O rock ao vivo em 1975 (Parte I)

O rock ao vivo em 1975 (Parte I)
Eric Clapton ao vivo em 1975, e a Grand Funk Railroad (acima), caught in the act em 1975

Por Marcello Zapelini

O ano de 1975 foi pródigo em bons discos, como a recente recuperação dos melhores do ano da Consultoria demonstrou. Quando se trata de discos ao vivo, os lançamentos não ficam muito atrás, como a lista de escolhidos irá provar. Fazê-la, entretanto, rendeu um problema: dois dos melhores discos ao vivo do ano já foram resenhados nos Templos do Rock, mas seria uma injustiça não os mencionar. Além disso, o Deep Purple tem diversas gravações ao vivo feitas em 1975, algumas com Ritchie Blackmore, outras com Tommy Bolin; escolher uma seria desprezar as outras, por isso optei por não as considerar na lista.

1975 é marcado por alguns eventos interessantes: Bob Dylan concebeu sua Rolling Thunder Revue como uma “caravana” itinerante de músicos que se reuniam e se apresentavam sem nenhuma divulgação prévia, incluindo Roger McGuinn e Joan Baez; o Led Zeppelin quebrava seus próprios recordes em turnê que atingiria seu apogeu na apoteótica sequência de shows na Earl’s Court Arena de Londres; Rolling Stones anunciaram sua Tour of Americas, que acabou se restringindo aos EUA e Canadá, pois, com a proibição dos shows no Brasil, ir à Venezuela se tornou antieconômico (e os anunciados shows no México também foram cancelados); Pink Floyd apresentava Dark Side of the Moon e Wish You Were Here na íntegra em shows com bela produção de palco; a turnê americana de Elton John ajudou a sedimentar seu nome como um dos principais rockstars da época; The Who fazia um show no Pontiac Silverdome para 78.000 pessoas – recorde de público na época; Alice Cooper introduzia cenários e coreografia fortemente elaborados na teatralizada Welcome to my Nightmare Tour; Paul McCartney fez seus primeiros shows nos EUA desde 1966; o Genesis fez sua última turnê com Peter Gabriel; e Bruce Springsteen se tornava uma estrela com sua Born to Run Tour.

No entanto, várias dessas turnês não têm registros ao vivo oficiais até hoje, ou então apenas trechos de shows foram disponibilizados. Assim, minha lista acaba não tendo Zeppelin, Floyd ou Who – e deixa os Stones para outra ocasião. Antes de passar para ela, é preciso ter algumas coisinhas em mente:

a) Alguns dos álbuns escolhidos não foram lançados na época, mas anos depois, caso do Lynyrd Skynyrd, do Trapeze e do Earth Wind & Fire;

b) Pelo menos um dos escolhidos contém gravações feitas bastante tempo antes – Lou Reed Live. Lou preparara um álbum duplo quando fizera seu Rock’n’Roll Animal, mas a gravadora vetou e na época;

c) As escolhas se deram meramente por gosto pessoal e nada mais. Selecionei dez álbuns ao vivo que considero bastante interessantes, mesmo que alguns deles às vezes não sejam muito valorizados. Como sempre adoto, o critério para a escolha é simplesmente o meu gosto pessoal. E fica a sugestão: se você que lê este artigo conhecer um bom disco ao vivo gravado em 1975, coloca lá nos comentários para que eu saiba do que foi que me esqueci!


BLUE ÖYSTER CULT – On Your Feet Or On Your Knees

O quarto álbum – e primeiro ao vivo – do Blue Öyster Cult pode ser visto, em retrospecto, como o fechamento de uma fase da carreira do grupo; o hard/heavy misterioso dos três primeiros álbuns (a trilogia em branco-e-preto) daria lugar a um som um pouco mais comercial, mas ainda embasado em letras diferenciadas, que aparece em “Spectres” e “Agents of Fortune”. Gravado em abril e outubro de 1974, em sete locais diferentes nos EUA e Canadá, o álbum começa meio devagar com “The Subhuman” (gosto da música, mas tinha coisa melhor para abrir o show, como “Dominance and Submission”, por exemplo), mas ganha peso e energia com “Harvester of Eyes”, “Hot Rails to Hell” (a melhor versão do clássico) e uma frenética “The Red and the Black”. Outros destaques incluem as ótimas versões para “Cities on Flame” e “ME 262”, mas não é exagero dizer que o álbum é uniformemente bom. Incluindo material dos três primeiros discos, a instrumental “Buck’s Boogie” (em uma versão editada, pois os solos foram cortados), à época inédita nos discos anteriores, mais covers para “Born to be Wild” e “I Ain’t Got You” (com letra modificada e rebatizada como “Maserati GT” – que incorpora um trecho de “Buck’s Boogie”), On Your Feet or On Your Knees é um ótimo registro do poderio do BÖC no palco em seu começo de carreira, com destaque para os ótimos solos de Buck Dharma na guitarra, embora o excelente Allen Lanier se mostre igualmente habilidoso na guitarra e nos teclados; os vocais estão tão bem gravados que me deixam com dúvida se não foram mexidos em estúdio. O álbum original compensava a capa esquisita com um encarte de quatro páginas com fotos dos shows.

