Do Pior Ao Melhor: The Who

Do Pior Ao Melhor: The Who

Por Marcello Zapelini

Como bem disse o MC do festival da ilha de Wight em 1970, é hora da “little band from Shepherds Bush… The ‘Oo”. Uma das maiores bandas de rock de todos os tempos tem uma discografia de estúdio bastante restrita, com apenas dez álbuns de estúdio e um ao vivo lançados entre 1965 e 1982, com mais dois lançados no século XXI. A esses álbuns somam-se uma coletânea de músicas inéditas e três trilhas sonoras. Motivos? Nunca encontrei uma explicação, mas sempre especulei que isso tem a ver com o fato de que o grupo sempre confiou na habilidade de compositor de Pete Townshend. É verdade que John Entwistle corria por fora e sempre emplacava algumas músicas nos álbuns da banda, mas Keith Moon e Roger Daltrey nunca foram compositores, fazendo com que The Who dependesse da inspiração do guitarrista para ter o que gravar.

Mesmo no que tange a compactos, The Who nunca foi tão produtivo quanto The Beatles e Rolling Stones nos anos 60 – ainda que tenha emplacado uma série impressionante de singles que não encontraram abrigo em LPs no começo dos anos 70. Isso faz com que um fã da banda interessado em construir uma boa coleção tenha que ter não só os melhores LPs de estúdio originais, mas também uma ou duas boas coletâneas para ter acesso a músicas de excelente qualidade. E claro, também não se pode esquecer que um dos melhores discos ao vivo de todos os tempos, Live at Leeds, é obrigatório. Após a morte de Keith Moon, The Who tentou levar as coisas adiante – e embora o substituto Kenny Jones fosse tecnicamente muito bom, faltava-lhe uma característica importante para o som da banda: a imprevisibilidade. De todo modo, o grupo sobreviveu por apenas quatro anos sem seu baterista original.

No final dos anos 80, a banda voltou à estrada e ainda gravou duas músicas novas para um disco-solo de Townshend, The Iron Man. Somente depois da morte de John Entwistle a banda voltaria a gravar um disco de estúdio, já no século XXI – e depois lançaria mais um. Algumas coletâneas trariam uma ou duas músicas inéditas cada uma. Nesse meio tempo, vários álbuns e vídeos ao vivo seriam lançados oficialmente pela banda. Este Do Pior ao Melhor, como de praxe, irá se concentrar nos discos originais do The Who, deixando de lado as coletâneas, os discos ao vivo e as trilhas sonoras para Tommy, Quadrophenia e The Kids Are Alright.

Mas antes de tratar dos originais, algumas recomendações de coletâneas: Meaty, Beaty, Big and Bouncy ainda é a melhor opção. The Story of The Who, de 1976, também é muito boa, mas não é fácil de achar porque nunca saiu em CD. The Who Hits 50!, mais abrangente, pode ser mais interessante para um panorama geral do grupo, e The Essential The Who, em CD triplo, é a mais completa e mais recente. Claro, se der para investir numa box set, Thirty Years of Maximum Rhythm & Blues, de 1994, ainda é o que há de melhor. A coletânea de raridades e inéditas Odds and Sods é interessante e vale a pena para quem coleciona a banda. Quanto aos álbuns ao vivo, Live at Leeds é essencial; se alguém estiver curioso para ver como Kenny Jones soava ao vivo, The Who Live at Shea Stadium 1982 é uma opção muito mais interessante do que Who’s Last. Dentre os gravados após o retorno, Live at Hyde Park é uma boa escolha. Isso posto, vamos ao que interessa!


