The Cure – Songs of a Lost World [2024]

The Cure – Songs of a Lost World [2024]

Por Antonio Candido

O The Cure, ou melhor, Robert Smith, não se importa em se adaptar ao mercado, pelo contrário, muitas vezes, ele cria a tendência para o mercado. Foi assim quando pariu a estética gótica nos anos 80 (ok, Peter Murphy e seu Bauhaus também ajudaram, mas quem foi mais famoso?) , foi assim quando, no início dos anos 90 lançou Mixed Up, um álbum de remixes. Robert Smith faz o que quer, do jeito que quer. Foi assim em toda sua carreira, e continua sendo assim. A história do cantor e sua banda está cheia de momentos em que a critica não acompanhou, e até desdenhou, seus trabalhos. É só ver a recepção para Pornography e seus companheiros de trilogia. E até mesmo Disintegration não foi ovacionado. Todos os discos, hoje, reconhecidos como obras-primas.

Mas The Cure está chegando no ponto de queda para qualquer banda. As inspirações diminuem, a criatividade também. Foi assim com todas as bandas grandes que tem uma carreira longeva. Fica fácil repetir o que vem dando certo, é fácil usar as fórmulas. Fazer mais do mesmo. Rolling Stones e U2 vem fazendo isso há anos. Mais musicas que não levam a lugar nenhum, mas que trazem aquele sabor de novidade com o retro-gosto de zona de conforto. Apresentado como o primeiro álbum de estúdio do Cure em 16 anos, o 14º da carreira, Songs of a Lost World chegou nas plataformas digitais em 1º de novembro de 2024. E nesse ponto, como fã, preciso confessar que o último álbum que teve algo que me agradou foi o criticado Wild Mood Swings, apesar de “Mint Car” e “The 13th”, o álbum ainda trazia resquícios dos trabalhos anteriores. “Numb”, “Bare” e “Jupiter Crash” são maravilhosas.

Da esquerda para a direita: Roger O’Donell, Simon Gallup, Robert Smith e Jason Cooper. The Cure em 2024

Mas daí vieram Bloodflowers, The Cure e 4:13 Dream. E eu tento escutá-los. Pelo menos uma vez por ano, pra ver se me empolgo. Nada. Foram, pra mim, discos que não tinham alma, não tinham sentimento. Pode ser que você, leitor, discorde. Mas para mim, algo não batia. Parecia alguém tentando emular Robert Smith. Talvez as coisas estivessem bem demais para o artista, talvez a veia tivesse secado. E não acho que sejam álbuns ruins, está lá a qualidade técnica, estão lá as letras, mas algo não ligava quando eu ouvia. Então chegamos ao objeto desse artigo, o álbum de retorno do Cure aos estúdios. Ouvi “Alone” e “Endsong” antes do álbum ser lançado, nas gravações dos shows e depois ao vivo, em Montevideo. Na hora que ouvi as duas sabia que vinha algo diferente. Algo que fugia da emulação. The Cure trazia novamente a dor e a tristeza que nos faz tão felizes. E o motivo? Não sei, mas tudo indica que as ultimas perdas de Robert Smith (pai, mãe e irmão) foram o combustível para essa volta tão boa. Estranho dizer isso, mas parece que mares calmos não fazem boas músicas para o Cure.

Pela primeira vez, desde Head On The Door, Robert Smith assina sozinho todas as faixas. Gravado no País de Gales, no Rockfield Studios, mesmo estúdio de “Bohemian Rapsody”, do Queen (banda que Robert Smith odeia), A Fareweel to Kings do Rush, (Whast the Story) morning Glory? Do Oasis, e Dreamtime do The Cult, entre outros álbuns. Todas as faixas trazem Robert Smith tocando um baixo de 6 cordas, guitarra e teclado, Simon Gallup no baixo, Reeves Gabrels na guitarra, Reeves Gabrels no teclado e Jason Cooper na bateria e percussão. Além disso, Robert dividiu a gravação e mixagem com Paul Corkett, conhecido por trabalhos como Black Market Music do Placebo, The Boatman’s Call do Nick Cave, e em Bloodflowers.

Linda versão em vinil cinza martelado

O álbum já abre com “Alone”, faixa que segundo Smith destravou o álbum. Pela primeira vez que ouvi, achei que se tratava de uma despedida da banda “ this is the end of Every song that we sing”. Porém, depois de saber das mortes de seus pais e irmão, fica fácil ligar os pontos. A família de Smith era uma família de músicos. Todos deviam tocar algum instrumento. Imagine quantas canções estes três cantaram com o pequeno Robert em sua vida. Ela mantem a tradição de longas introduções. São 3:20 minutos densos que não nos faz sentir nenhuma ansiedade pela entrada do vocal. E ai vem aquilo que falei antes. Quem, em 2024, com um potencial de alcance como o The Cure, ia insistir em introduções de mais de 15 segundos? O mercado atualmente não tem capacidade de manter a atenção em uma musica que não empurre um refrão estourado a cada 30 segundos. Robert Smith está cagando para o mercado, ele quer tocar a sua música. A dor dessa canção, a tristeza, o sentimento, tudo está tão palpável que não precisa tradução. É The Cure em seu estado mais puro.

