O Rock Ao Vivo em 1975 (Parte II)


Por Marcello Zapelini
Hoje, trago mais cinco discos para conhecermos alguns dos excelentes lançamentos ao vivo de 1975, junto de três bônus que são bastante conhecidos do leitor. E aproveito para convidar você a apreciar a primeira parte, que está aqui.
LOU REED – Live
As sobras de Rock’n’Roll Animal, talvez não tão bom quanto o “irmão” mais velho, mas ainda assim tem-se aqui um ótimo álbum, lançado pela gravadora após o fiasco de Metal Machine Music – já que Rock’n’Roll Animal fora bem-sucedido, este Live foi uma tentativa de fazer Lou ser comercialmente viável novamente. É sabido que, em 1973, Reed preparara um duplo ao vivo, mas a RCA vetou o projeto; o resultado saiu em 1975 como Lou Reed Live. A versão de “Vicious”, com seu riff ainda mais inspirado em “Louie Louie”, traz os ótimos Dick Wagner e Steve Hunter fazendo misérias nas guitarras, e abre muito bem o álbum. A bela “Sattelite of Love” ganha um andamento um pouquinho mais acelerado, e mais uma vez as guitarras ganham destaque. Em “Walk on the Wild Side”, o baixo de Prakash John não chama tanto a atenção quanto o de Herbie Flowers no original, mas o trabalho de guitarras no fundo dá um charme especial a esta versão. “Waiting for the Man” também está mais acelerada do que o original, e esta pode ser considerada uma das melhores versões do clássico. “Oh Jim” traz, mais uma vez, solos de guitarra fantásticos, num longo interlúdio instrumental que faz com que Lou Reed acabe se tornando um coadjuvante no seu próprio disco. E “Sad Song” encerra este álbum que, com seu “irmão” mais velho, representa uma exceção no universo do velho Lou: foi uma das poucas vezes que ele se rendeu ao que era comercialmente mais viável na sua época – outra foi quando ele encheu de eletrônica Mistrial, mas aí o resultado não foi tão bom. Para finalizar, uma nota pessoal: um amigo meu detestava Lou Reed, e emprestei este e Rock’n”Roll Animal; quando ele me devolveu, teve que admitir que os discos eram bons, mas não deu o braço a torcer, pois disse que faltava um vocal decente…
LYNYRD SKYNYRD – Live at the Cardiff Capitol Theatre 1975
Este pequeno CD (cerca de 50 minutos) foi gravado na capital do país de Gales e faz parte de uma coleção de authorized bootlegs que inclui outra gravação ao vivo do Lynyrd Skynyrd posterior (1976). Aqui temos o Lynyrd em sua configuração de sexteto, com dois guitarristas (Ed King já tinha saído e Steve Gaines ainda não tinha entrado); é impressionante como isso não diminuiu o poder de fogo do LS, pois a banda está em plena forma e o show (gravado para uma transmissão de rádio) é excelente. O rock come solto sem descanso até o final com a obrigatória “Free Bird”, numa sequência incrível de clássicos do grupo, começando com uma “Double Trouble” meio curtinha e seguindo com “I Ain’t the One” em que Allen Collins brilha na slide guitar. “The Needle and the Spoon” e “Saturday Night Special” são interpretadas com a faca nos dentes, e a voz de Ronnie van Zant está simplesmente perfeita nessa altura do show – curiosamente, o backing vocal de Leon Wilkeson na segunda música desapareceu no primeiro refrão, e é um elemento que sempre apreciei em “Saturday…”; parece ter sido falha da gravação, ou então o baixista dos chapéus esquisitos se esqueceu de se aproximar do microfone. “Gimme Three Steps”, “Whiskey Rock-a-Roller” e “Call me the Breeze” mantêm a festa para o gran finale com “Sweet Home Alabama” (quem conhece bem a versão perfeita de One More for the Road sente falta das Honkettes no backing vocal, embora o refrão traga o acompanhamento vocal de Wilkeson e Artimus Pyle) e “Free Bird” – ou seja, a banda deixou os hits para o final. Na configuração com duas guitarras, Billy Powell tinha um pouco mais de espaço, e ele o usa com o brilhantismo de sempre. E o final de “Free Bird” continua trazendo lágrimas aos olhos, mesmo que seja apenas Allen Collins soltando todos os bichos do zoológico em cima da base de Gary Rossington, e Collins está soberbo como em todas as versões que já tive a oportunidade de ouvir dessa música. Esse álbum não substitui o indispensável One More for the Road, mas se você é fã do Lynyrd Skynyrd, vai querer tê-lo para comparar como a banda soava com um guitarrista a menos. E se não for, recomendo dar outra chance ao grupo.
