Matérias Especiais: O rock progressivo nas paradas de sucesso

Matérias Especiais: O rock progressivo nas paradas de sucesso

Por Ronaldo Rodrigues

Para os jovens entusiastas do gênero talvez seja difícil imaginar, mas ‘sim, o genuíno rock progressivo já fez muito sucesso e levou multidões para estádios. Parece até que estamos falando de um mundo imaginário, mas na década de 70 o estilo realmente foi uma onda bastante consistente, de grande penetração em toda a mídia e parte de todo o mainstream da indústria fonográfica.

Neste texto vamos destacar o lado comercial do rock progressivo através de alguns números e estatísticas. O underground londrino fervia desde o fim dos anos 60, com grupos como Pink Floyd, Soft Machine, Caravan, Jethro Tull, Procol Harum, Moody Blues e até mesmo grupos de ninhagem beat, como o Pretty Things, Nirvana, Tomorrow e Manfred Mann, que iam para direções cada vez mais ousadas. O Moody Blues, com a aclamada obra Days of Future Passed, de 1967, alcançou a 27ª posição nos charts ingleses de álbuns. Ou seja – desde uma das obras consideradas a gênese do estilo, já se nota boa aceitação do público da época para ousadias como a do Moody Blues.

Alguns grupos começavam a se destacar pela notoriedade alcançada junto ao público. Um destes principais expoentes era o Colosseum, considerado já na época um supergrupo por ter dois egressos do grupo de Graham Bond, das parcerias com John Mayall e do Bakerloo. Apesar da origem blueseira, o DNA da banda estava contaminado pela rica rítmica do jazz e pelos lampejos sinfônicos trazidos por Dave Greenslade em seus teclados. O Colosseum tinha apresentações pra lá de concorridas não só na Inglaterra como em toda a Europa central. Outro expoente era o Nice, inovador trio com os virtuosos Keith Emerson, Brian Davidson e Lee Jackson. O Nice era presença freqüente na mídia e a performance explosiva de Emerson chamava atenção generalizada no público interessado em música. Ambos estavam sobre o guarda chuva de poderosas companhias fonográficas da época – o Colosseum na Vertigo, subsidiária da Philips, e o Nice com a EMI, após a aquisição da Immediate Records.

Em 1970, o maior festival ao ar livre do período, a 3ª edição do Festival da Ilha de Wight, contou em seu cast com Jethro Tull, Emerson, Lake & Palmer (em sua segunda aparição ao público), Moody Blues e Supertramp, além de outras grandes estrelas de outras vertentes do rock, tocando para um público estimado em centenas de milhares de pessoas (estimativas apontam entre 400.000 e 600.000 pessoas). Dali em diante, o rock progressivo se agigantaria em números.

Todas as nascentes bandas progressivas eram apostas de selos importantes – Yes com a Atlantic Records, Gentle Giant com a Vertigo, Jethro Tull, ELP e King Crimson com a Island, Genesis e Van der Graaf Generator com a Charisma, Curved Air com a Warner e o Caravan com a Decca (mesma gravadora dos Rolling Stones).

Abaixo vamos colocar alguns feitos discográficos e outros dados que atestam a popularidade dos medalhões do rock progressivo durante os anos 70:

Pink Floyd: sabidamente a mais popular banda do estilo, conhecida e venerada inclusive fora dos territórios progressivos. O disco Atom Heart Mother atingiu o topo das paradas inglesas de álbuns logo após seu lançamento em outubro de 1970 e Meddle chegou ao número 3 no ano seguinte. Em 1973, Dark Side of the Moon varreu o mundo. O single com “Money” atingiu o topo da parada norte-americana, assim como o álbum na respectiva parada. Ao todo, Dark Side of the Moon alcançou mais de 40 milhões de cópias vendidas e o recorde de 591 semanas (mais de 10 anos) no Top 200 da Billboard. Sucesso similar aconteceu com o álbum seguinte de 1975, Wish you Were Here. Tanto Roger Waters quanto David Gilmour não sabem mais o que é tocar para pequenas plateias desde então e ambos ainda lotam estádios, mesmo 40 anos depois do ápice artístico e comercial do Pink Floyd.

Emerson, Lake and Palmer: Anunciados com pompa e circunstância como um supergrupo, o ELP já encontrou sucesso fonográfico e grandes platéias desde sua estréia. Em 1970, o primeiro álbum do grupo atingiu a 4ª posição nos charts britânicos. O single com “Lucky Man” chegou ao número 48 no mercado norte-americano. Em junho de 1971, com o lançamento do complexo e explosivo álbum Tarkus a banda atingiria o topo das paradas britânicas e o número 9 nos EUA. O sucesso de vendagem foi mantido nos lançamentos seguintes, com os álbuns Trilogy e Brain Salad Surgery chegando ao número 2 em 1972 e 1973 e a acústica faixa “From the Beggining” atingindo o número 39 na parada americana de singles. Shows em ginásios e grandes arenas eram lugar comum para o ELP na ocasião, mas a aparição no festival California Jam foi um marco para a banda, que era o headliner do evento com um público estimado de 250.000 pessoas e transmissão em cadeia nacional na TV americana. Já em 1977, o single “Fanfarre for a Common Man” foi o mais bem sucedido da banda, alcançado o número 2 nas paradas britânicas. Mesmo o controverso álbum Love Beach, atingiu 500.000 cópias vendidas em janeiro de 1978. O ELP foi um fenômeno de público, tocando para grandes audiências ao redor do mundo desde o início de sua carreira até 1978.

