Bruce Dickinson – Tattooed Millionaire [1990]

Bruce Dickinson – Tattooed Millionaire [1990]

Por Davi Pascale

 

Em 08 de Maio de 1990, chegava às lojas Tattooed Millionaire, primeiro disco solo de Bruce Dickinson, conhecido e idolatrado por seu trabalho ao lado do Iron Maiden. Como você  já deve estar imaginando, não demorou muito para que as especulações começassem: “Será que o Iron acabou?”, “Será que Bruce Dickinson deixou a banda?”. Nem uma coisa, nem outra. A turma de Steve Harris não tinha planos para aposentadoria e Bruce também não desejava largar o posto. Ao menos, ainda não…

O álbum surgiu de maneira despretensiosa. Enquanto os músicos desfrutavam de merecidas férias após concluírem a tour de Seventh Son of a Seventh Son, o cantor recebeu um telefonema de Ralph Simon, cofundador da Zomba Music: “Quer fazer uma trilha sonora”?

Bruce arregalou os olhos, acreditando que aquela poderia ser uma experiência interessante. Já havia um tempo que o rapaz nutria o desejo por um trabalho solo. Portanto, deve ter sido um verdadeiro banho de água fria quando descobriu que não escreveria um álbum por completo. Seria apenas uma música para o mais novo filme de Freddy Krueger: A Nightmare on Elm Street 5: The Dream Child (no Brasil: A Hora do Pesadelo 5 – O Maior Horror de Freddy). O primeiro passo foi convidar seu amigo, Janick Gers, para a nova empreitada.

Os músicos se conheciam há tempos, desde quando Dickinson ainda atendia pelo nome de Bruce Bruce. Nessa época, o performático guitarrista fazia parte do White Spirit. Janick – que havia tocado há pouco com Bruce no Prince´s Trust – havia comentado que estava colocando todo seu equipamento à venda, desiludido com os rumos da indústria musical, e fazendo curso de sociologia, para mais tarde começar a dar aulas. Só que o cara era bom demais para, simplesmente, largar tudo e virar professor…

“Bruce me telefonou e fui vê-lo. Ele mostrou algumas canções com uma sonoridade meio AC/DC. Em uma delas, lhe disse que poderia ser diferente, inseri alguns acordes, enquanto ele fez o refrão… Gravamos em um ou dois dias e ficou ótima! O nome da música? ‘Bring Your Daughter… To The Slaughter’”.

A dupla ficou animada com a composição, acharam que tinha a ver com o projeto e enviaram para os responsáveis pela trilha. O pessoal da Zomba Music adorou o material e logo entraram em contato com o cantor perguntando se tinham mais coisas assim. “É claro que sim, porra”. Só que não… Logo, a dupla teve que se reunir novamente para criar o conteúdo do álbum.

Trouxeram para o time, os mesmos músicos que os ajudaram na gravação de “Bring Your Daughter…”. Ou seja, o baterista Fabio Del Rio, do Jagged Edge (banda que tinha o mesmo empresário do Iron Maiden, Rod Smallwood) e o baixista Andy Carr, do 3 Rivers. “Eu não precisava de um baixista complicado, de um virtuose. Tudo que eu precisava era de um baixista sólido de rock n´ roll”.

Músicos definidos, repertório pronto, era hora de começar as gravações. Para registrar o material, o grupo se trancou no Battery Studios (o mesmo local onde foi gravado o clássico The Number of the Beast), acompanhados de Chris Tsangarides (Y&T, Judas Priest, Yngwie Malmsteen). Todo o processo de criação desse material – contando desde as primeiras composições na residência de Janick Gers até a masterização final – durou pouco mais de 2 meses.

O LP começa com 3 de suas melhores músicas na sequência. “Son of a Gun” é provavelmente a mais pesada e a que mais se aproxima do universo do Maiden. Contando com um forte refrão, é um som que caberia em um álbum como No Prayer For The Dying, facilmente.