12. It’s Hard [1982]

Indubitavelmente, o disco mais fraco do The Who antes de sua primeira dissolução deve esse status nada invejável ao desinteresse de Pete Townshend pela banda naquela época. It’s Hard deixou uma música muito tocada nos shows da banda, sobretudo em suas reuniões, que é “Eminence Front”, mas, sinceramente, não vejo muito o que justifique. O disco abre com a insossa “Athena”, e dá uma leve melhorada com “It’s Your Turn”, de John, mas cantada por Roger. “Cooks County” só se destaca pelo vocal raivoso de Roger. A faixa-título é razoável, mas no contexto do disco soa quase como obra-prima. Outra contribuição de John Entwistle, “Dangerous”, soa acima da média do disco, e finalmente traz o baixista com o destaque que merece, ainda que mais uma vez Roger tenha assumido o vocal. “I’ve Known No War” é interessante e um destaque do álbum, com teclados bem integrados ao arranjo. “One Life’s Enough” é uma curta balada de Pete, que passa rápido demais para chamar a atenção; “One at a Time” é a terceira música de John, mas a única que ele fez o vocal principal (e encheu o arranjo de metais) – ele fez coisa bem melhor, mas a música não é ruim. Pete baseou o arranjo de “Why Did I Fall for That” nas guitarras, mas a música carece de atrativos e o refrão parece ter palavras demais. E “A Man is a Man” é uma música que Pete parecia gostar bastante, pois foi tocada em shows do retorno e em turnês solo do guitarrista, mas também não chega a chamar a atenção. O melhor ficou para o final: “Cry If You Want”, com uma bateria pesada de Kenny Jones conduzindo-a num ritmo meio marcial, é o último suspiro de uma banda que foi grande. Após a turnê desse álbum, saíram várias coletâneas e o anêmico duplo ao vivo Who’s Last (1984), para cumprir contrato.


11. Endless Wire [2006]

O The Who passara 24 anos sem entrar no estúdio, e quando o fez, John Entwistle já não estava entre nós. Se os dois discos com Kenny Jones eram marcados pela falta de Keith Moon, este álbum prova que The Ox era essencial para o som do grupo. Boa parte das músicas foi gravada apenas por Pete (tocando quase tudo sozinho) e Roger, mas cada um gravou separado do outro. Embora o The Who estivesse excursionando há tempos com Palladino no baixo e Starkey na bateria, ambos participam de apenas uma música cada um. Endless Wire não chega a ser um disco ruim, mas não se compara com o que a banda fez de melhor. O álbum é composto por nove músicas independentes e dez que se interligam para criar uma “mini-ópera” (“Wire & Glass”), com duas extended versions para  músicas que fazem parte da mini-ópera. como bônus. “Fragments” inicia (bem) o álbum, com teclados que remetem a “Who’s Next”, mas a acústica “Man in a Purple Dress” não acrescenta muito. Já “Mike Post Theme” e “Black Widow Theme” são puro The Who, ainda que Moon e Entwistle façam uma falta e tanto; ambas estão entre as melhores músicas do álbum na minha opinião. “In the Ether” é pouco atraente e ainda é prejudicada por vocal ruim de Pete; o que o levou a cantar a música me é um mistério, pois mesmo envelhecida a voz de Roger é melhor, ainda que duvide que o vocalista fosse salvar a música da mesmice. “Two Thousand Years” teria sido melhor se o arranjo incluísse bateria; o que a salva é a guitarra elétrica no terço final. Se “God Speaks of Marty Robbins” (que eu só conhecia por ser autor de “El Paso”, música que o Grateful Dead tocou até a exaustão nos seus shows) não se destaca, “It’s Not Enough” é uma música como se espera do The Who, com peso na medida certa, o contraponto entre os backing vocals de Pete e o lead de Roger, e uma base segura. A curtinha “You Stand by Me” traz Pete novamente no vocal principal, mas aqui ele se saiu melhor. Quanto a “Wire and Glass”, a maioria das músicas que a compõem mal alcança dois minutos (com exceção de “Mirror Door” e “Tea & Theatre”), mas no todo funciona bem. Quando comprei Endless Wire, a emoção de ter um álbum novo do The Who fez-me gostar bastante dele. Posteriormente, o tempo mostrou que não era tudo isso. Dezoito anos atrás, este álbum estaria mais alto na lista.