ROY BUCHANAN – Live Stock
Buchanan foi uma vez rotulado como o melhor guitarrista desconhecido do mundo, e este álbum ao vivo é uma prova de que o título era merecido. O homem tocava demais, não há como contestar, mas também fez de tudo para destruir sua carreira até morrer numa delegacia após ter sido preso por bebedeira. Neste seu primeiro disco ao vivo oficial, ele é acompanhado por Billy Pryce (vocal), Byrd Foster (bateria), John Harrison (baixo) e Malcolm Lukens (teclados). Após o clássico do rock’n’roll “Reelin’ and Rockin’”, “Hot ‘Cha” mostra ao mundo as razões para John Lennon ter desejado formar uma banda com Roy, Jeff Beck ser seu fã e os Stones o terem convidado para o lugar de Brian Jones. Na sequência, “Further On Up the Road” traz Buchanan fazendo um de seus solos baseados em palhetadas secas que eram sua marca registrada, e prepara para o grande momento do disco, “Roy’s Bluz”, em que ele canta com sua voz baixa e suave, e mostra todo seu talento num blues rasgado, lento, que serve de veículo para solos impressionantes. “I’m Evil” é outro blues com Roy no vocal principal (suas únicas composições no álbum são blues), e mais uma vez o cara prova que se, sua voz não era essas coisas, suas mãos faziam mágica numa guitarra. A balada soul “Can I Change my Mind” traz a Telecaster de Roy soando funky, como se ele quisesse atestar sua versatilidade numa música que, à parte o longo solo de teclado, não faria feio num álbum como It’s Only Rock’n’Roll dos Rolling Stones). “I’m a Ram” também é mais funkeada, com Roy usando brevemente um pedal wah wah (ele normalmente plugava a guitarra direto no amplificador). Um disco essencial para quem gosta de uma boa guitarra blueseira.
TRAPEZE – Live at Boat Club 1975
O Trapeze em 1975 não tinha Glenn Hughes, mas nem por isso era desinteressante. O grupo mantinha os fundadores Mel Galley (“promovido” a vocalista principal, além da guitarra) e Dave Holland (bateria), mais Rob Kendrick (guitarra), Pete Wright (baixo) e, como convidado, Terry Rowley (que participara do primeiro disco do grupo e saíra logo depois) num sintetizador discreto em poucas músicas. A qualidade de gravação é meio fraca, mas o show é bom e Galley canta muito bem as músicas que Hughes imortalizara, além de apresentar material da nova configuração da banda. No repertório, três músicas de Medusa (a faixa-título, “Jury” e “Black Cloud”, todas em versões mais longas que as originais), duas de You Are the Music – We’re Just the Band (“You Are the Music” e “Jury”), “Back Street Love” de Hot Wire (de 1974, primeiro disco sem Glenn Hughes) e três de Trapeze (1975 – “Star Breaker”, a bizarra cover para “Sunny Side of the Street” e “The Raid”) em cerca de 69 minutos. As novas músicas são boas (em especial a hard rocker “Back Street Love”, que abre o show) e trazem um Trapeze mais rocker e menos funky, mas o principal destaque acaba sendo realmente o material gravado originalmente com Hughes, e quero mencionar especialmente a enorme (mais de 15 minutos) versão de “Black Cloud”, que começa com os dois guitarristas trocando riffs sobre uma base mais acelerada de Dave Holland, até entrar na música propriamente dita, e tem um longo interlúdio em que Galley e Kendrick se desafiam mutuamente. Só não é a melhor versão do clássico porque Mel não canta tão bem quanto Glenn, e o eco que colocam em seu vocal me desagrada um pouco. “The Raid” encerra o disco com a mesma vibe que o inicia, com seu riff que lembra um pouco o de “You Really Got Me” do The Kinks e Mel gritando “I wanna take you higher” como Sly Stone. O álbum traz no encarte uma pequena história do grupo e uma memória de Mel Galley, além de várias fotos em preto e branco.
UTOPIA – Another Live
O combo prog-pop de Todd Rundgren lançou seu segundo disco em 1975, usando gravações feitas em dois shows em agosto daquele ano. A banda tinha se modificado um pouco em relação ao primeiro LP (que mesclava material ao vivo e de estúdio), incorporando Roger Powell (sintetizador, trompete, vocal) e John “Willie” Wilcox (bateria, vocal), que, junto com Kasim Sulton e o próprio Rundgren, formariam a banda pelos anos seguintes. Neste álbum, além de Rundgren, Powell e Wilcox, tem-se Ralph Schuckett (teclados, acordeão, vocais), Mark “Moogy” Klingman (teclados, sintetizador, vocal) e John Siegler (baixo, vocal). O lado A é formado por músicas inéditas e abre com “Another Life”, que estabeleceria o padrão do disco: bom trabalho de vocais, camadas de teclados e a guitarra de Rundgren escapulindo de vez em quando e ganhando o merecido destaque. A pop “The Wheel” faz o público bater palmas enquanto Rundgren solta a voz. “The Seven Rays” dá mais destaque à guitarra, mas o solo de sintetizador (de Roger Powell?) também é muito interessante. Virando o disco, “Intro/Mr. Triscuits” apresenta as credenciais progressivas do grupo numa bela instrumental. “Something’s Coming” não voa tão alto quanto a versão do Yes, mas continua uma bela música no arranjo do Utopia, enquanto “Heavy Metal Kids” é uma regravação da carreira solo de Todd; impressionante como lembra Queen! “Do Ya” é a mesma do The Move/Electric Light Orchestra, e a versão da turma de Rundgren é bem fiel à original – o que é bom, pois a música é ótima. “Just One Victory” encerra o álbum em alto astral. Confesso que prefiro o Utopia mais pop dos anos 80 ao dos primeiros discos, mas Another Live é uma boa demonstração do que a banda podia fazer num palco. Todd Rundgren, na minha opinião, é um músico genial que em muitos momentos prefere se esquecer disso e faz uns discos que ninguém, nem o fã mais ardoroso, consegue defender. Felizmente Another Live não está nessa lista.
