Discografias Comentadas: Be-Bop Deluxe

Discografias Comentadas: Be-Bop Deluxe

Por Marcello Zapelini

Como começou
Eles não faziam nem mesmo jazz, o que dirá bebop, mas gostavam de um luxo: vários discos deles têm arranjos orquestrados em algumas músicas, apreciavam ternos sob medida para as fotos promocionais e os shows, e atingiram um grau de sofisticação musical incomum para a cena britânica da segunda metade dos anos 70 antes de perderem o gás. A carreira do Be Bop Deluxe girou em torno de um inglês de Yorkshire, o guitarrista e vocalista Bill Nelson.

William “Bill” Nelson nasceu em 18/12/1948 (coincidentemente, data de aniversário de Keith Richards) e desenvolveu sua musicalidade no Wakefield College of Art. Suas demos mais antigas datam de 1968 e ele passou por várias bandas e, em 1971, lançou um álbum solo (Northern Dream) em que gravou a maior parte dos instrumentos (embora tenha alguns convidados em alguns instrumentos em algumas faixas), cantou quase todos os vocais e compôs todas as músicas. No ano seguinte ele formou o Be-Bop Deluxe ao encontrar um velho amigo, o guitarrista Ian Parkin, nas ruas de Wakefield (Yorkshire); Parkin convidou Nelson para ensaiar com seus amigos Nicholas Chatterton-Dew (bateria) e Robert Bryan (baixo e vocal); junto com Richard Brown (teclados), o grupo começou a fazer shows em agosto de 1972. No final daquele ano Brown deixou o grupo, que continuou como quarteto, e em 1973 o lendário DJ John Peel (que já tinha ficado impressionado com a habilidade de Nelson como guitarrista ao ouvir o disco de 1971) auxiliou a banda a obter um contrato com o selo Harvest, que lançou o primeiro disco em 1974.

Be Bop Deluxe em 1974: Nicholas Chatterton-Dew, Ian Parkin, Bill Nelson e Robert Bryan

Daí em diante a banda passaria por várias mudanças de formação (até se estabilizar em 1976), gravaria outros quatro discos de estúdio e um ao vivo, e encerraria a carreira em 1979, em parte porque Bill mudara bastante suas composições. Ao longo dos anos, houve rumores sobre a volta do Be Bop Deluxe, mas nada ocorreu e vários ex-integrantes morreriam. Nelson criou um selo próprio (Cocteau Records) e passou a lançar discos de forma independente, e atualmente está afastado dos shows por motivos de saúde. Mas o trabalho do BBD (como chamaremos daqui em diante) permanece circunscrito àqueles seis discos, mais uns poucos lançamentos póstumos.


Axe Victim [1974]

O álbum de estreia é muito bom, mas fortemente calcado em David Bowie na fase Ziggy Stardust e o visual da banda é baseado na cena glam rock britânica. Bill Nelson é o astro aqui; suas pirotecnias na guitarra (“No Trains to Heaven” é um bom exemplo) e seus vocais ocupam a maior parte das músicas, chamando a atenção para o disco e a banda. “Axe Victim”, “Love is Swift Arrows” e “Jet Silver and the Dolls of Venus” escancaram a influência de Ziggy nas letras e melodias, mas há músicas em que Nelson começa a buscar sua própria identidade, como “Adventures in a Yorkshire Landscape” (belo solo de guitarra ao final), “Night Creatures” (com Nelson e Parkin nos violões), “Jets at Dawn” (os passarinhos no início me lembram o Ummagumma do Pink Floyd, mas é uma bela música que não tem nada a ver com a turma de Waters e Gilmour). O riff de “Third Floor Heaven” soa um pouco com o de “Vicious”, de Lou Reed, mas a música tem seu próprio charme e conta com backing vocals de Janita Haan, vocalista do Babe Ruth. Robert Bryan compôs e fez o vocal principal em “Rocket Cathedral” – incidentalmente, a única música não composta por Bill a ser lançada num álbum do BBD. Nelson sabiamente guardou o melhor para o final: “Darkness (L’Immoraliste”) traz um arranjo orquestral impecável e uma bela melodia.