10. WHO [2019]

Quando ninguém esperava nada de novo da banda, eis que Townshend e Daltrey engatilharam este disco nostálgico, cuja capa remete a muitos ícones de seu passado. E, embora Townshend tenha mais uma vez gravado a maior parte dos instrumentos, dessa vez há vários músicos participando, dentre eles Pino Palladino, Starkey e o irmão caçula de Pete, Simon Townshend. Quando “All This Music Must Fade” começa, o ouvinte pede que ela não desapareça, pois é a melhor abertura de um álbum do grupo desde Who’s Next! “Ball and Chain” mantém o astral, outra boa música que traz um emocionante gostinho do velho Who, baseada em “Guantanamo”, que Pete gravou a solo inicialmente. “I Don’t Wanna Get Wise” soa como Townshend assumindo que envelheceu, e mantém o disco em bom nível. “Detour” moderniza a Bo Diddley beat e, mesmo inferior às três anteriores, não  compromete. Mas a partir daí as coisas se complicam, como se a banda tivesse perdido energia; “Beads on One String”, “Hero Ground Zero” e “Break the News” (composta por Simon) são músicas mais lentas, o que não seria problema se as melodias fossem cativantes. “Street Song” coloca um pouco mais de peso, mas não é muito interessante. “I’ll be Back” traz Pete cantando e tocando harmônica numa baladinha simpática; se em Endless Wire seu vocal comprometia as músicas que ele interpretou, aqui é um ponto alto da música. “Rockin’ in Rage” é boa, mas falta-lhe um pouco de rage. O álbum regular se encerra com “She Rocked my World”, que também não se destaca e, para piorar, o vocal de Roger está bem diferente do usual, e não para melhor – é uma pena, porque seu desempenho é muito bom ao longo de todo o disco. A maioria das edições traz três bônus, todos cantados por Pete: “This Gun Will Misfire”, “Got Nothing to Prove” e “Danny and my Ponies”. A primeira é mais rocker que a maior parte do disco. “Got Nothing to Prove” tem um arranjo orquestrado e soa bem sessentista, parecendo um pouco com os experimentos de The Who Sell Out. Essas duas poderiam ter entrado no álbum regular sem problemas, mas a última é bem fraca e encerra mal um disco razoável levado por uma dupla de veteranos sem nada a provar – mas ainda dispostos a mostrar porque continuam por aí.


9. Face Dances [1981]

Melhor do que muita gente está disposta a admitir, ainda que abaixo do que a banda vinha fazendo até então. O primeiro álbum de estúdio com Kenny Jones na bateria foi lançado cerca de três anos depois de Who Are You, e abre com um clássico tardio, “You Better You Bet”, uma boa música que traz uma harmonização perfeita entre os três vocalistas principais e chama a atenção pelo arranjo baseado nos teclados (que, de acordo com os créditos, foram tocados no álbum por Townshend e pelo convidado John “Rabbit” Bundrick). “Don’t Let Go the Coat” e “Cache Cache” não são tão boas, mas também não comprometem; a bateria indomável de Moon teria lhes dado uma nova dimensão. Mas na sequência tem-se John Entwistle arrasando com “The Quiet One”, apesar de seu vocal estar muito ruim nessa época, e aqui Kenny Jones mostra porque foi escolhido. O primeiro tropeço é “Did You Steal my Money”, com um backing vocal sussurrado repetitivo e meio irritante; gostaria de ouvir uma rough mix sem isso. “How Can You Do it Alone” não melhora muito, embora tenha um bom refrão, bem próprio do estilo da banda; falta peso nas guitarras e Entwistle está desaparecido na mixagem, tornando-a pouco representativa. Em seguida, a pior música do disco, “Daily Records”, que parece uma tentativa fracassada de voltar à alegre “Squeeze Box”, de “The Who By Numbers”. “You”, de John, é bem melhor, com uma dose saudável de peso no arranjo. “Another Tricky Day” encerra bem o LP, ainda que mais uma vez se sinta falta de um pouco mais de peso e distorção na guitarra de Townshend. No todo, não chega a ser um disco ruim, mas a banda era capaz de fazer melhor – e ela o tinha feito.