EARTH WIND & FIRE – That’s the Way of the World – Alive in ‘75 (lançado em 2002)

A banda de Maurice White estava no topo da forma, mas ainda não tinha atingido o auge do sucesso. Gravado em diferentes arenas nos EUA em 1975, o álbum traz Maurice White (vocais, percussão e kalimba), Philip Bailey (vocais e percussão), Verdine White (baixo e vocais), Larry Dunn (teclados), Johnny Graham (guitarra) e Al McKay (guitarra e vocais), Fred White e Ralph Johnson (bateria e percussão) e a seção de metais com Don Myrick, Michael Harris, Louis Satterfield e Andrew Woolfolk. O EWF lançou seu primeiro álbum ao vivo, o duplo “Gratitude”, em 1975, mas este lançamento mais recente traz repertório diferente em outros shows. Os vocais se harmonizam perfeitamente, os guitarristas mantêm o funk rolando e se alternam em solos, Verdine White é um monstro no baixo, e os metais dão um colorido especial às músicas. Após uma introdução pré-gravada, “Shining Star”, “Happy Feelin’”, “Yearnin’ Learnin’” e “Sun Goddess” botam todo mundo para dançar, tornando o “Interlude” após a quarta música uma pausa bem necessária. “Evil” retoma a festa, que prossegue com “Kalimba Story”, a baladinha “Reasons” (com o insuperável falsete de Bailey) e “Mighty Mighty”, até o final com “That’s the Way of the World”. Há quem me olhe esquisito quando digo que gosto de funk, e sou obrigado a explicar que o funk que aprecio não tem nada a ver com aquela bobajada semipornográfica que circula por aí, e sim coisas como o Earth Wind & Fire, uma banda formada por gente absurdamente talentosa que sabia fazer música para a cabeça e para os pés.

ERIC CLAPTON – E. C. Was Here

Depois de dois discos de estúdio em que Clapton manteve sua guitarra em versão diet, a gravadora decidiu que deveria lançar um ao vivo que provasse que ele ainda era um guitar hero. O problema é que o Slowhand, ainda se recuperando do vício em heroína, não estava muito seguro da sua relevância nem de suas habilidades, e por causa disso o guitarrista George Terry acaba ganhando um destaque incomum. O repertório do álbum, fortemente calcado no blues, inclui apenas seis músicas, “Have You Ever Loved a Woman”, “Presence of the Lord”, “Drifting Blues” (cuja versão original no LP era cerca de 1/3 da completa, disponibilizada apenas nos CDs – acho que foi cortada porque Clapton a interpreta em medley com “Rambling on My Mind”), “Can’t Find My Way Home”, “Rambling on My Mind” e “Further On Up the Road” – ou seja, traz os cavalos de batalha do repertório de Clapton misturado com músicas menos comuns. Já na abertura percebe-se que Terry ocupa mais espaço que Eric, tornando esta versão de “Have You Ever…” diferente de outras presentes nos álbuns do guitarrista. As vocalistas Yvonne Elliman e Marcy Levy ganham destaque em “Can’t Find My Way Home” (em bela versão) e em “Presence of the Lord”, aqui tornada excessivamente lenta, quase arrastada, salva pelo trecho nstrumental em que mais uma vez Terry se destaca mais que o chefe. Após “Rambling on My Mind”, mais uma vez um pouco arrastada, “Further On Up the Road” encerra o disco de maneira bem animada. Material adicional dos shows compilados para este álbum (no Hammersmith Odeon, Nassau Civic Center e Long Beach Arena) seria incluído na box set “Crossroads 2 Live in the Seventies” e em
“Give Me Strenght: The ‘74/’75 Recordings”, que no final das contas se tornam opções bem mais interessantes para um fã de Clapton. De todo modo, E. C. Was Here chegou a uma respeitável 20ª posição nos EUA e ainda é válido como registro dos shows do guitarrista na metade dos anos 70.

