Minhas 10 Favoritas do Black Sabbath

Por Marcelo Freire
Mais uma vez, aproveito a ótima coluna recém-criada pelo Mairon para trazer outra lista de minhas 10 favoritas – que, diferentemente do que seria uma lista de “10 melhores”, permite reflexões mais pessoais do que técnicas, mais subjetivas do que críticas. E, nesse caso, escolher as minhas 10 favoritas do Black Sabbath é identificar o que moldou o meu gosto por rock and roll e, ao mesmo tempo, viajar para o século passado, mais especificamente ali para o final dos anos 80 e início dos anos 90 e encontrar um Marcelo adolescente, muito diferente deste que vos escreve, mas que estava, sem saber, experimentando a música de um modo que me moldaria para o restante de meus dias. Nenhuma outra banda (nem mesmo os Beatles) me traz tantas lembranças de “primeira vez” como o Black Sabbath.

10. “War Pigs” – Paranoid (1970)
Eu tinha 14 anos quando ouvi essa música pela primeira vez lá no longínquo ano de 1988 e me lembro exatamente de tudo: foi em uma tarde de sábado, em uma loja de discos que havia aqui em Brasília no Conjunto Nacional, shopping pioneiro da capital, em um tipo de ritual que eu amava, que nós que temos cerca de 50 anos ou mais fazíamos bastante e do qual sinto muita falta, que era o de escolher alguns discos, entrar com eles em uma cabine e ouvi-los um pouco, pois sempre tinha mais gente querendo fazer o mesmo. Meu tio me dera de presente de aniversário uma fita K7 em que ele gravara a sua young person’s guide do que acreditava que eu deveria saber para a vida: Rush, Ten Years After, Uriah Heep e Black Sabbath (algumas músicas do Paranoid) e, com elas anotadas, fui procurar os discos dessas bandas que tinham essas canções para ouvir um pouco mais deles e ver se a grana (sempre curta) daria para levar ao menos um. Lembro que ouvi, primeiro, alguns trechos de músicas do Fly By Night do Rush e, depois, fui para o Paranoid do Sabbath. Fiquei estarrecido! Estático, como se um raio tivesse me atingido naquela tarde ensolarada, ouvi a 1ª faixa do álbum quase toda (à despeito do vendedor, coitado, que precisava me tirar lá de dentro), faixa que não estava na fita cassete, e meio que sem saber o que pensar ou esperar, entendi (ou acho que entendi) que aquilo não era só rock pesado, era algo a mais e que eu queria muito, mas muito mesmo, ter para mim. “War Pigs” sempre me pareceu maior do que uma simples faixa de abertura — é quase uma sinfonia sombria dividida em partes. O riff principal é um terremoto, mas é a forma como Ozzy canta aquelas letras que mais me marcou naquele sábado, como se ele fosse um profeta apocalíptico alertando para o que viria. Como era um disco, naquele dia, mais caro do que minhas parcas posses, precisei esperar duas longas semanas para voltar lá e compra-lo, somente após ter saído o pagamento da minha mãe e ela ter completado o que me faltava, esse álbum era meu maior sonho e nunca, em todos esses anos, vivi esse desejo da mesma forma e intensidade… você nem imagina o quão feliz eu fiquei quando finalmente o comprei! Até hoje, quando a escuto, tenho a sensação de que estou ouvindo a própria gênese do heavy metal e, igualmente, a minha gênese pessoal do amor pelo rock. Somente agora, cerca de 40 décadas depois, escrevendo este texto, me dei conta de que era um sábado…
9. “Sweet Leaf” – Master of Reality (1971)
O riff inicial é daqueles que grudam na alma. Para mim, é impossível não lembrar da juventude, das primeiras descobertas musicais e daquela sensação de liberdade descompromissada que só o rock traz. Sempre achei curioso como uma música tão direta, com letra tão específica, pudesse soar tão universal (“Você me introduziu à minha mente”). Se “Black Sabbath” é o hino oficial da banda, “Sweet Leaf” é um hino à devoção — e mostra Tony Iommi, tal qual um maestro, em seu auge criativo que dura até hoje, inventando um som que viria a ser copiado por gerações, com Ozzy cantando de modo original e aparentemente simples (vá conferir o show de despedida deles e veja a dificuldade de vários grandes vocalistas em reproduzi-lo), com Geezer Butler mandando ver no baixo e com um dos caras mais subestimados do rock, o monstro Bill Ward, pesado, marcial e sombrio.