8. A Quick One [1966]

O segundo LP do The Who é uma colcha de retalhos: parte remete ao que a banda fez no primeiro disco, parte antecipa o que seria feito no seguinte. O álbum deveria trazer três composições de cada membro da banda, mas isso gerou um problema – nem Daltrey nem Moon poderiam ser considerados compositores, e Entwistle estava começando a se aventurar nesse mundo – se “Boris the Spider” virou um clássico, “Whiskey Man” (em que ele toca trompa) ficou esquecida; Moon saiu-se com a fraquinha “I Need You” (com uma bateria matadora, entretanto) e a bizarra “Cobwebs and Strange”, instrumental baseada na sua linha de bateria e que traz o Who soando como uma banda do Exército da Salvação completamente de porre, com Roger no trombone, Moon na tuba, John na trompa e trompete e Pete tocando um apito. Daltrey só compôs a esquecível “See My Way”, e a solução foi confiar no bom e velho Pete. E este saiu-se com “Run Run Run” (uma tentativa de repetir “My Generation”) e a baladinha “Don’t Look Away”, que passam longe do que ele fez de melhor, mas também entregou um clássico absoluto, “So Sad About Us”, e a revolucionária “A Quick One While He’s Away”, com seus mais de nove minutos de duração juntando seis fragmentos de composições dele que trazem uma mulher infiel, um marido traído e Ivor, o Maquinista. A banda tocou essa mini-ópera por anos, e provavelmente a melhor versão está registrada no Rock’n’Roll Circus dos Rolling Stones – Mick Jagger ficou envergonhado com a performance dos Stones após ter visto o segmento do The Who. O disco se completa com a cover de “Heat Wave”, bem mais fraca que o original da Motown. A edição em CD de 1996 trouxe várias curiosidades, como o EP Ready Steady Who, com a banda se divertindo com “Barbara Ann” (Moon adorava surf music) e o tema de “Batman”.


7. The Who by Numbers [1975]

Após seu segundo álbum duplo conceitual, The Who saiu-se com um disco simples e de músicas individuais – tal como Who’s Next após Tommy. Mas os resultados não foram tão bons. Havia problemas por todos os lados: John Entwistle vinha se dedicando a seus discos-solo e chegou a fazer uma turnê com sua banda, Keith Moon estava bebendo cada vez mais e sua saúde estava em declínio – e ao mesmo tempo vinha gravando um disco solo, e Daltrey andava enamorado com o cinema. Pete, por sua vez, também estava abusando do álcool. O disco abre com “Slip Kid”, que disputa com “Squeeze Box” o posto de representante do álbum nas coletâneas posteriores. Entretanto, ainda que boas músicas, nenhuma das duas é páreo para as excelentes “Dreaming from the Waist” (com uma linha de baixo inacreditável de Entwistle) e “However Much I Booze”, que Pete canta com o sentimento de quem enchia a cara para aliviar as pressões – sem sucesso. Outras músicas muito boas deste LP, mas pouco conhecidas, são a bonita “Imagine a Man” (outra que trata das pressões que Townshend sofria), “They Are All in Love” e “Success Story” (única contribuição de John Entwistle ao álbum); por outro lado, “How Many Friends” e “In a Hand or a Face” chamam bem menos a atenção, e “Blue Red and Grey”, com um vocal irritante de Pete, é uma forte candidata a pior música do The Who em toda a década de 70. The Who By Numbers vendeu bem e foi promovido com uma turnê (a última com Keith Moon na bateria) que se estendeu até 1976 (o DVD semioficial Live in Texas ‘76 traz um show excepcional dessa época, e as músicas gravadas em Swansea, disponíveis em diferentes lançamentos e que formam os bônus neste disco, mostram uma banda ainda capaz de tocar fogo num palco). A capa foi desenhada por John, que comentou que recebeu 30 libras pela arte.