Bonus tracks
Como bônus, sugiro dois álbuns ao vivo que já foram resenhados anteriormente (Kiss e Alex Harvey), por isso serão mencionados rapidamente e um dos discos mais importantes da história no seu gênero, o famoso Live de Bob Marley – não gosto de reggae, mas respeito bastante Marley e considero esse disco essencial para quem quer conhecer o ritmo jamaicano no seu melhor.
KISS – Alive!
O Kiss precisava de um sucesso em 1975, e optou por um duplo ao vivo. Deu certo, pois Alive! bateu as vendas dos álbuns anteriores. É verdade que é um ao vivo pero no mucho, pois as “mexidas” em estúdio foram muitas (mesmo a foto da capa foi tirada em estúdio), algo que a banda e o produtor Eddie Kramer reconhecem, mas o que importa é que as novas versões das músicas são superiores às de estúdio e o clima de “ao vivo” é contagiante. O primeiro disco é praticamente impecável (só “Firehouse” e “She” não fariam parte de um setlist que eu gostaria de ver ao vivo), o segundo é prejudicado pelo desnecessariamente longo solo de Peter Criss (e a enrolação de Paul Stanley) em “100.000 Years” (mesmo os fãs mais ardorosos do Kiss admitem que o Catman não é grandes coisas como baterista), mas tem bastante coisa boa no meio, destacando-se “Rock Bottom”, “Black Diamond” e a dobradinha de encerramento com “Rock’n’Roll All Nite” e “Let Me Go Rock’n’Roll”). Pessoalmente, acho o Kiss uma banda um tanto superestimada, mas Alive! é um dos melhores ao vivo da história, e ponto final.
THE SENSATIONAL ALEX HARVEY BAND – Live
Este Live só não é melhor porque não é duplo. O doidão Alex Harvey e sua sensacional banda faziam um dos melhores shows de rock da Inglaterra na metade dos anos 70, e este álbum gravado no Hammersmith mostra várias facetas do grupo em suas seis músicas (mais a “fanfarra” introdutória). “The Faith Healer” e “Tomahawk Kid” mostram que a banda não tinha vindo para brincar, com Zal Cleminson, Chris Glen e os irmãos Ted e Hugh McKenna dando o melhor de si para Harvey brilhar. A longa “Vambo” dá ao guitarrista Cleminson espaço para brilhar e, verdade seja dita, o sujeito é fera. O grande destaque para mim é “Framed”, que corporifica o que a SAHB tinha de melhor; o clássico meio bluesy de Leiber e Stoller nunca soou melhor do que na longa versão da turma de Alex. E, claro, não dá para deixar de destacar a versão canalha de “Delilah”, em que Alex e sua turma deitam e rolam em cima de uma música celebrizada por Tom Jones – dá para imaginar alguém com uma voz como a de Alex Harvey cantando uma música feita para um cantor com registro de barítono? A SAHB durou relativamente pouco tempo e Alex Harvey morreu em 1982 quando tentava trazer a banda de volta, mas sobrou este ótimo Live (e mais um punhado de discos finíssimos!) para quem procura rock para se divertir.
BOB MARLEY & THE WAILERS – Live!
Falando francamente, não gosto de reggae, mas não considerar este disco na lista de 1975 seria um erro sério, pois é um dos grandes responsáveis por popularizar o ritmo jamaicano no mundo. Com sua banda de ases (os irmãos Barret, o ótimo guitarrista Al Anderson, entre outros), Bob leva o público londrino do Lyceum Theatre de Londres à loucura com algumas de suas músicas mais conhecidas até então, como “Trenchtown Rock”, “No Woman No Cry” (primeiro hit internacional de Marley), “I Shot the Sheriff” e “Get Up Stand Up”, formando uma das melhores introduções possíveis ao trabalho do mestre do reggae. É verdade que as músicas foram extraídas de apenas dois discos de estúdio, mas o fato é que as versões ao vivo superam as originais: Marley sabia como conduzir o público e tinha uma banda de apoio que conseguia brilhar mesmo com arranjos enxutos e pouco espaço para improvisos. A versão original trazia apenas sete músicas, acrescidas de “Kinky Reggae” na remaster de 2001; em 2016 uma edição deluxe (3 CDs) trouxe os dois shows completos gravados para o álbum.