Line-up: Bill Nelson: guitarra, piano e vocal; Ian Parkin: guitarra rítmica, órgão; Robert Bryan: baixo, vocal; Nicholas Chatterton-Dew: bateria.

Tracklist: Axe Victim/Love is Swift Arrows/Jet Silver and the Dolls of Venus/Third Floor Heaven/Night Creatures/Rocket Cathedral/Adventures in a Yorkshire Landscape/Jets at Dawn/No Trains to Heaven/Darkness (L’Immoraliste)


Futurama [1975]

Após dissolver a formação original, Nelson recrutou o baterista Simon Fox, o tecladista Milton Reame-James e o baixista Paul Jefferys. Mas essa formação não o satisfez (fez apenas meia dúzia de shows), e ele demitiu os dois últimos e gravou sozinho os teclados; o neozelandês Charlie Tumahai, um Maori mestiço, entrou no baixo e vocal e se mostrou a escolha perfeita, não apenas pelo seu talento como baixista, mas por harmonizar muito bem com a voz de Nelson. “Stage Whispers” começa com a artilharia guitarrística de Nelson, dando o tom do disco. O álbum está recheado de músicas de alto nível como “Maid in Heaven”, “Sister Seagull” (com sua grandiloquente introdução de guitarras que se transforma numa bela balada), “Music in Dreamland” (com uma banda marcial de Yorkshire contribuindo para o arranjo), “Sound Track”, a excelente “Swan Song” (Nelson dificilmente errava nas músicas de encerramento dos discos do BBD), e a curiosa (mas muito bonita) “Jean Cocteau”, dedicada ao escritor, ator, cineasta e artista francês que Bill idolatrava, um soft jazz meio bossa nova que não se parece com nada que a banda gravou. O disco foi gravado no final de 1974, mas só foi lançado em maio de 1975 – quando o grupo já tinha incorporado o tecladista Simon Andrew “Andy” Clark. A produção é do recentemente falecido Roy Thomas Baker, que ficou famoso ao produzir o Queen, e que passou todo o processo de gravação discutindo com Bill Nelson.

Line-up: Bill Nelson: guitarra, teclados e vocal; Charlie Tumahai: baixo, percussão, vocal; Simon Fox: bateria.

Tracklist: Stage Whispers/Love with the Madman/Maid in Heaven/Sister Seagull/Sound Track/Music in Dreamland/Jean Cocteau/Between the Worlds/Swan Song


Sunburst Finish [1976]

O primeiro álbum lançado nos EUA, o mais bem-sucedido, Sunburst Finish traz Nelson, Tumahai e Fox acompanhados do tecladista Andy Clark: a formação definitiva do BBD. A importância de Clark para o som da banda fica nítida já na abertura, com a ótima “Fair Exchange” – mas as intricadas guitarras de “Heavenly Homes” tranquilizam o ouvinte: Bill continua usando o grupo como veículo para sua habilidade. O single “Ships in the Night” seria o maior sucesso do grupo e mostra como Tumahai e Nelson harmonizavam bem suas vozes; a música traz Ian, irmão de Bill Nelson, no sax. Outros destaques são “Blazing Apostles” (uma gozação com os pastores que faziam programas de TV), “Crying to the Sky” (com belo e frágil vocal de Bill), “Like an Old Blues”, a semiacústica “Beauty Secrets” e a animada “Life in the Air Age”. Durante a turnê de lançamento, a banda excursionou pela primeira vez pelos EUA, um país que sempre fascinara Bill Nelson. A capa com a garota segurando a guitarra flamejante contra um fundo laranja-avermelhado se tornaria uma imagem icônica para a banda. A produção ficou a cargo de John Leckie e do próprio Nelson, e essa dupla se responsabilizaria por essa função até o fim do BBD. Leckie se tornaria um produtor bem requisitado nas décadas seguintes, produzindo XTC, Stone Roses, Radiohead e Muse, entre outras bandas conhecidas.

