Tralhas do Porão: Atlantis Philharmonic

Tralhas do Porão: Atlantis Philharmonic

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Por Marco Gaspari

Nunca fui raptado por um disco voador. Mas se fosse gostaria de ir parar em Cleveland, Ohio, em pleno Meio-Oeste americano e na primeira metade dos anos 70. Naquela época, acredite, alguns Estados dessa região desenvolveram um tipo de rock que, comparado ao do resto dos EUA, nos dava a sensação de estar em outra galáxia.

Explico melhor: todo mundo sabe que o roqueiro americano nunca nutriu grande admiração pelo progressivo sinfônico europeu. Acontece que em algumas cidades do Meio-Oeste, as rádios FM locais passavam a madrugada inteira desfilando bandas inglesas como Gentle Giant, Van der Graaf Generator, Caravan, Camel, além das manjadas Yes, Genesis, Moody Blues e ELP. E várias lojas de discos abasteciam o mercado com artefatos de progressivo italiano, alemão, escandinavo, francês… Enfim, tudo o que era obscuro para o ouvinte roqueiro americano normal.

O resultado disso é que uma boa parcela de jovens músicos desses grandes centros, aqueles que não viam a hora de montar suas bandas e viver de sexo, drogas e rock’n’roll, acabaram por se trancar na garagem de suas casas para compor músicas que os levassem a viver de sexo, drogas e rock progressivo. Influenciados justamente por Yes, ELP e demais sons que povoavam suas noites.

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Uma dessas bandas foi batizada de Atlantis Philharmonic e pode-se dizer que eram alienígenas mesmo entre as bandas alienígenas americanas do Meio-Oeste. E a razão é que essa nave louca progressiva era pilotada por apenas dois tripulantes: Joe DiFazio no comando do órgão, piano, mellotron, moog, baixo de pedal, guitarra e vocais e Royce Gibson como encarregado da bateria e de toda a percussão que alimentavam os motores da banda.

Infelizmente, não me foi possível achar detalhes precisos sobre o grupo na internet. Muito menos nos episódios de Arquivo X. Parece que existe todo um complô (provavelmente capitaneado pela NASA) para despistar e esconder informações que nos leve a esse Roswell do rock americano.

O que parece ser consenso é que Joe DiFazio começou a ter aulas de música clássica ainda no ginásio e que depois disso foi aceito em uma faculdade de Ohio para frequentar um curso de música. Ficou apenas dois semestres nesse curso, aparentemente porque caiu de amores pelo rock’n’roll e largou tudo para tocar em uma banda canadense que fazia cover dos Beatles.

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Em 1971 (alguns dizem 1974) juntou-se a Royce Gibson na tentativa de misturar o hard rock e o jazz com a sua antiga paixão pela música clássica. O nome da banda nessa época era Atlantis e provavelmente ganhou o adendo Philharmonic em função das várias bandas que já gravavam com o mesmo nome (Atlantis, por exemplo, foi o grupo alemão de Inga Rumpf depois que terminou o Frumpy).

Com material composto pela dupla e várias apresentações no circuito do Meio-Oeste , onde consta terem aberto shows do King Crimson, Wishbone Ash, Stix e Tim Buckley , entre outros, recrutam o produtor Perry Johnson, gravam no Castle Studios, em Lake Geneva (lembra da música “Smoke On The Water”?) e lançam seu único LP homônimo pelo selo Dharma de Chicago em 1974.

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São seis músicas distribuídas em pouco mais de 34 minutos. A primeira, “Atlantis” (não achei no youtube, infelizmente), é keithemersoniana até a raiz dos cabelos, mas sejamos justos: é um ELP com um Lake a menos e uma guitarra hard a mais.

Depois vem “Woodsman” , onde um piano clássico costura uma espécie de interlúdio romântico entre as pregas de Moody Blues e de Barclay James Harvest, aguardando o arremate pomposo de um mellotron inspirado.

Death Man, a terceira faixa, começa jazz e vai aos poucos se aventurando por um poderoso blend de guitarras bélicas, teclados vertiginosos e bateria épica. Belíssima.

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“Fly-The-Night” (mais uma que não achei no youtube) retoma a proximidade com aquele som do ELP que abriu o lp, mas como daquela vez, tem seus momentos de personalidade própria.

My Friend” é outra balada com pianinho saltitante, muito bonita e sacudida, com texturas de Mellotron e toques de cravo.

E pra terminar, como quem deixa a cereja pro final, “Atlas, a música mais longa do disco e que nos soterra de riffs de guitarra, bateria cavalar, gongos, efeitos de sintetizador e um vocal que remete a paisagens pastorais em meio ao caos. Só ouvindo mesmo.

Logo depois de lançado o álbum, a dupla se transforma em trio com a entrada do guitarrista Roger Lewis e ainda permanece viva no circuito do Meio-Oeste por mais um ano antes de encerrar atividade. Pouco se sabe do paradeiro dos músicos a partir daí. DiFazio parece que voltou á universidade nos anos 80 e enveredou pelo caminho da tecnologia da computação ligada à música, tornando-se bacharel. Em 2008, uma home page da banda, bem pobrinha e suspeita, anunciou o lançamento do CD Atlantis Philharmonic II, ao que parece reunindo composições recentes.

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Para finalizar, li algumas resenhas bem favoráveis ao disco de 74 e outras que diziam que o som envelheceu mal (como se alguém envelhecesse bem!). Acho que o mais justo é que o leitor deste texto ouça as músicas e tire suas próprias conclusões. Se não gostar, faça como o primata do filme “2001, uma odisseia no espaço”, inspirado por aquele monólito alienígena: pegue um fêmur e surre o disco sem dó.

5 comentários sobre “Tralhas do Porão: Atlantis Philharmonic

      1. Obrigado, Francisco. Este é um dos textos que foi abduzido pelo antigo hospedeiro da CR. Daí que foi escrito há um tempão e milagrosamente resgatado já que estava perdido no espaço. Naquela época não havia ainda algumas das músicas do disco disponíveis no youtube. Agora tem. Awika!

        1. Eu me recordo. Foi por esse texto abduzido que conheci o trabalho dessa banda. Em tempo: “Atlas” é majestosa.

  1. Só acho uma pena que o disco tenha uma qualidade de gravação apenas regular. Uma produção mais esmerada o tornaria maior do que ele já. Músicas lindas, disco lindo, texto lindo, autor lindo.
    Abraço,

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