Yes: após dois sucessivos álbuns de pouca vendagem, Yes Album (1971) chegou ao nº 4 da parada britânica e na posição 40 do Top 200 da Billboard. Os álbuns seguintes todos tiveram bom desempenho. Fragile (1971) chegou a 7ª posição na Inglaterra e na 4ª nos EUA, e o single com a faixa “Roundabout” atingiu o número 13 da disputada parada da Billboard. O complexo e aclamado Close to the Edge (1972) chegou ao número 3 nos EUA e no número 4 na terra natal da banda. Na esteira de consecutivos sucessos, Tales from Topographic Oceans chegou ao topo da parada britânica por 2 semanas no início de 1974 e no número 6 nos EUA. A tour norte-americana de 1976 com Patrick Moraz nos teclados seria uma das mais concorridas da história da banda, nas quais plateias próximas de 100.000 pessoas se deslocavam para ver os shows da banda em imensas arenas. O topo seria novamente atingido na Inglaterra em 1977 com Going for the One e mesmo o bastante criticado álbum Tormato (1978) também se saiu bem nos charts, ainda que lançado no hostil período em que as rádios estavam infestadas de disco music e pós-punk.

Jethro Tull: Em 1969, o álbum Stand Up, segundo lançamento da banda, alcançou o topo da parada britânica de álbuns. Foi o único lançamento da banda a atingir tal feito, o que não significa que os outros álbuns tenham fracassado. Na mesma época, o single com “Living in the Past” atingiu o número 3 na Inglaterra e o número 11 nos EUA. Também os álbuns Benefit e Aqualung estiveram os 10 mais vendidos na época na Inglaterra de seus lançamentos. Aqualung também esteve entre os 10 mais vendidos nos EUA em 1971, atingindo 1 milhão de cópias vendidas em junho de 1971. O sucesso nos EUA aumentou enormemente após Aqualung, o que fez os subseqüentes Thick as a Brick (1972) e A Passion Play (1973) também ficarem breve período como o mais vendido nas paradas. Até 1975, com Ministrel in the Gallery, o Jethro Tull ganharia 6 discos de ouros por seus lançamentos, com tours extensas e muito rentáveis pela Europa e EUA. O sucesso da banda foi contínuo, em maior ou menor grau, até Stormwatch (1979).

Genesis: O Genesis começou a ter relativo sucesso a partir de Nursery Crime (1971), disco elogiado por Keith Emerson e pela crítica britânica de modo geral. O álbum chegou a modesta 39ª posição nos charts britânicos naquele ano. Gradualmente o sucesso foi se avolumando. O disco seguinte, Foxtrot (1972), já atingiu a 12ª posição com uma bem sucedida tour pela Inglaterra e EUA. Já Selling England by the Pound lambiscou o topo, chegando a 3º na Inglaterra e figurando pela primeira vez entre os mais vendidos nos EUA. O single com “I Know What I Like” também teve boa performance em diversos países (Brasil incluso). O lançamento de The Lamb Lies Down on Broadway levou a banda fazer mais de 100 shows entre 1974 e 1975 e, a partir da saída de Peter Gabriel da banda, o grupo agora capitaneado por Phil Collins nos vocais atingira sucesso realmente de escala internacional. A Trick of the Trail também chegou a número 3 das paradas britânicas de álbuns, com uma tour bem sucedidas, assim como o disco seguinte Wind and Wuthering. Com a saída de Steve Hackett, a guinada ao pop se tornou mais acentuada e o single “Follow You, Follow Me” chegou ao 7º posto nas paradas britânicas de singles de 1978 e a 23º nas paradas americanas. A tour deste álbum foi um enorme sucesso. A partir daí o Genesis se acostumou com cifras milionárias e plateias enormes.

Focus: foi um dos primeiros grupos não britânicos a atingir sucesso mundial no estilo. Em 1971, o álbum Moving Waves chegou ao segundo lugar nos charts ingleses, quarto lugar na Holanda e oitavo lugar nos EUA. Em 1972, com o álbum Focus III, o Focus chegou à 6ª posição na parada britânica e colocou dois singles (“Sylvia” e “Hocus Pocus”) no Top 40 britânico, um feito inédito para faixas instrumentais. Em 1973, as 24 datas da tour britânica tiveram todos os ingressos esgotados rapidamente e aparições da banda na TV inglesa e na BBC tiveram enorme audiência. Em 1975, a tour de Hamburguer Concerto já incluía Japão, Austrália e EUA, onde participaram com enorme sucesso do programa de TV Don Kirschner’s Rock Concert.