6. Who Are You [1978]

O canto do cisne da formação original mescla composições inesquecíveis com outras que não se destacam muito. Lançado quase três anos depois de The Who By Numbers, Who Are You foi bem-sucedido comercialmente, mas a morte de Keith Moon menos de três semanas depois de seu lançamento impediu que fosse divulgado adequadamente com uma turnê. A faixa-título é um dos clássicos indiscutíveis do grupo e uma das poucas músicas deste álbum a ser regularmente executada ao vivo. “Trick of the Light”, de John, é para mim uma das melhores composições do baixista, tendo sido tocada em algumas turnês do grupo (há uma boa versão dela em Join Together, que documenta a turnê de 1989). Entwistle ainda assinou duas boas músicas, “Had Enough” e “905” (mas somente esta última o traga no vocal principal), e Pete trouxe, além de “Who Are You”, as boas “New Song”, “Sister Disco” e “Music Must Change”, bem como a razoável “Love is Coming Down” e a enjoadinha “Gutar and Pen”. No todo, o último grande disco do The Who, com uma boa performance de todos os envolvidos, especialmente de John (que pela primeira vez é creditado com sintetizadores num disco do grupo) e Roger, mas ainda assim é difícil ouvi-lo e pensar que Keith Moon (que nesse disco soa melhor do que no anterior) sucumbiria aos excessos pouco tempo depois. Após Who Are You a banda lançaria duas trilhas sonoras, para o documentário sobre sua carreira The Kids Are Alright e o filme Quadrophenia, baseado no disco de 1973, este último marcando a estreia de Kenny Jones em algumas músicas novas compostas especialmente para o projeto.


5. My Generation [1965]

Dito de uma forma bem simples: este é o melhor LP de estreia de uma banda inglesa nos anos 60, batendo Stones, Kinks, Beatles, quem você quiser. My Generation é parte material original de Pete, parte covers (duas de James Brown, “I Don’t Mind” e “Please Please Please”, e uma de Bo Diddley, “I’m a Man”), com direito a uma instrumental (“The Ox”) creditada a Townshend, Entwistle, Moon e o pianista Nicky Hopkins. As músicas de Pete reinam soberanas: além da faixa-título, temos “The Kids Are Alright”, “A Legal Matter” (com o guitarrista mandando ver no microfone também), “The Good’s Gone”, “It’s Not True” e “Out in the Street” (com direito a uma abertura semelhante à de “Anyway, Anyhow, Anywhere”) como destaques. Na minha opinião, a única música dispensável seria “La La Lies”, mas ainda assim é um típico pop sessentista, agradável e inconsequente. My Generation, o álbum, já traz alguns dos elementos que farão o sucesso do The Who, como o baixo sensacional de Entwistle e a bateria anárquica de Keith Moon, mas Pete ainda não tinha descoberto os pedais de distorção e Roger não explora a potência da sua voz. Uma box set lançada em 2016 traz 79 músicas em cinco CDs, mas além de haver muita repetição, alguns dos discos são muito mal aproveitados e sobra bastante espaço vazio. Algumas BBC sessions poderiam ter completado a box, mas como isso não foi feito, não adianta reclamar.