“Tattooed Millionaire” já é mais hard rock, mais radiofônica. A letra é, na verdade, uma crítica às bandas de hair metal que estavam em ascensão. Para o cantor, aquela cena era muito voltada à imagem e pouco voltada à música, mas… havia algum rockstar, em especial, que serviu de inspiração? Ao que tudo indica, sim. Durante muito tempo, acreditava-se que a letra era dirigida ao Nikki Sixx (para quem não sabe, o baixista do Motley Crue teve um caso com a esposa de Dickinson), mas em entrevista ao ZN84, realizada em 1998, o cantor admitiu que a música era dedicada ao Axl Rose. “Nunca conheci alguém tão egoísta e cruel quanto ele”.

Na sequência, temos a bonita balada “Born In 58”, com uma letra mais autobiográfica, remetendo ao tempo em que vivia em Nottinghamshire. “Hell On Wheels” vem a seguir. A faixa inicia com uma pegada meio AC/DC antes de cair em um refrão mais melódico, mais pegajoso. Do lado A, acredito que seja a mais fraquinha. Encerra o primeiro lado, a ótima balada “Gypsy Road”, que conta com um solo certeiro de Janick Gers: simples, mas eficiente.

No lado B, temos também 3 grandes destaques: o hard rock festeiro “Zulu Lulu”, a divertida “No Lies” (aliás, não sei é apenas comigo, mas sempre achei que a guitarra da introdução lembrava bastante “Bring Your Daughter…), além da releitura do clássico “All The Young Dudes”, onde os músicos conseguiram imprimir sua identidade sem descaracterizar a música. O resultado final ficou excelente! “Nós a tocamos no Prince´s Trust e é uma música que não costuma ser muito regravada. Para muitos, ela é sagrada, mas não damos bola para isso”. Como é bom viver na Inglaterra, né amigo? Aqui no Brasil, essa música foi gravada até pelo Dominó! E, acredite em mim, você não iria gostar do resultado final.

Bem… O disco ainda trazia as regulares “Lickin´ The Gun” (que conta com um ótimo riff de guitarra, com uma pegada bem anos 70, meio Aerosmith, meio Led Zeppelin, mas a linha vocal nunca me agradou) e “Dive! Dive! Dive!”, composição bem sem sal, mas que traz mais um riff bem bacana criado na veia dos bad boys from Boston (certeza que Janick andou ouvindo “Walk This Way” à exaustão antes de gravar esse som).

Aposto que você está pensando.. “Tá, mas o que aconteceu com ‘Bring Your Daughter… To The Slaughter’, a faixa que originou tudo isso”? A versão de Bruce Dickinson ficou restrita à trilha do filme, uma vez que o chefão Steve Harris pediu para não incluí-la no LP, já que planejava colocá-la no próximo trabalho do Iron Maiden (No Prayer For The Dying), o que de fato ocorreu, mas não sem antes regravá-la com algumas alterações no arranjo, o que nos leva à questão: “Se a música foi lançada na trilha, o Bruce cantou nos shows do disco, e a versão do Iron era outra, por que não deixou o cara utilizar a versão original em seu LP?”. Mistérios do rock n´roll…

 

Da esquerda para a direita: Fabio Del Rio, Andy Carr, Bruce Dickinson e Janick Gers.

 

No geral, Tattoed Millionaire, é um trabalho excelente, onde acredito que muitos torçam o nariz pelo fato dele ser mais focado no hard rock, de não ser um álbum de heavy metal. Os arranjos são mais simples e até mais comerciais quando comparados ao trabalho criado pela donzela de ferro. Contudo, acredito que o grande erro de boa parte dos ouvintes (e não me refiro somente aos fãs do Iron) é ficar criando expectativas além da conta. A melhor coisa é colocar um álbum para tocar, sem saber o que esperar, e ver o que ele te causa. Quem conseguir ouvir o LP se esquecendo que está ouvindo o cantor do Iron Maiden, irá encontrar um grande disco.

 

OBS: Os depoimentos presentes nessa reportagem foram retirados dos livros Run To The Hills: A Biografia Autorizada (Mick Wall), Para Que Serve Esse Botão: Bruce Dickinson – Uma Autobiografia e do texto criado por Dave Ling para a edição dupla de Tattooed Millionaire, lançada em 2005.

 

Faixas:

 

01) Son of a Gun

02) Tattoed Millionaire

03) Born In 58

04) Hell on Wheels

05) Gypsy Road

06) Dive! Dive! Dive!