8. “Into the Void” – Master of Reality (1971)
Essa faixa é um mergulho em uma constelação de riffs. A primeira vez que a ouvi foi num fone de ouvido velho só com um lado funcionando, na casa de um grande amigo de infância, o Marx, que infelizmente nunca mais vi, e a sensação era de estar sendo sugado por uma parede de som. É Sabbath em sua forma mais elaborada, com seus movimentos, suas ambientações, suas paisagens sonoras, como se eles estivessem criando não apenas música, mas um novo elemento químico — pesado, denso e inescapável, do qual, a partir de muitas misturas, todo o mundo que veio depois fez algum tipo de uso, até mesmo quem queria fazer outro tipo de som tinha esse elemento químico para renegar. Sempre que penso no impacto do doom metal e do stoner, volto a “Into the Void” como a pedra fundamental.
7. “Planet Caravan” – Paranoid (1970)
Eis o lado etéreo do Sabbath, com Tony Iommi na flauta, é mole?. “Planet Caravan” (como o Paranoid foi o meu primeiro álbum deles, só depois cheguei à “Solitude” do Master of Reality, que é irmã dessa e que amo igualmente) é a prova de que a banda não era apenas peso: havia também espaço para a sombria delicadeza cósmica. Lembro de ouvi-la numa madrugada, deitado na minha cama, pensando na vida como todo bom adolescente de 16 anos, e sentir realmente como se fosse uma viagem interplanetária. Gosto de ouvi-la de noite, olhando para o céu ou vendo uns clipes de YouTube que colocam imagens de planetas, sóis, estrelas. É uma canção de encantamento. Em meio à tempestade de riffs do Sabbath, “Planet Caravan” é a brisa suave e quente de uma madrugada, uma aula magna de psicodelia, que nos lembra que até no heavy metal há espaço para a contemplação do universo.

6. “Thrill of It All” – Sabotage (1975)
Essa é daquelas músicas que sempre me pergunto: por que não é mais lembrada? Uma curiosidade: The Thrill Of It All (2021) dá nome ao livro escrito por David Tangye e Graham Wright, dois ex-roadies e hoje dois pacatos senhores, e que é a versão atualizada, lançada por aqui também pela Editora Denfire de How Black Was Our Sabbath: An Unauthorised View From The Crew (2005); recomendo a leitura. “Thrill of It All” tem uma construção maravilhosa, alternando momentos pesados e outros quase progressivos — com bastante mérito para Iommi nos teclados nessa faixa, embora eu já tenha lido que o piano e os sintetizadores em Sabotage teriam sido gravados, em algumas faixas, por Gerald “Jezz” Woodroffe, outro colaborador da banda; se alguém souber algo sobre essa questão, não deixe de me esclarecer nos comentários. De qualquer forma, eu sempre gostei dessa versatilidade, como se o Sabbath estivesse testando até onde poderiam levar seu som sem perder a essência. É a faixa que mais gosto de revisitar no Sabotage, justamente porque mostra que eles não eram reféns das fórmulas e dos elementos que eles mesmos criaram e, ao mesmo tempo, era os gênios dessas mesmas fórmulas e elementos, pois essa canção é Black Sabbath até o talo, sem falar na soberba interpretação de Ozzy, uma de suas melhores realizações vocais.
5. “Tomorrow’s Dream” – Volume 4 (1972)
Existe uma melancolia nessa canção, para mim o melhor hard rock da banda, que me pegou desde a primeira audição. O riff é simples, mas devastador, e Ozzy canta lindamente aqui, como se estivesse carregando um fardo. “Tomorrow’s Dream” me lembra aqueles dias nublados em que tudo parece pesado, mas aí vem a música e começa a catarse na hora do refrão, sabe aquela hora em que parece que o sol vai sair? É Sabbath sem rodeios, direto ao ponto, mas carregado de emoção.
