encaixando-se  bem como um trabalho tipicamente AOR. A sonoridade sofreria mudanças com o passar dos anos, e discos ora mais pesados, ora mais puxados para o power pop fariam parte da discografia do grupo, mas é interessante notar que o estilo de composição dos líderes Harry Hess (vocal, guitarra, teclado) e Pete Lesperance (guitarra) conseguiu manter-se inconfundível mesmo em álbuns um tanto díspares, como Voice of Reason (1995) e Big Bang Theory (1998).

Tendo tirado seu nome do primeiro desenho animado do coelho Pernalonga, os canadenses de Toronto começaram sua carreira com o pé direito. Em 1991 o hard rock tipicamente oitentista ainda estava em alta, e álbuns como Slave to the Grind (Skid Row), Lean Into It (Mr. Big), For Unlawful Carnal Knowledge (Van Halen) e Use Your Illusion I e II (Guns n’ Roses) foram lançamentos extremamente bem sucedidos, ajudando a dar uma sobrevida ao gênero no raiar da nova década. Não chego ao extremo de dizer que o Harem Scarem conseguiu grande êxito na cola dos supracitados, mas em seu Canadá natal, o álbum de estreia ficou satisfatoriamente colocado na parada local (68ª posição) e gerou um hit, “Slowly Slipping Away”, além de outros dois êxitos menores, “Honestly” e “Love Reaction”.

Uma bela melodia executada na guitarra abre a primeira faixa, “Hard to Love”, mostrando uma banda praticando um hard rock bastante polido, arranjos de teclado ao fundo sem jamais se sobrepor aos outros instrumentos e um excelente vocalista que, dosando bem sua voz levemente rouca, constrói belas harmonias, ajudado pelos backing vocals do resto do grupo, em especial do baterista Darren Smith, um bom vocalista por si. Tudo isso coroado por um refrão que, apesar de simples, executa bem seu trabalho, fazendo dessa canção uma ótima abertura para um álbum nivelado por cima. Se “Hard to Love” já é boa, a faixa seguinte então é um absurdo. Piano e guitarra unem-se de maneira harmônica na introdução dessa música, soando sobre uma base formada por baixo e bateria, para então ceder lugar a um Harry Hess em ótima performance, cantando sobre a descrença de que um amor possa ser apenas uma memória distante. Clichê? E daí? É somente na entrada pela primeira vez do refrão que a canção engrena de vez, e como! As excelentes harmonias vocais surgem com tudo, assim como fica latente para o ouvinte atento o belo trabalho do guitarrista Pete Lesperance, que jamais abusa de efeitos e toca para a música, soando virtuoso apenas quando necessário e solando de maneira extremamente melódica. Destaque é pouco para definir “Distant Memory”. Outra que abre com uma bela melodia entoada pela guitarra de Lesperance é “With a Little Love”, bem marcada pelas linhas simples do baixista Mike Gionet e dona de um refrão mais rico ainda em backing vocals, pontuado por belas intervenções guitarrísticas.

Harry Hess, Darren Smith, Mike Gionet e Pete Lesperance

Atenção vocês, meninas que suspiram por belas baladas feitas para ser entoadas imitando todos os trejeitos possíveis, inclusive aquela cara de quem está sofrendo por amor, “Honestly” é para vocês! E para os marmanjos também, ou vão dizer que nunca se colocaram no lugar do vocalista, cantando a letra como se tudo o que é nela relatado já tivesse acontecido com vocês? A introdução feita ao piano, trazendo junto apenas a voz de Harry Hess, a entrada dos outros instrumentos aos poucos até a chegada do refrão… são clichês, sim! Mas funcionam bem demais nessa canção que, tivesse recebido a devida atenção da gravadora do grupo, divulgando propriamente a faixa no mercado norte-americano, poderia ter constituído um grande hit.

“Love Reaction” inicia com forte presença de teclados, mas revela-se uma canção com guitarras mais musculosas que a média do disco, trazendo um bom riff principal, além de uma ponte melhor que o próprio refrão, mostrando que o vocalista Harry Hess consegue se sair perfeitamente bem sem contar com a presença de backing vocals. O maior sucesso do disco, “Slowly Slipping Away”, que atingiu a 25ª posição nos charts canadenses, consiste em uma balada com presença mais forte de violões, mas sem deixar do lado o andamento rock, inclusive apresentando vocais levemente mais agressivos que a média do álbum, lado que seria mais bem explorado em discos posteriores. “All Over Again” é uma canção mais simples que, tivesse recebido uma produção menos polida, poderia apresentar tendências quase heavy metal, pois os riffs executados por Pete Lesperance não passam muito longe disso, com uma timbragem que inclusive lembra a de Steve Vai no álbum Slip of the Tongue, do Whitesnake. Outra faixa mais direta é “Don’t Give Your Heart Away”, de refrão simples e andamento sem muitas novidades, mas coroada por um ótimo solo de Lesperance, esbanjando melodia e bom gosto, além de virtuosismo na medida certa.