A próxima, “And Nothing is Forever”, temos mais uma vez temos uma introdução longa, e igualmente cativante. Nela um pedido de fidelidade até o fim é feito por um Smith preocupado com o findar de seu tempo. A preocupação dele com a velhice vem de longe, “Lullaby” e “39” são exemplos. Mas agora a idade chegou e tudo está mais próximo. Na terceira faixa aparece, para mim, a primeira queda na qualidade do album. “A Fragile Thing” me remonta a fase mais dançante e alegrinha, como “Mint Car”. Não é minha preferida do álbum, mas tem agradado a muitos com seu ritmo mais agitado. Em” Warsong” temos aquele The Cure do Wish, com as crônicas dos casais em rota de colisão. Uma introdução rasgada pela guitarra de Sir Gabrels em seus pouco mais de 2 minutos. Então mais Cure que gostamos. É uma bela surpresa essa música, temos nuances que vão aparecendo aos poucos, e que fazem com que seus 4 minutos pareçam bem menos.

Reeves Gabrels e Robert Smith ao vivo

Raramente vemos Robert Smith sair das questões do individuo e manifestar-se sobre a sociedade. Não que isso não ocorra, mas ele tenta se manter distante, pelo menos nas suas canções. Em “Drone: Nodrone” Smith expõem suas preocupações com as novas tecnologias, algo que Smith já se pronunciou contra. “I Can Never Say Goodbye”, uma homenagem a Richard Smith, irmão de Smith, que faleceu em 2011, me faz lembrar de “Cut Here”, onde a perda do amigo Billy Mackenzie, vocalista do The Associates, que cometeu suicídio em 1997, traz para Robert um sentimento de culpa. Aqui ele lamenta de nunca poder ter se despedido. Arrastada, é uma das canções mais fortes do álbum.

Quase finalizando o álbum temos um Robert Smith se abrindo ao mundo sobre o que é, como vê as coisas, e até sobre como escreve suas letras. A mais rápida de todas as músicas do álbum, mas nem por isso dançante, pois mantem ainda a atmosfera das outras canções. Então chegamos a “Endsong”. Canção permeada, mais uma vez, por sentimentos de fim de uma existência, de abandono, solidão, Para essa musica, Smith relata que foi inspirado ao lembrar da noite que com seu pai, assistiu a aterrisagem da Apollo 11 na lua com seu pai. A introdução, com mais de 6 minutos, nos leva por uma viagem de saudade e pesar. A musica tem mais de 10 minutos. E vale cada segundo. Está tudo acabado, repete Robert. Deixado sem nada, no final de cada canção. Smith, que decidiu com Mary, não ter filhos, parece estar sentindo a solidão cada vez mais presente com a partida dos familiares mais velhos. Vemos a importância que irmãos e pais têm para ele, algo que dificilmente associamos aos astros do Rock.

O The Cure em foto promocional de Songs of a Lost World

The Cure volta com um álbum que supera seus antecessores e que, para uma banda que está há quase 50 anos na estrada, mostra que não é preciso se acomodar, nem lançar álbuns caça-níquel para se manter na ativa. A agenda de shows, todos com ingressos esgotados, do The Cure nunca parou. A vontade de Robert Smith de nadar contra a corrente, também não.

A critica especializada, que nunca foi afável com Smith e seus companheiros, recebeu Songs of a Lost World com elogios e entusiasmo. Ganhou nota máxima do The Guardian, The Independent e The Telegraph. Foi indicado como Melhor álbum britânico do ano, melhor grupo Britânico e melhor atuação alternativa/Rock no Brit Award 2025. Porém não ganhou em nenhuma categoria. No Reino Unido alcançou o primeiro lugar nas paradas, fato que não ocorria desde Wish, em 1992. Nos EUA estreou em 4º lugar na Billboard 200.

Para mim, cuja opinião vale mais que a de todos esses críticos, Songs of a Lost World é o melhor trabalho do The Cure desde Wish, e mostra como o The Cure é diferenciada, pois continua a produzir arte com alma, sem se preocupar em agradar, em seguir formulas impostas pelos desejos do público, e ainda assim, que seja de alta qualidade. Para nós, ouvintes de boa música, vemos que ainda há esperança no mainstream da música pop. Nota 8,5/10.

Contra-capa do vinil

Track lista

  1. Alone
  2. And Nothing Is Forever
  3. A Fragile Thing
  4. Warsong
  5. Drone: Nodrone
  6. I Can Never Say Goodbye
  7. All I Ever Am
  8. Endsong

Um comentário em “The Cure – Songs of a Lost World [2024]

  1. Excelente resenha, Antonio! Profunda, bem embasada com conhecimento de causa da banda e com o que mais curto na música: revelando o que nos toca, o que nos emociona em cada lançamento das bandas que amamos.
    Também curti demais esse novo disco deles e, realmente, mar calmo não faz bom marinheiro… E, na minha opinião, depois de quase 50 anos na estrada, altos e baixos são normais e bem-vindos.

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