4. “Snowblind” – Volume 4 (1972)
Talvez nenhuma música resuma tão bem a dualidade entre prazer e destruição quanto “Snowblind”. Se em “Sweet Leaf” a ode é à maconha, aqui a coisa fica mais pesada com esse hino à cocaína. É pesada, envolvente, viciante — e carrega nas entrelinhas a confissão de uma banda mergulhada em excessos: “O que você consegue e o que você vê? / Coisas que não vêm facilmente / Sentindo feliz em minha veia / Cubos de gelo em meu cérebro / Cocaína // Algo explodindo em minha cabeça / O gelo do inverno logo se espalhará / A morte deixaria minha alma bem gelada / Me deixa feliz, me faz ir // Meus olhos são cegos mas eu posso ver / Os flocos de neve brilham na árvore / O sol já não me deixa livre / Eu sinto flocos de neve me congelando”. Rapaz, que viagem… Lembro de ouvir essa faixa bem alto, repetidas vezes, numa tarde chuvosa quando eu estava triste, lá pelos meus 15, 16 anos, e senti como se o próprio loop do riff fosse uma espécie de transe. Não é apenas uma das minhas favoritas, é também uma das que melhor retratam os anos 70 em sua crueza. Tony Iommi é o mestre dos riffs e, aqui, demonstra todas as suas artimanhas, com um de seus melhores solos — e olha que o homem tem mais ou menos uns 50 solos memoráveis —, bem como Ozzy entrega, na minha opinião, outra de suas melhores apresentações vocais. Bill Ward, sempre preciso, nos mostra o que Ringo Starr faria se fosse baterista de heavy Metal e Geezer Butler só não tem LER nos dedos porque Deus não quer.
3. “Sabbra Cadabra” – Sabbath Bloody Sabbath (1973)
Essa música sempre me soou como a mais ousada do Sabbath, quase flertando ora com um hard mais leve, ora com uma levada mais grooveada, ora como um progressivo psicodélico, e sempre perder a força. O baixo de Geezer Butler é absurdamente bom aqui, e os vocais de Ozzy têm uma alegria e energia raras dentro da discografia deles. Sempre gostei dessa sensação de festa estranha, de celebração sombria. “Sabbra Cadabra” me soa macabra, mesmo falando na letra de amor que “Me sinto tão bem, me sinto ótimo / Amo aquela garotinha sempre na minha mente / Ela me dá amor toda noite e dia / Nunca irei deixá-la / Nunca irei embora”, mesmo falando de um amor puro que inspira versos como “Alguém por quem viver / Me ame até o fim dos tempos / Me faz sentir tão feliz / Bom saber que ela é toda minha”, e mesmo com o refrão dizendo que “Amável dama me faça amor pela noite afora / Amável dama nunca me faça nada de errado / Eu não quero deixar você / Eu nunca quero deixar você / Nunca mais, não mais”, o jeito como Ozzy canta e a sonoridade da canção me levam muito mais para algo sombrio do que algo idílico. E a participação magistral de Rick Wakeman?! O tecladista tocou piano e Minimoog na música, e embora tenha quase se tornado membro da banda, o convite foi vetado por Ozzy Osbourne com receio de descaracterizar o som heavy metal, e o resultado de “Sabbra Cadabra”, ainda que primoroso para mim, para Ozzy significou um caminho em que ele não queria avançar. O fato é que a participação de Wakeman na canção foi antológica e, para compensá-lo, ele recebeu litros de cerveja em vez de pagamento! Nosso terceiro lugar fica, portanto, com essa canção de levada quebrada, diferente, e com aquelas mudanças de andamento perfeitas da banda, faixa que me lembra como o Sabbath, mesmo sendo os pais do metal, nunca tiveram medo de brincar com outras sonoridades.

2. “Hole in the Sky” – Sabotage (1975)
Se existe uma música que traduz o que é o Black Sabbath em poucos segundos, essa música é “Hole in the Sky”. O riff inicial é uma pancada seca, sem introdução, sem cerimônia, como um soco direto no estômago. E o final abrupto é igualmente genial, como se a música simplesmente explodisse. Para mim, é a definição da palavra impacto no heavy metal. Sempre que a escuto, lembro do choque da primeira vez: puro poder.
1. “The Wizard” – Black Sabbath (1970)
Minha favorita absoluta. A gaita logo no início sempre me arrebatou: parecia impossível que uma banda tão pesada começasse uma música com esse instrumento e ainda assim soasse tão incrível. “The Wizard” tem tudo o que eu amo no Sabbath: riffs cortantes, uma atmosfera mística, peso e a sensação de estar entrando em um mundo paralelo. Foi uma das primeiras que ouvi deles, e desde então nunca saiu do topo da minha lista pessoal. Para mim, é a canção que melhor define o encanto sombrio do Black Sabbath.