O nível eleva-se novamente com a ótima “How Long”, faixa mais longa do disco, apresentando nuances diversas. Uma introdução climática, mérito da boa produção do disco e do talento dos músicos, abre essa que é uma das melhores músicas do álbum, recheada de boas guitarras e de estrofes com linhas vocais bem sacadas, além de (mais um) solo inteligente de Lesperance. Créditos também para os backing vocals do baterista Darren Smith, que teria a oportunidade de brilhar no disco seguinte cantando a excepcional “Sentimental Blvd.”. Harem Scarem é encerrado de maneira acústica com “Something to Say”, exibindo mais uma vez os excelentes dotes de Lesperance, que executa uma brilhante introdução, atípica para músicas do gênero, até abrir espaço para o corpo da canção, que recebe apenas a adição da voz de Harry Hess, além de harmonias vocais e algumas poucas linhas de teclado. Difícil descrever, mas completamente diferente do que se espera de uma balada do estilo, destoando totalmente da anterior “Honestly”.

Muitos diriam que se trata de um álbum excessivamente polido. Não discordo. Mas Harem Scarem foi concebido para ser exatamente assim, e mesmo discos posteriores muito mais pesados nunca deixaram de soar bem trabalhados, com todas as arestas excessivas aparadas, e jamais agressivos em demasia. Outros afirmariam ser essa uma estratégia comercial, mas a banda nunca obteve grandes retornos que justificassem isso, a não ser uma base de fãs relativamente pequena em relação a outros grupos do gênero, mas fiel o suficiente para ter mantido o Harem Scarem na estrada e produzindo discos até 2008, quando anunciaram o término de suas atividades. Uma pena, mas pelo visto as portas continuam sempre abertas, e uma reunião do grupo em sua integridade não parece ser uma realidade distante. Fãs dedicados como este que vos escreve mantêm a esperança de que Harry Hess e Pete Lesperance juntem forças novamente a qualquer momento e voltem a nos presentear com suas composições recheadas de melodia e feeling. A torcida por aqui está forte.

Track list:

1. Hard to Love
2. Distant Memory
3. With a Little Love
4. Honestly
5. Love Reaction
6. Slowly Slipping Away
7. All Over Again
8. Don’t Give Your Heart Away
9. How Long
10. Something to Say

11 comentários sobre “I Wanna Go Back: Harem Scarem [1991]

  1. Quanto mais eu leio os textos do Diogo, mais eu vejo que nao sei nada sobre AOR. Parabens meu caro! Agora uma pergunta, quem foi o cidadao que te indicou? Seria o nosso amigo Getulio (que agora esta com um look pagodeiro de favela) ou o Luis? Ou nenhum dos dois??

  2. Muito legal, Diogo.
    Fiquei com vontade de conhecer o som e vou checar. Sou lojista faz pouco tempo e espero um dia ser lembrado também por algum cliente como um cara que indicava coisas boas. A merda é que eu indico e não aponto apenas as virtudes mas também os defeitos. Muitas vezes nem consigo vender o disco, hehe. Falta de traquejo.

  3. Mesmo fugindo do assunto do post, não posso deixar de dizer que os lojistas têm papel importantíssimo em nossa vida de colecionador. Se não fosse pelo Luís, por exemplo, eu não conheceria o Anekdoten, pelo qual sou apaixonado. Se não fossem as indicações de "bandas derivadas", talvez eu não tivesse ouvido Rainbow ou Whitesnake, por exemplo…

    Quanto ao Harem Scarem ou ao disco, não conheço nenhum dos dois… vou correr atrás…

  4. Mairon, o lojista em questão foi o Ademir, da extinta loja Megaforce, que alguns já disseram ser um cara antipático, mas que, talvez por termos gostos musicais compatíveis, sempre foi gente fina comigo e dava trela para minhas conversas a respeito de farofices e aorzices mil, hehe.

  5. Lojistas tiveram uma influencia enorme na formacao do meu gosto musical. O cara que tinha a sensibilidade de ver o que vc curte, e indicar sons parecidos, numa epoca pré-internet, myspace e youtube, nao so podia ter vendas melhores, como ganhavam clientes fieis, e eram tao importantes quanto os criticos de revistas.

    Hoje em dia 90% das minhas compras sao feitas online, e quando quero checar o som de uma banda, uso as ferramentas que citei.

    Mas que dá saudades daqueles tempos quando eu passava tardes inteiras em lojas, escolhendo o que comprar, ouvindo o que os outros compravam e conhecendo lancamentos, isso da.

  6. A única coisa que a maioria dos lojistas querem é dinheiro. Por isso tá cheio de pilantra ai vendendo vinil a preço de ouro e importados custando os olhos da cara. Nunca confio em papo de lojista e prefiro lojas on line, mas há exceções como os colegas disseram aqui.
    Quanto ao disco em questão não o conheço, procurarei.

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