Afinal, o que é o Hawkwind?

Afinal, o que é o Hawkwind?

Por Fernando Bueno

Um hábito de quem gosta, coleciona ou acompanha de maneira mais atenciosa os artistas musicais, de todos os gêneros, é classificá-lo dentro de certas “caixinhas”. Muitas vezes os próprios artistas se incomodam com essa prática, mas os fãs usam das inúmeras classificações para facilitar o entendimento, as conversas e indicações, a pesquisa e até mesmo a organização de suas coleções. Entretanto muitos artistas são de difícil classificação e isso ocorre por diversos motivos (de antemão, queria deixar claro que vou focar meu texto no rock e seus subgêneros, mas entendo que isso ocorre em outros grandes estilos musicais também). Vários são os artistas com carreiras longas que variaram muito ao longo do tempo. É natural que o músico tenha interesses distintos ao longo de sua carreira e isso se reflete em sua música. Outros acabam incorporando tantas influências dentro de sua música que os fãs ficam confusos até para identificar qual seria a linha mestra que guia a banda. E tem também aqueles grupos que são tão inovadores que praticamente criaram um estilo próprio que não se encaixa em nenhuma “gaveta” já existente. 

Para ilustrar melhor citarei a seguir algumas bandas dentro do rock para usarmos como exemplo.

King Crimson: criadores do rock progressivo, mas ao longo das décadas exploraram jazz, música clássica, ambient, metal e até elementos industriais.

The Mars Volta: pós-hardcore, rock progressivo, latinidades, psicodelia e jazz fusion convivem em composições longas e complexas.

Faith No More: misturam hard rock, funk, metal, rap, e pop de maneira pouco convencional. Foram precursores do “funk metal” mas sempre fugiram de rótulos fáceis.

Mr. Bungle: outra banda de Mike Patton, misturam metal, funk, ska, jazz, música de desenho animado, noise e mais, as vezes tudo na mesma música.

Radiohead: começaram como uma banda de rock alternativo/grunge, migraram para o experimentalismo eletrônico (Kid A, Amnesiac) e seguem mesclando art rock, ambient, e até música clássica contemporânea.

Porcupine Tree: começaram com influências psicodélicas e space rock, evoluindo para prog metal, alternativo e ambient com o tempo.

Tool: uma mistura singular de metal progressivo, psicodelia, arte visual e estruturas rítmicas complexas. Muito técnico, mas com atmosfera emocional densa.

Can: podia citar várias outras do chamado krautrock, mas o Can combinava improvisação, eletrônica primitiva, rock psicodélico e ritmos hipnóticos. Difícil dizer onde termina o rock e começa o transe sonoro.

Poderia citar também alguns até alguns mais óbvios como o Queen, Rush, Supertramp, Steely Dan, etc. A inspiração para esse texto foi um episódio mais recente do excelente PoeiraCast – a saber, episódio 505, Grandes Discos de 1985. Em algum momento Ricardo Alpendre comenta algo como ser um despropósito as pessoas considerarem o Hawkwind uma banda de progressivo. O argumento do apresentador do podcast se baseia no fato de que o rock progressivo é normalmente identificado como um estilo em que a técnica musical apurada é algo muito importante e, para ele, o Hawkwind é muito básico para poder ser enquadrado no estilo. Fiquei com isso na cabeça: o que tem que ter numa música para ser considerada rock progressivo? Porém uma certeza que eu tinha era de que eu sempre tinha considerado o Hawkwind como uma banda do estilo.

Então fiquei pensando. Por que o Hawkwind não é progressivo? E porque é? De certo modo, a banda é um dos progenitores da ‘inclassificabilidade’ no rock. Embora frequentemente chamados de space rock, o Hawkwind funde psicodelia, krautrock, progressivo, punk, eletrônica primitiva, e até proto-metal com uma pegada muito própria. Suas músicas podem ser longas jams cósmicas com sintetizadores barulhentos e saxofones, ou faixas curtas e diretas com energia punk e sempre com uma vibe de ficção científica, misticismo e viagem lisérgica. Foram um dos primeiros grupos a incorporar sintetizadores e efeitos eletrônicos em shows de rock ao vivo. Têm fases muito distintas: alguns álbuns são puramente psicodélicos, outros com grooves espaciais, outros com pegada mais metálica. Suas letras são inspiradas em ficção científica, especialmente nas colaborações com Michael Moorcock. E no fim das contas sempre os entendi como uma ponte entre o prog rock britânico, o krautrock alemão e o espírito anárquico do punk.