Line-up: Bill Nelson: guitarra, harmônica, percussão e vocal; Charlie Tumahai: baixo, percussão, vocal; Simon Fox: bateria e percussão; Andy Clark: teclados.

Tracklist: Fair Exchange/Heavenly Homes/Ships in the Night/Crying to the Sky/Sleep that Burns/Beauty Secrets/Life in the Air-Age/Like an Old Blues/Crystal Glazing/Blazing Apostles


Modern Music [1976]

A formação da banda se repetia pela primeira vez em dois discos seguidos, e isso se reflete na boa qualidade do LP. Andy Clark está perfeitamente integrado ao som do grupo e forma bases para os voos de Bill Nelson na guitarra, além de ter seus momentos de brilho. A faixa título é uma suíte de mais de 11 minutos, com bela melodia e alguns trechos bastante intrincados e, claro, Bill dando show na guitarra, dividida em seis partes – “Modern Music” (com seu riff memorável de abertura), “Dancing in the Moonlight (All Alone), “Honeymoon on Mars”, “Lost in the Neon World” (em que a banda acelera um pouco), “Dance of the Uncle Sam Humanoids” (o interlúdio instrumental) e “Modern Music (Reprise)”, e a letra trata das experiências e impressões de Nelson na primeira turnê norte-americana. Mas além dela, “Orphans of Babylon”, “Twilight Capers”, “Forbidden Lovers”, “Down on Terminal Street” são destaques deste que é possivelmente meu disco favorito do BBD.

Line-up: Bill Nelson: guitarra e vocal; Charlie Tumahai: baixo, percussão, vocal; Simon Fox: bateria; Andy Clark: teclados.

Tracklist: Orphans of Babylon/Twilight Capers/Kiss of Light/The Bird Charmer’s Destiny/The Gold at the End of the Rainbow/Bring Back the Spark/Modern Music/Forbidden Lovers/Down on Terminal Street/Make the Music Magic


Be Bop Deluxe em 1976: Andrew Clark, Bill Nelson, Charlie Tumahia e Simon Fox

Live! In the Air Age [1977]

Gravado em uma turnê britânica no início de 1977 e lançado no incomum formato de um LP e um EP, Live! In the Air Age é considerado sensacional por alguns e uma decepção por outros. Estou entre os primeiros. Das dez músicas do disco original, sete foram extraídas dos três primeiros álbuns (curiosamente, nenhuma de Modern Music, que a turnê estava promovendo) mais três músicas não disponibilizadas em LP na época: a instrumental “Shine” (extraída de um single), “Piece of Mine” e “Mill Street Junction” (ambas inéditas). Live! In the Air Age coloca naturalmente a guitarra de Nelson em destaque, mas os teclados de Andy Clark ocupam um bom espaço dos solos e Charlie Tumahai não só harmoniza bem no vocal como ainda se destaca com linhas de baixo interessantes, além de atacar as congas de vez em quando. Em 2021, uma box com 15 CDs e um DVD trouxe o álbum original com algumas bonus tracks, e os sete shows gravados para o disco original divididos em dois volumes para cada (cada show, à exceção de um, tem mais de 110 minutos). A box set é imperdível para os fãs do BBD, pois traz Nelson soltando os bichos no final dos shows em “Blazing Apostles” (tocando até o tema do Pica-Pau), a complexa “Modern Music”, o público cantando junto em “…Terminal Street”, enfim, uma ótima representação dos shows do BBD na época. Além disso, o livreto é muito bom (ótimas fotos da banda no palco, excelente texto), há um poster da turnê, cartões-postais e o programa dos shows. Para o fã ocasional, uma versão diet em CD duplo/LP triplo também está disponível, e é a mais recomendada.