4. The Who Sell Out [1967]

Um dos discos mais criativos dos anos 60, estruturado como se fosse um programa de rádio, com vinhetas funcionando como “comerciais”. Após o jingle da “Radio London”, os metais de John Entwistle introduzem a psicodélica “Armenia City in the Sky”, de Speedy John Keen, um amigo de Pete (que produziria o único LP de sua banda Thunderclap Newman em 1970), e que canta a música com Roger. O jingle para “Heinz Baked Beans”, uma daquelas músicas bizarras de John, vem na sequência, e a bela “Mary Anne with the Shaky Hand” é a segunda música “de verdade” do disco. “Odorono”, outro jingle, traz Pete cantando sobre uma garota cujo crush não ligou para ela no dia seguinte (e desde que eu ouvi tento descobrir o que isso tem a ver com um desodorante). Um clássico de Pete, “Tattoo”, traz dois irmãos discutindo a teoria de que tatuagens fazem alguém ser um homem – a reedição de Live at Leeds traz uma versão absolutamente matadora dessa música. Como se não bastasse, a seguir vem a fantástica “Our Love Was”, com um vocal etéreo de Pete e um belo arranjo vocal. Os jingles para o curso de Charles Atlas e para as cordas Rotosound introduzem a música mais conhecida do disco, “I Can See for Miles”, com uma bateria fantástica de Moon e mais um arranjo vocal impressionante. Pete canta outra balada comovente, “I Can’t Reach You”, precedida por outra vinheta/jingle com Entwistle buscando o fundo do gogó no vocal. A curta “Medac” (de John) traz o protagonista elogiando o creme antiacne que deixou seu rosto como “a baby’s bottom” (e você achou que o Gilberto Gil é quem tinha inventado a expressão). “Relax” é uma boa música que não se destaca tanto neste ótimo LP, ao passo que “Silas Stingy”, de John, falha ao tratar de um sujeito pão-duro; a música traz Daltrey e Townshend dividindo os vocais (uma raridade). Outra balada de Townshend, “Sunrise”, mostra que as ideias que se desenvolveriam em Tommy já frequentavam sua cabeça. Por fim, “Rael” encerrra o disco com suas duas partes – mais uma música que prenuncia “Tommy”. The Who Sell Out também está disponível em uma Super DeLuxe Edition com cinco CDs e dois singles em vinil, e um dos CDs é intitulado The Road to Tommy, explorando a conexão entre os dois discos.


3. Tommy [1969]

Para muitos, a obra-prima da banda. Não para mim; na minha opinião, eles fizeram músicas mais interessantes nos dois primeiros colocados dessa lista. Não que Tommy seja ruim, os outros é que são melhores na minha opinião. A história de Tommy começa com as ideias que a banda acumulou em The Who Sell Out e evoluiu para a “ópera-rock” que conhecemos. Com 24 faixas, o álbum tem bastante destaques, mas também tem sua dose de encheção de linguiça, se a gente pensar bem; claro que todas as músicas têm seu papel na narrativa, sendo difícil dispensar alguma delas, mas ainda assim músicas como “It’s a Boy”, “Miracle Cure”, “Do You Think It’s Alright?”, “There’s a Doctor”, por exemplo, não contribuem muito. “Pinball Wizard”, “Amazing Journey”, “Acid Queen” e “We’re Not Gonna Take It” podem ser as mais conhecidas, mas “Sally Simpson”, “Sensation”, “I’m Free” e “Christmas” são muito boas e podiam ter um pouco mais de destaque. O álbum fez um sucesso enorme, pagando as dívidas do grupo e rendendo uma boa quantia para todos os envolvidos, mas também lançaria uma sombra sobre Pete: a pressão para repetir Tommy seria intensa e prejudicaria o trabalho do guitarrista-compositor por anos. Em 1972 uma versão orquestrada seria lançada, e em 75 o álbum viraria filme, com direito a uma trilha sonora repleta de convidados e algumas músicas novas; a versão de “Pinball Wizard” com Elton John é melhor do que a original, na minha opinião, e Tina Turner simplesmente arrebenta com “Acid Queen”. Em 1993 surgiria uma nova versão, dessa vez do musical da Broadway. Por fim, em 2019 Daltrey, junto com vários músicos que se apresentam ao vivo com ele e Townshend, lançou uma nova versão orquestral. E a banda tocou a “f***ing opera” (palavras de Moon) na íntegra por anos, voltando a apresentá-la nas suas turnês de reunião, às vezes completa, às vezes só as músicas mais famosas.