Como disse, durante muito tempo eu tinha o Hawkwind como um dos expoentes do space rock, e incluía nesse bolo o Pink Floyd até o Atom Heart Mother. Tudo bem, você pode até considerar o Hawkwind space rock, mas isso só cobre uma parte da história. Tudo depende dos discos que você conhece. E normalmente os primeiros que os ouvintes chegam são: In Search of Space (1971) que é a estreia da banda nesse estilo e ajudou a definir o que representaria esse estilo, Doremi Fasol Latido (1972), a estreia do Lemmy na banda com um baixo distorcido e muita psicodelia, Space Ritual (1973), um disco ao vivo cheio de viagens, spoken words e considerado um marco do estilo e Warrior on the Edge of Time (1975) que é um rock cósmico com estruturas mais complexas, momentos sinfônicos e poesia mística e esse sim altamente reverenciado por fãs de prog. Talvez seja até por isso que o trato como meu preferido.

Interessante também avaliar o quanto a banda foi influente para bandas de diversos estilos musicais distintos. Apesar de não ter sido um fenômeno de massa, exerceu uma influência abrangente em muitos grupos como, para ser óbvio logo no início, o Motorhead. Lemmy levou a crueza do som da banda, adicionou peso, velocidade e moldou o som de sua principal banda. Steve Harris já citou o Hawkwind como uma influência para o tipo de letras que o Iron Maiden começou a criar. Já Steven Wilson cita constantemente o grupo como uma referência. O Tangerine Dream, em seu space rock eletrônico, potencializa as viagens sonoras similares ao que o Hawkwind fez ao longo dos anos. Isso sem nomear todas as bandas de stoner que abusam dos riffs cavalares, repetitivos e hipnotizantes da mesma forma que a banda de Dave Brock, o único membro que continua na banda desde se início até hoje. Inúmeras foram as trocas de formações que ficaria extenso demais detalhar.

Os leitores podem ter suas opiniões contrárias, mas no fim das contas eu os encaixo mesmo no rótulo do rock progressivo por entender que o estilo desde o começo foi moldado por essa fusão de estilos que existiam desde o fim dos anos 60 até os dias de hoje. Muita coisa foi incorporada ou usada em dosagens mais cautelosas, mas podemos identificar praticamente todos os estilos do rock, jazz, blues, soul e até rock mais básico ao longo da história do rock progressivo, então, por que não colocar uma banda difícil de classificar nesse mesmo bolo? Por outro lado entendo que segue a máxima do próprio Lemmy que simplesmente dizia que tocava rock ‘n roll, ou seja, nada disso importa pois tudo é somente rock n’ roll. Mas e aí? E você? O que acha do Hawkwind?

 

9 comentários sobre “Afinal, o que é o Hawkwind?

  1. Para mim o Hawkwind é uma banda que criou um som bem pessoal, desviou-se dele, voltou para se desviar novamente, e quase sempre conseguiu manter sua identidade visível ao longo dos anos; o primeiro disco é bem diferente do que veio logo a seguir, mas dá para ver as sementes do Hawkwind Sound nas composições apresentadas. Eu considero o período entre 1971 e 1974 praticamente imbatível, e “Space Ritual” é injustamente esquecido nas listas de melhores discos ao vivo da história (inclusive na minha, hehehe). E os álbuns mais recentes do grupo que tive a oportunidade de ouvir são bastante interessantes, recuperando aquela identidade viajante do space rock do começo dos anos 70. Muita gente conhece a banda por causa da presença do Lemmy – vale a pena buscar o resto, sempre tem pérolas a serem garimpadas na discografia do grupo (a minha é cheia de furos, infelizmente, mas o que tenho deles é uniformemente bom).

    1. Ótima banda. Eu tenho os álbuns de estúdio dos anos 1970 e, sim, descobri por causa do Lemmy, Motörhead sempre foi uma das minhas preferidas.

      Eu sempre pensei neles apenas como rock, seguindo a lógica do Lemmy, mas também acho que caiba Progressivo, até mesmo pela profusão de sonoridades diferentes que eles abraçavam.