Line-up: Bill Nelson: guitarra e vocal; Charlie Tumahai: baixo, percussão, vocal; Simon Fox: bateria; Andy Clark: teclados.

Tracklist: Life in the Air Age/Ships in the Night/Piece of Mine/A Fair Exchange/Shine/Sister Seagull/Maid in Heaven/Mill Street Junction/Adventures in a Yorkshire Landscape/Blazing Apostles


Drastic Plastic [1978]

O canto do cisne – ou o grasnar do corvo. O último LP do BBD divide opiniões, mas a maioria delas é no sentido de considerá-lo o mais fraco do grupo. O som mudou completamente, com muitos teclados eletrônicos, vocais tratados e a guitarra perdendo destaque – um caminho que a banda começara a trilhar no ano anterior, com o single “Japan” – e se filia à então nascente New Wave. Até aí não teria problema, mas as músicas não são muito interessantes; “Dangerous Stranger” (a mais próxima do trabalho anterior do grupo), “New Mysteries”, “Love in Flames” (essa me lembrou um pouco The Cars, não sei por que), “Panic in the World”, e a bela “Islands of the Dead” (dedicada a Walter Nelson, pai de Bill, que falecera em 1976), são exceções. E, desde a primeira edição em CD, sabe-se que à época o grupo gravou a ótima “Lovers are Mortal” – e a deixou de fora. O álbum é o único do BBD que foi gravado fora da Inglaterra (usou-se um estúdio em um castelo em Juan Les Pins, na França), e vendeu menos do que os anteriores. Ciente da mudança que estava operando no som do grupo, Bill Nelson não queria lançar Drastic Plastic como um disco do Be Bop Deluxe, mas o empresário exigiu que levasse o nome da banda. Os interesses musicais de Nelson tinham mudado, e o fim se tornou inevitável.

Line-up: Bill Nelson: guitarra e vocal; Charlie Tumahai: baixo, percussão, vocal; Simon Fox: bateria; Andy Clark: teclados.

Tracklist: Electrical Language/New Precision/New Mysteries/Surreal Estate/Love in Flames/Panic in the World/Dangerous Stranger/Superenigmatix/Vision of Endless Hopes/Possession/Islands of the Dead


E depois?
No fim de 1978, o visto de trabalho de Tumahai expirou; ainda que ele tenha retornado à Inglaterra, em vez de substituí-lo, Nelson pôs fim ao grupo. O guitarrista formou o Red Noise com Andy Clark, seu irmão Ian (sax, teclados), Rick “Pinky” Ford (baixo) e Steve Peer (bateria), mas essa banda também não durou (lançou apenas o álbum Sound on Sound, e mais recentemente um LP ao vivo gravado em 1979 em tiragem limitada no Record Store Day), com uma sonoridade que lembra Drastic Plastic. Em 1981 Nelson retomou sua carreira solo, embora tenha formado algumas bandas efêmeras ao longo dos anos; seu site oficial registra 121 lançamentos. Ao longo dos anos, várias coletâneas e dois discos com gravações ao vivo para a BBC seriam lançados, e os álbuns originais foram relançados em boxes de 3 ou 4 CDs (e um DVD adicional) com raridades, gravações ao vivo, remixes e sessões para a BBC. Para quem quer a obra do grupo como um todo, há as recentes boxes 1974-76 e 1976-78, que trazem os três primeiros álbuns e os três seguintes (incluindo o disco ao vivo), tal como originalmente lançados. Ou então, há a box de 5 CDs Futurist Manifesto (imagem acima), que traz os cinco discos de estúdio (com direito a bonus tracks em Sunburst Finish, Modern Music e Drastic Plastic, além de um disco com demos, versões alternativas e ao vivo – na minha opinião, a melhor opção, apesar de faltar Live! In the Air Age.

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