GRAND FUNK RAILROAD – Caught in the Act

O segundo duplo ao vivo do Grand Funk Railroad foi lançado em 1975 e, de acordo com a parte interna da capa, gravado no mesmo ano – mas não há menção a datas e locais. A banda se apresenta na sua configuração de quarteto que inclui Craig Frost nos teclados e backing vocals junto a Mark, Don & Mel, e conta com o acréscimo das Funkettes (Jane Giglio e Lorraine Feather) engrossando os backing vocals. A banda tivera um ritmo frenético no começo dos anos 70, com nove álbuns de estúdio, um ao vivo e uma coletânea oficial lançados entre 1969 e 1974, e Caught in the Act deu à banda a chance de respirar um pouco. Ainda que haja alguma sobreposição entre este álbum e o anterior (Live Album, de 1970), pois “Heartbreaker”, “Inside Looking Out” e “T.N.U.C.” aparecem nos dois discos, isso não chega a ser problema pois em cinco anos a banda evoluíra bastante e incorporara o tecladista Frost. É interessante observar que o repertório inclui pelo menos uma música de cada disco de estúdio da banda, e os maiores sucessos do grupo são apresentados em versões cheias de energia, às quais o público responde à altura, vibrando e gritando. Em Caught in the Act, as versões de “Rock’n’Roll Soul”, “Closer to Home” (em versão mais curta do que a original – o que é uma vantagem), a funky “Shinin’ On” (com belo vocal de Don Brewer), a cover para a jurássica “The Loco-Motion”, “We’re An American Band” (com uma bizarra introdução pré-gravada) e “Inside Looking Out” (superior à registrada em Live Album) são destaques num álbum praticamente perfeito. O vinil duplo original foi espremido num único CD em 2003, na edição que se tornou “canônica”, por meio do corte da “Introduction”, que abria o lado A do primeiro LP, e da diminuição dos aplausos e do papo com a plateia entre as músicas; em compensação, tanto “T.N.U.C.” (com solo de bateria desnecessariamente longo) quanto “Gimme Shelter” ganharam alguns segundos a mais. Se alguém tiver curiosidade, a introdução cortada do CD foi parar como hidden track após “Some Kind of Wonderful”, em All the Girls in the World Beware!. Mas acho que um fanático pelo Grand Funk precisa ter tanto o LP quanto o CD!

KING CRIMSON – USA

Em 1973-74, Robert Fripp fez muitas gravações ao vivo do Crimson, algumas das quais (sem o ruído da plateia) fizeram parte de Starless & Bible Black e Red. Outras formaram o segundo ao vivo oficial do grupo, lançado em 1975 e trazendo a formação com Fripp (guitarra e mellotron), John Wetton (baixo e vocal), David Cross (violino e mellotron) e Bill Bruford (bateria e percussão). Gravado quase inteiramente num show no Asbury Park de New Jersey em 28 de junho de 1974, o álbum inclui alguns overdubs de violino e piano elétrico feitos por Eddie Jobson, pois David Cross tinha sido demitido do grupo pouco depois da gravação, e em alguns trechos o som ficara de má qualidade. O álbum se concentra em material mais recente do grupo, com apenas “21st. Century Schizoid Man” representando as primeiras encarnações do Rei Escarlate; uma das improvisações do show, “Asbury Park” (iniciada pela bateria de Bruford), também foi incluída (ainda que em versão editada). Três músicas provêm de “Larks Tongues in Aspic: “Easy Money” (também infelizmente editada), “Larks Tongues in Aspic Part 2” e “Exiles” (com desempenho fantástico de Wetton no vocal), todas em versões simplesmente fantásticas, com “Lament” sendo a única representante de Starless and Bible Black. A reedição em CD de 2002 trouxe mais duas músicas: “Fracture” (de Starless and Bible Black) e “Starless” (essa última em uma versão memorável) representando Red. Atualmente, o show completo está disponível na box set The Road to Red. USA matou um pouco a fome dos fãs quando foi lançado, mas hoje em dia não ranqueia muito alto entre as gravações da época lançadas por Fripp ao longo dos anos, disponíveis nas boxes Starless e The Road to Red. Pelo menos USA é fácil de obter por aí a um preço acessível.

Em alguns dias irei ampliar esta lista, com mais discos ao vivo fundamentais lançados e/ou registrados em 1975.

2 comentários sobre “O rock ao vivo em 1975 (Parte I)

  1. Só discaços dentre os selecionados, Marcello! O E, W & F é o único que não ouvi, pois não é um estilo musical que costumo escutar e me dedicar, mas, dos demais, nada a reclamar! USA acabou, mesmo, superado por lançamentos posteriores com gravações da mesma época, e o do BÖC talvez seja o meu ao vivo favorito deles. O de Clapton é bom “pero no mucho”, mas o acho melhor do que os ao vivo posteriores das décadas de 80 e 90 (já com uma sonoridade mais “pasteurizada”, como era padrão), e o GFR, apesar de ser outra banda para a qual meus ouvidos também não são muito atraídos, mostra muito bem o poder de fogo do grupo nos palcos! Parabéns pelo texto e pelas escolhas.

  2. Que postagem massa, Marcello, parabéns! 1975 é, para mim, um dos grandes anos da música! Dos discos mencionados, não conheço nem o do Blue Öyster Cult (não tenho uma opinião formada sobre eles) e nem o do King Crimson – banda que não consigo gostar (e olha que eu tento)… Mas como indicou-os tão bem, quem sabe, vou arriscar…
    Quanto à indicação do ao vivo do Clapton, achei massa, fugiu do óbvio; eu, particularmente, sou fã desse disco. Já os do Gran Funk e o do Earth, Wind and Fire são fabulosos, nem há o que acrescentar ao seu texto.
    Por fim, como disse que vai expandir a sua lista, não vou mencionar os que não constam nessa e que são mais óbvios de te ver comentando (Kiss, por exemplo), mas sim um que eu admiro bastante: Bob Marley & The Wailers – Live! Sei que não deve ser seu gênero de predileção, mas esse álbum alçou o reggae a patamares estratosféricos mundo afora e é bem bacana de se ouvir inteiro, sem pular nenhuma.

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