07) All The Young Dudes

08) Lickin´ The Gun

09) Zulu Lulu

10) No Lies

15 comentários sobre “Bruce Dickinson – Tattooed Millionaire [1990]

  1. Gostei muito do texto, pois tem muitas coisas que eu não sabia sobre o processo de gestação do álbum (Gers querendo virar professor de sociologia, a treta com o Nikki Sixx, a música ser dedicada ao Axl Rose…). Eu sempre gostei desse disco, porque o Bruce não forçou a barra para soar parecido com o Iron Maiden; a rigor, se é para fazer algo igual ao de sua banda, para que gravar um disco solo? Phil Lynott já tinha cantado a pedra com seu “Solo in Soho”, onde ele gravou até reggae, coisa que não cabia no Thin Lizzy. Não acompanhei a carreira solo do Bruce porque sempre achei que o lugar dele era no Iron Maiden, só fui dar mais atenção mesmo ao mais recente, do ano passado – mas o texto me deu vontade não só de ouvir novamente o “Tattooed Millionaire”, que não escutava há tempos, e de ir atrás dos outros.
    Em tempo: ninguém, nem mesmo Bowie, supera o Mott The Hoople quando o assunto é “All the Young Dudes”, mas Bruce saiu-se bem.

    1. Obrigado, Marcello.

      Eu penso igual em relação à albuns solos. A vontade que ele tinha era justamente de explorar territórios diferentes. Até entendo o porquê do Bruce não gostar tanto desse álbum. Afinal, a gravadora pediu músicas que soassem como aquela que ele enviou, então ele não teve toda a liberdade criativa que gostaria e isso, para o artista, deve ser frustrante, mas eu gosto bastante desse disco. Tem muito fã do Iron que não gosta dos primeiros discos solo dele justamente por serem bem distantes do som do Iron. Eu curto. Acho as músicas muito boas, são bem tocados, bem gravados e não fico esperando que o cara soe igual à banda. Mesmo quando a banda lança algo, não me incomodo se mudarem de direção. Só me incomodo se o resultado final for tosco. Caso contrário, não tenho problemas. Em relação à “All The Young Dudes”, eu concordo com você. A versão do Mott The Hoople é imbatível!

  2. Não podemos deixar de comentar que Bring Your Daughter foi o único single número 1 do Iron Maiden. Algo inacreditável quando começamos a lembrar dos clássicos anteriores. Também teve o fato de que ele não levou apenas a músicas para o Iron Maiden, mas também o fiel escudeiro Gers. E pq o Gers não saiu do Maiden quando o Bruce o fez?

    1. Pois é, Fernando, muita gente critica o Janick. Acha que ele é showman demais, músico de menos. Não concordo! Acho que ele fez bons trabalhos de guitarra. Especialmente, em estúdio. Trabalho que ele fez com o Gillan é bacana. Mesmo no Tattooed Millionaire, o trabalho de guitarra dele é fodido.

  3. Que texto, Davi! Fiquei com muita vontade de ouvir o disco, de verdade – do Bruce Dickinson, conheço apenas “The Mandrake Project”, disco que curti bastante. E as histórias ao redor do disco que você traz tornam a obra mais interessante ainda, mesmo sem ainda tê-la ouvido. Parabéns!

    1. Obrigado, Marcelo. A carreira solo do Bruce Dickinson é muito boa. Vale a pena ouvir os discos dele. Se você curtiu bastante o último álbum, pode ir nos outros sem medo. Embora tenha gostado do último trabalho, acho que é o menos inspirado dele. E não sei se você conhece o trabalho dele com o Samson (a banda que ele cantava antes do Iron), mas, se não conhecer, vale a pena ouvir também. Especialmente, o álbum “Head On”. Da carreira solo, meus favoritos são o “Tattooed Millionaire”, o “Balls to Picasso”, o “Accident of Birth” e o “The Chemical Wedding”.

          1. Fagner, ao menos nos anos 70, tem uma discografia muito sólida. Gal Costa então, tem pelo menos duas obras primas no ano de 1969

          2. Gal Costa, tem coisas que eu eu gosto. Ela realmente fez grandes discos. O Fagner, eu não gosto dele cantando. Quem gosta dele aqui no site é o Marcelo Freire e o Mairon Machado.

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