      Ótimo post!

  2. Bom texto Fernando. Não consigo classificar o Hawkwind como progressivo. Vamos lá, o que caracteriza o progressivo, ao meu ver, não é somente na técnica dos músicos (ninguém no pink floyd era um virtuoso em seu instrumento, mas era prog), ou nas letras viajandonas ou com temas sérios. O progressivo tem instrumentações similares em praticamente todas as bandas, como a presença do mellotron ou moog como teclas de destaque, as explorações instrumentais com arranjos de harmonias vocais que misturam-se de forma bastante trabalhada, entre outros. Mesmo grupos mais “singelos”, como Colosseum ou PFM, exploravam isso. E complementando isso, um trabalho reforçado na composição e criação das músicas. Pegando uma banda como o Rush, é nítida como a banda sai do mundo do hard rock dos dois primeiros discos para ser tornar o grande expoente do rock progressivo do Canadá quando passam a trabalhar suas músicas, o que não aparece no som e nas criações do Hawkwind, que são baseadas muito mais no improviso do que no trabalho efetivo de criação musical.
    Conhecendo relativamente bem a carreira do hawkwind, com discos no mínimo “fracos” nos anos 80, eles nunca fugiram da exploração individual da capacidade de criação, o que é o que o stoner faz como bem colocado no texto. Mas feito com muita viagem, o que então coloca na caixinha do Space Rock (vide o floyd pré-Atom, o UFO de UFO 2, o Tangerine Dream de Cyclone, etc).

  3. Legal Mairon!!!
    Temos um debate!!!
    O Hawkwind tem uma estrutura musical mais simples mesmo, mas as variações de clima e principalmente a sensação de qualquer coisa pode mudar em qualquer momento é algo que cativa (muitas vezes não muda nada…rs).

    1. Mas colocar ele como prog é totalmente inviável ao meu ver. Vou mudar o cenário e colocar o Jethro Tull. Muita gente coloca o Tull na caixinha do prog, mas o que a banda fez de prog mesmo foram 4 discos (Thick as a Brick, A Passion Play, Warchild e Minstrel in the Gallery). No mais é rock, folk rock, AOR, mas não prog. Portanto, Jethro Tull não é prog. Se for ver por essas questões de variações, então Led com “Kashmir” e “Carouselambra”, Sabbath com “Megalomania” e “Air Dance” e Purple com “April” ou o Concerto For Group and Orchestra inteiro poderiam ser classificadas como prog. Mas não são. Hawkwind é muito básico para ser prog, e mesmo Floyd também sendo básico demais, o Floyd tinha instrumentação e arranjos progs na essência, que desconheço nas músicas do Hawkwind. É Space Rock e pronto

      1. Eu vou facilitar as coisas: heavy, prog, space, o que quer que seja, não importa: Hawkwind é, na maior parte da sua carreira, bom demais!!
        Sempre que a gente tenta categorizar uma banda com uma sonoridade muito pessoal, muito própria, acaba quebrando a cara. O prog, mesmo, é difícil de categorizar, porque quem o define acaba caindo em rótulos que escapam a bandas importantes. Se pensar na influência de música clássica, o Pink Floyd praticamente não tem; na duração das músicas, o Gentle Giant nunca fez composições de dez minutos; discos conceituais, o Van der Graaf Generator nunca lançou nenhum.
        O Jethro Tull é outro caso… Outra banda que é boa demais na maior parte da sua carreira, que fez prog, folk, pop, blues, o que quer que passasse pela cabeça do Ian Anderson. Fica a sugestão de fazer uma matéria semelhante para o JT: “Afinal, o que é o Jethro Tull”?

        1. Olha…não seria ruim. E vou te falar uma coisa. Não sei pq não citei nominalmente a banda na matéria, pois ela era um das que eu iria colocar na lista e por algum motivo passou batido.

  4. Excelente texto, Fernando! Essas categorizações são sempre interessantes, problematizadoras e necessárias (até para que as contestemos). Confesso que Hawkwind não é uma banda da qual eu tenha, sequer, ouvido um álbum inteiro, então, a partir de seu texto, vou conhecê-los para poder responder a sua pergunta final. Por seu domínio do assunto, eu sugeriria que você fizesse uma lista do tipo “5 discos que estão na fronteira do progressivo” para ampliarmos o debate.

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