2. Quadrophenia [1973]

Quadrophenia é uma obra de arte. O segundo duplo de estúdio, o segundo disco conceitual do grupo, e uma das obras definitivas do rock setentista. Inteiramente composto por Pete Townshend (único álbum do The Who com essa característica), o álbum narra a história de Jimmy, um mod que tinha quatro personalidades distintas vivendo dentro de si (e cada músico do grupo representa uma dessas personalidades). Pete e Roger se encarregam dos vocais principais, com John relegado aos backing vocals e à harmonia com Roger em “Is it in my Head”; “Bell Boy” traz Keith Moon no papel-título, e sua voz é apresentada com destaque nessa música. Quadrophenia é outra narrativa um pouco confusa, mas com músicas riquíssimas, muito bem compostas e arranjadas por Pete, que tocou um sintetizador ARP 2500 e gravou diversos efeitos especiais, e por John, que incluiu vários metais (especialmente em “5:15”, minha música favorita do disco). “The Real Me”, “I’m One”, “The Punk and the Godfather”, “Doctor Jimmy” e “Love Reign O’er Me” são outros destaques num álbum praticamente perfeito, que viraria filme alguns anos depois e seria apresentado na íntegra em algumas turnês. A capa e o livreto, bastante elaborados, custaram à banda mais de 16.000 libras para ficarem prontos. Na turnê de divulgação do álbum original, entre 1973 e 74, a banda teve que se apresentar com tapes pré-gravados, pois Daltrey vetou a ideia de excursionarem com um tecladista convidado; como os tapes nem sempre funcionavam direito, o resultado foi que a qualidade dos shows foi seriamente comprometida. Uma box set intitulada The Director’s Cut trouxe dois CDs com demos de Pete para o projeto, bem como uma seleção de músicas do original remixadas em áudio 5.1. Quadrophenia” é um daqueles discos que têm que estar na sua coleção se você se interessa pelo The Who!


1. Who’s Next [1971]

Nenhuma surpresa aqui. Who’s Next parece uma coletânea, de tantas músicas fantásticas que inclui. Do início com “Baba O’Riley” ao final com “Won’t Get Fooled Again”, ambas baseadas no recém-descoberto amor de Townshend pelo sintetizador VCS3, Who’s Next fornece uma sequência de nove músicas impecáveis: “Baba O”Riley” é uma homenagem de Pete ao seu guru e uma das músicas mais famosas dos anos 70; a música termina com um solo de violino de Dave Arbus, do grupo East of Eden, que ao vivo era substituído por Roger soprando sua harmônia. “Bargain” é um rock típico da banda, mesclando trechos mais leves com o peso que Moon e Entwistle conseguiam colocar nos seus instrumentos; “Love Ain’t for Keeping” é uma linda balada levada no violão (há uma versão alternativa com Leslie West dando um show na guitarra elétrica), e prepara para a sarcástica “My Wife”, escrita e cantada por John. Na sequência, a bela “The Song is Over”, cujo final puxa “Pure and Easy”, que a banda só lançaria em 1974 na coletânea de inéditas “Odds and Sods”, encerrando o antigo lado A com maestria. As duas músicas mais fracas do disco, “Getting in Tune” e “Going Mobile” (cantada por Pete) abrem o velho lado B – mas o “fraco” aqui é apenas em termos de comparação com as obras-primas que formam o resto do disco. Mas qualquer impressão negativa é dirimida pela maravilhosa “Behind Blue Eyes”, com um desempenho fantástico de Daltrey nos vocais e a alternância entre peso e suavidade que fez o The Who se destacar entre seus concorrentes. Por fim, o mini-épico “Won’t Get Fooled Again”, indispensável nos shows do grupo, traz uma das letras mais conhecidas de Pete numa melodia que gruda na sua cabeça. Who’s Next é um daqueles discos que tem poucos paralelos no rock, uma obra atemporal de uma banda que, se tivesse feito somente ele, já teria seu lugar garantido na história da música. Hoje há uma box com dez CDs contando como o projeto Lifehouse se materializou em Who’s Next, várias raridades e dois shows completos. Indispensável!

Um comentário em “Do Pior Ao Melhor: The Who

  1. Recentemente saiu a box set de “Who Are You”, matéria para o futuro; ouvindo-a com atenção, concluí que não tiraria o disco do lugar que ocupa nessa lista, mas acho que se a banda tivesse decidido completar sua versão de “Empty Glass”, que viraria faixa-título no disco solo seguinte de Pete, e tivesse posto no lugar de “Guitar and Pen”, o álbum ficaria melhor!

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