Moody Blues: Três álbuns da banda ficaram ao menos 1 semana no topo da parada britânica de álbuns – On a Threshold of a Dream (1969), A Question of Balance (1970) e Every Good Boy Deserves a Favour (1971). O álbum seguinte, Seventh Sojourn (1972), chegou ao topo da parada norte-americana, atestando a banda como grande vendedora de discos dos dois lados do Atlântico.

Mesmo bandas que não figuraram no topo das paradas tiveram bons feitos comerciais ao longo da década de 70, como o Gentle Giant com o álbum Free Hand (1975) que chegou ao Top 50 dos álbuns nos EUA, a Mahavishnu Orchestra que chegou ao 15º posto nos EUA, ao 20º na Inglaterra e aos 29º na Alemanha com o álbum Birds of Fire (1973), ou o Van der Graaf Generator com um surpreendente 12º lugar nas paradas da Itália com o ousado álbum Pawn Hearts (1971), ou ainda o Camel que chegou em 15º nos charts britânicos com Moonmadness (1976) e teve performance similar com o disco anterior, o instrumental Snow Goose (1975), e com o posterior Rain Dances (1977). O Curved Air foi outro caso de sucesso local na Inglaterra, tendo seus três primeiros álbuns entre os 20 mais vendidos nas respectivas épocas de seu lançamento e a faixa “Backstreet Luv” com o 4º lugar entre os singles de 1971. Nos EUA, o Kansas encontrou sucesso em 1976 com o single de “Carry On my Wayward Son” e no ano seguinte com a acústica “Dust in the Wind”, um hit mundial (número 5 na parada da Billboard) que tornou o nome da banda realmente conhecido.

Dados de outros países são raros de ser encontrados em estatísticas confiáveis. Contudo, fora do eixo EUA-Inglaterra, o caso mais notável de sucesso progressivo foi o Premiata Forneria Marconi, que estourou localmente (Storia di un Minuto foi o mais vendido em 1972), tendo Photos of Ghosts (1973) no Top 200 da Billboard e uma tour muito reconhecida pelo público norte-americano entre 1975 e 1976, incluindo aparições em TV e rádio.

Nos anos 80, apenas sons que tangenciaram o rock progressivo atingiram grande alcance de público, como foi o caso do supergrupo Asia e do Marillion. Os grupos do passado que estavam em franco sucesso (Yes, Genesis, Pink Floyd) já tinham se direcionado para uma formatação totalmente pop. Daí por diante, o rock progressivo se consolidou com música de nicho e deixou de ter amplo alcance junto ao público jovem e mesmo para o público específico do rock.

4 comentários sobre “Matérias Especiais: O rock progressivo nas paradas de sucesso

  1. Eu particularmente não gosto do Tales do Yes. Uma coisa aqui outra lá. Por mim seria um ótimo álbum simples com 4 faixas de 10 minutos. Saber que ele foi o mais bem sucedido da banda até então é surpresa. O Premiata se diferenciou tanto assim dos seus pares italianos? Nem Banco ou Le Orme fizeram pelo menos parecido? Talvez a última banda de progressivo mais tradicional que tenha chegado ao topo foi mesmo o Marillion. Muito bom Ronaldo!!!!

    1. Tb não sou um fã ardoroso do Tales, acho um disco exagerado. Bom, mas exagerado. Mas nesse caso imagino algo parecido com o que acontece com franquias de filmes. Um filme é muito famoso, logo, o que vem em seguida gera muita expectativa e muita gente vai ao cinema ver a continuação. Mas chega lá, nem curte tanto. De toda a forma, já pagou o ingresso e fez o filme fazer um enorme sucesso. Acho que foi mais ou menos isso que ocorreu. Quanto aos demais italianos, até onde li o sucesso deles era mais local mesmo, só o do PFM que foi uma coisa mais disseminada. Valeu, abraço!

  2. O fato do rock progressivo ter tido grande repercussão durante aqueles 10 anos entre 68 e 78 sempre me foi a prova que sucesso se dá com investimento e marketing muito mais do que estilo de som.

    1. Oi André! interessante seu ponto e com certeza concordo que o investimento é/foi fundamental para que o estilo se popularizasse. Muito da demanda por esse tipo de som se deve a oferta, mas a oferta feita numa lógica de marketing, não simplesmente ter o material e colocar na internet como acontece nos dias de hoje. Por outro lado, tem um ponto – demanda não se cria, demanda se atende. Surgiu o investimento no estilo pq tinha uma parcela consistente de público interessada; o investimento permitiu atender e em certo grau até ampliar esse interesse, mas duvido que ele tenha “criado”. Pensando na lógica de quem investe, investe-se quando se enxerga um potencial claro daquilo dar certo. Abraço!

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